Formiga tinha um plano ao se despedir do Paris Saint-Germain em 2021: se aposentar jogando pelo time do coração, o São Paulo, clube que a revelou para o mundo. Trinta anos depois de sua primeira passagem, Formiga revelou ao UOL que encontrou a mesma condição que via no clube nos anos 1990, sem perceber a evolução do futebol feminino nesse período.

As queixas da atleta são muitas: gramado sintético para os treinos; academia com horário limitado e apenas um turno para fisioterapia — da qual Formiga precisou depois da lesão no músculo posterior da coxa direita.

A quantidade de uniformes também era limitada: cada jogadora tinha duas camisas de jogo. Só que, a cada saída do clube, as atletas precisavam devolver os uniformes para que as novas contratadas as usassem. E as outras duas camisas? Formiga conta que eram destinadas a jogos festivos ou leilões. “E a gente, jogadora, que rala o ano inteiro, tem de se virar com duas camisas.”.

Fisioterapia escassa

Formiga machucou as duas coxas em sua segunda passagem pelo São Paulo e precisou de fisioterapia intensiva para se recuperar. O clube, ela conta, oferecia apenas um horário por dia. Ela, então, buscou fora do clube o tratamento particular como alternativa para voltar mais rápido aos campos. “Ouvi do supervisor [Kaio Pereira, que já não está mais no clube] que eu não deveria fazer fisioterapia fora do São Paulo, que não era certo. Mas se só me ofereciam um período, eu ia fazer o quê? Ficar em casa dormindo? Eu queria voltar a treinar logo”.

Formiga não se recuperou da lesão a tempo de disputar a final do Paulistão daquele ano. Ela acredita que o primeiro tratamento, na coxa direita, foi feito às pressas. A volante precisou forçar o retorno, o que terminou em outra lesão: dessa vez, na coxa esquerda.

Deboche por parte da supervisão

Quando voltei ao São Paulo, foi algo absurdo. Um choque de realidade muito grande. Fiquei muito triste com o que vi. A gente juntava a galera para conversar e debochavam quando eu sugeria melhorias. A estrutura que dão até hoje para o futebol feminino não é boa. Não é bacana.”..

Formiga conta, ainda, que o material de treino atrasava dias, e a comissão precisava tirar leite de pedra. Ela afirma ter chegado a oferecer parcerias com empresas de artigos esportivos, mas era ironizada pela comissão e pelo supervisor. “Eles diziam ‘vai lá com seus amigos da marca tal’. Chato, né?”.

“Vi muitas meninas rompendo o ligamento do joelho por causa do gramado sintético. Não tem como você treinar a semana toda no sintético para chegar no fim de semana e jogar num campo. Tem uma diferença grande. No campo, você escorrega. É difícil de acostumar. E o clube não oferece sequer uma chuteira de society para elas treinarem. Eu sou cascuda, estou acostumada, então não me prejudicava. Mas eu via as meninas sofrendo. E não imaginava que ainda hoje tudo isso aconteceria. Estamos num momento em que não podemos dar passos para trás. Daqui para frente, tem que ser só melhoria.”

O campo citado por Formiga fica no clube social. Ele possui grama sintética semelhante às quadras de aluguel e diferentemente de estádio como o Allianz Parque ou Arena da Baixada. Lá existe um horário reservado para o time feminino treinar, e, de acordo com o clube, as jogadoras optam pela facilidade da logística, pois pelo Morumbi tem alimentação, moradia e a fisioterapia.

O contrato da volante encerrou em 2022 e, de acordo com ela, o clube tentou a renovação. “Eu disse não”, conta. Ela afirma, ainda, que ao sair, queriam que ela devolvesse os uniformes. “Ouvi que, se eu não devolvesse, descontariam do meu salário. Eu disse: ‘Pois, meu filho, desconte! Não vou devolver’. O que é isso? Passei o ano todo com essa roupa. Daí a menina vai chegar vai ter que cheirar o meu sovaco? É falta de respeito comigo e com ela”.

‘Em quarto tá bom’

Outro ponto que desgastou a volante ex-seleção foi a falta de energia de quem comandava a equipe. Em uma conversa com o diretor Antônio Luiz Belardo, Formiga o viu limitando a equipe a quarto lugar no campeonato. “Sei que é difícil, que tem dificuldades. E eu cheguei cheia de energia dizendo ‘vamos arregaçar’, trocando ideia com o diretor, dizendo que seríamos campeãs. E ouvi que se a gente ficasse em quarto ‘tava’ bom, Me deu uma raiva. ‘Como é que é? Não. A gente vem para ser campeã. Eu vim para ser campeã. Foram passando meses e nada de mudar”, relembra.

Críticas de Cristiane e história

Pouco antes de anunciar a saída do clube, no fim de 2019, Cristiane já tinha criticado a estrutura do São Paulo. Ela ressaltou o problema do campo sintético e da academia antiga.

No final do ano passado, além do treinador Lucas Piccinato, 12 atletas deixaram o São Paulo na base e no profissional. Entre os principais desligamentos, Formiga e Thaís Regina, capitã da equipe. Sobre o atual treinador, Thiago Viana, a volante tece elogios. Ainda assim, acredita que sua competência é insuficiente para mudar toda uma estrutura. “Ele sozinho não vai conseguir fazer nada”.

São Paulo se defende

O UOL procurou o São Paulo e, em nota, o clube se defendeu das críticas. Disse que a escolha pelo piso sintético [grama artificial], na sede social do clube, ocorreu por causa de uma votação das atletas. Além disso, que a equipe feminina tem duas academias à disposição e também argumentou que as profissionais do Departamento Médico trabalham inclusive em turnos diferentes para dar conta da demanda.

“O Departamento Médico da equipe feminina principal conta com duas fisioterapeutas e uma médica. As profissionais trabalham em turnos diferentes, inclusive com atividades de prevenção e ativação por três vezes na semana antes dos treinos matinais e acompanhamento de toda a atividade em campo ao longo da semana, além de trabalhos de recuperação e tratamentos de lesões no período da tarde”, disse.

Confira a nota do São Paulo na íntegra:

A estrutura do clube conta com três locais de treinamento que podem ser utilizados pela equipe durante a temporada: Complexo Social do Morumbi, CFA Laudo Natel e CT da Barra Funda. A escolha pelos treinos no Morumbi, utilizando o campo sintético, foi por votação das atletas no início da temporada, assim como neste ano.

A equipe feminina tem duas academias a disposição das atletas, uma no clube, onde acontecem os treinos durante a semana, e outra dentro da fisioterapia do clube, local onde as atletas que necessitam fazem complemento. O Departamento Médico da equipe feminina principal conta com duas fisioterapeutas e uma médica. As profissionais trabalham em turnos diferentes, inclusive com atividades de prevenção e ativação por três vezes na semana antes dos treinos matinais e acompanhamento de toda a atividade em campo ao longo da semana, além de trabalhos de recuperação e tratamentos de lesões no período da tarde.

Os uniformes são cedidos pela fornecedora de material esportivo para o clube, de acordo com o previsto em contrato, com troca por temporada (que acontece para todas as equipes e categorias por volta de março).

https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2023/03/21/formiga-se-arrepende-de-retorno-ao-spfc-riam-quando-eu-sugeria-melhorias.htm

SAO PAULO, BRAZIL – AUGUST 19: Formiga of Brazil runs with the ball during the Women’s Football Bronze Medal match between Brazil and Canada on Day 14 of the Rio 2016 Olympic Games at Arena Corinthians on August 19, 2016 in Sao Paulo, Brazil. (Photo by Robert Cianflone – FIFA/FIFA via Getty Images)