Botafogo pretende pleitear junto à Fifa o reconhecimento de três torneios em Caracas nos anos 60 como mundiais interclubes, algo que já consta no site da equipe carioca. Se o critério do clube da estrela solitária for válido, então o Brasil poderia ter mais nove título mundiais.

São Paulo e Cruzeiro (duas vezes cada um), o Bangu e o Corinthians seriam os outros agraciados por terem vencidos torneios jogados igualmente na capital da Venezuela entre as décadas de 1950 e 1970.

As competições que o Botafogo entende serem versões do mundial foram conquistadas em 1967, 1968 e 1970. Todas em Caracas. O argumento da diretoria para justificar o pedido é que foram disputas com equipes fortes do mundo, algumas base de seleções.

“É uma ode à nossa história gloriosa, bem como aos atletas da época, que enfrentaram grandes adversários do mundo. Uma constelação de ídolos que merece toda reverência. A história tem que ser, antes de tudo, valorizada por nós. Por isso autorizei que fosse publicado esse registro no site oficial. Agora, o caminho é finalizar o projeto e dar início aos trâmites em busca do justo reconhecimento em âmbito internacional. A fundamentação para o pedido foi elaborada por um grupo de pesquisadores liderado pelo grande benemérito Luiz Felipe Carneiro de Miranda, curador do Centro de Memória [do Botafogo], disse o presidente Nelson Mufarrej, ao “GloboEsporte.com.”

Ocorre que as conquistas botafoguenses nesses torneios não tiveram grande repercussão na época.

Por exemplo, a taça de 1967 foi promovida pelo Círculo dos Jornalistas Esportivos da Venezuela. As partidas foram no estádio Olímpico da Cidade Universitária. Os botafoguenses bateram o Peñarol (1 a 0), do Uruguai, e o Barcelona (3 a 2), da Espanha.

Tinha craques como o goleiro Manga, os meio-campistas Afonsinho e Gérson, os pontas Rogério e Paulo Cézar Caju e o centroavante Rogério.

O jornal “O Globo” registrou a conquista em uma nota no pé da página de Esportes com o título “Campeão em Caracas, o Botafogo”. Já o “Jornal do Brasil” registrou como manchete do caderno: “Botafogo vence o Barcelona por 3 a 2 e é campeão”.

Já o “Correio da Manhã” noticiou dois dias depois e a chamada não destacou o título. Era “Botafogo tem dois anos para decidir sobre Paulo César”. Dentro da reportagem, o jornalista falou da vitória sobre o Barcelona e a conquista do “Triangular de Caracas”.

Diferentemente do que buscam os botafoguenses, nenhum dos jornais citou a disputa como mundial.

Em 1968, o Botafogo derrotou uma seleção argentina (1 a 0) e o Benfica de Coluna, Torres, Eusébio e Simões (por 2 a 0) para levantar as taças Julio Bustamante e Oldemario Ramos. Porém a repercussão foi pequena. Apenas duas notinhas nos principais jornais do Rio.

O “Jornal do Brasil” publicou: “Botafogo dá no Benfica de 2 a 0”, com uma nota de dois parágrafos. Já “O Globo” deu uma nota de parágrafo único: “O Botafogo derrotou o Benfica”.

Dois anos depois, novamente na Venezuela, o Botafogo venceu um torneio chamado pela imprensa de “Triangular de Caracas”. Dessa vez, já sem Gérson, negociado com o São Paulo, e sem Jairzinho, que não viajou.

O time derrotou a seleção da União Soviética por 1 a 0 e depois o Spartak Trnava, então da Tchecoslováquia, por 2 a 1.A equipe alvinegra foi dirigida nessas duas últimas conquistas por Zagallo.

Algo curioso em relação ao critério do Botafogo é que o clube “esqueceu” uma outra conquista obtida em Caracas.

Foi em 1966, quando enfrentou o Santos de Pelé em dois jogos promovidos pelo Círculo dos Jornalistas Esportivos da Venezuela. Perdeu o primeiro (2 a 1) e venceu o outro (3 a 0). Ainda assim, a conquista foi informada apenas em notinha nos jornais.

Pequena Copa do Mundo

O torneio mais famoso entre clubes em Caracas foi a Copa Marcos Pérez Jiménez, mundialmente conhecida como Pequena Copa do Mundo. A taça conseguiu atrair grandes esquadrões do futebol porque era bancada com dinheiro do governo venezuelano.

Foi disputada em três momentos. A fase clássica foi de 1952 até 1957. Depois houve uma tentativa de reviver o torneio entre 1963 até 1970, anos em que já existia a Copa Intercontinental, entre os campeões da Copa Libertadores e da antiga versão da Champions League.

Por fim, houve uma edição isolada em 1975.

É importante ressaltar que durante os anos 60, o torneio coexistiu juntamente a outras disputas na capital da Venezuela, entre as quais os torneios vencidos pelo Botafogo. Até hoje não há um consenso histórico se aquelas disputas fizeram ou não parte da Pequena Copa do Mundo.

Por ter muito prestígio e ser financeiramente rentável, a Pequena Copa do Mundo chegou a ter craques como Di Stefano, que jogou mais de uma edição, tanto pelo Millonarios, da Colômbia, quanto pelo Real Madrid, da Espanha, ao lado de Gento e Puskas.

O torneio ainda teve o River Plate de Labruna, o Barcelona de Kubala e depois o de Evaristo de Macedo, o Botafogo de Garrincha, o Santos de Pelé, entre outras equipes. Também participaram alguns selecionados nacionais.

Apenas dois brasileiros foram campeões. O Corinthians foi o primeiro. Ergueu o troféu invicto e com 100% de aproveitamento em 1953, derrotando o Barcelona, a Roma e um selecionado de Caracas em dois turnos.

O São Paulo foi bicampeão. Primeiro em 1955, numa edição com Valencia, Benfica e La Salle (Caracas), com três vitórias, dois empates e uma derrota. Depois, em 1963, superou Real Madrid (com Puskas, Gento, Di Stefano e Evaristo) e Porto. Foram duas vitórias e um empate.

Outros torneios em Caracas

Os outros campeões mundiais, seguindo o critério botafoguense teriam sido o Bangu, em 1958, ao conquistar um torneio chamado pela imprensa de “Taça de Natal de Caracas”, em 21 de dezembro. Derrotou o Malmö, da Suécia, por 2 a 1, e depois o Osasuna, da Espanha, por 1 a 0.

O feito banguense recebeu a seguinte chamada no “Jornal do Brasil”: “Bangu campeão invicto”. E a nota de quatro parágrafos destaca apenas que o próximo destino do time era Costa Rica. Não dá nenhuma outra ênfase.

O Cruzeiro foi bicampeão de torneios na Venezuela anos depois.

Primeiro em 1970, com o Trinagular de Caracas, derrotando o Celta de Vigo, da Espanha, por 1 a 0 e empatando com o Porto, de Portugal, sem gols. Sete anos depois, no Torneio de Caracas, ao bater o Grêmio (2 a 0) e empatar sem gols com o Independiente, da Argentina.

Na história do futebol brasileiro, outros dois clubes pleiteiam títulos mundiais, mas não pelos critérios do Botafogo.

Palmeiras como vencedor da Copa Rio de 1951, um torneio que reuniu diversos campeões nacionais e cuja final foi contra a Juventus, da Itália, com duas partidas no Maracanã. E o Fluminense que venceu a segunda edição da Copa Rio, disputada nos mesmos moldes, mas que teve como outro finalista o Corinthians, que perdeu o primeiro jogo e empatou o segundo.

ESPN