O domingo começou quente. Um tuíte meu, com uma brincadeira endereçada a um velho e queridíssimo amigo, virou uma matéria no ‘São Paulo Blog’, seguidas de algumas rusgas, lamentações sobre o que virou a minha profissão e chateação de ambas as partes. Aqui, querido leitor, você já deve saber do que se trata.
Se não sabe ainda, explico: eu sou o Glauco de Pierri, palmeirense, jornalista profissional diplomado, editor-assistente de Esportes do Estadão. Meu amigo, Alexandre Giesbrecht, querido são-paulino, editor do ótimo ‘Anotações Tricolores’, que assim como esse espaço, diariamente alimenta a torcida do Clube da Fé com informações do dia a dia da equipe do Morumbi.
Sob a arroba @jogosspfc, o ‘Anotações’ passou a semana envolvido em uma polêmica, com direito a uma conversa com o também jornalista Paulo Vinícius Coelho, o PVC. O tema central da discussão era se o estádio Palestra Itália teria ou não sofrido uma real tentativa de invasão por parte de são-paulinos no âmbito da Segunda Guerra Mundial.
Neste domingo, na parte final da história entre o ‘São Paulo Blog’, o ‘Anotações Tricolores’ e PVC, eu tuitei para o meu amigo: “Eu acho que o São Paulo tentou roubar o Parque Antárctica há uns 80 anos e jogou a série A-2 do Paulistão de 1991”, seguido de um emoji com um sorriso irreverente, com o desenho mostrando a língua, e um afetivo “abs” ao final do texto.
A minha intenção era a mais inocente possível. Quis brincar com o Alê justamente em relação a um tema sensível para ele, a história do São Paulo. Mas eu preciso entender uma coisa: na era das redes sociais, não se brinca. Ainda mais se você carrega com você o nome da empresa onde trabalha.

Poucas horas depois, o meu WhatsApp foi inundado com os links da matéria, as notificações pipocavam e um temor se instalou: eles não sabem que isso foi uma brincadeira! @jogosspfc entrou em contato comigo rapidamente e já havia se comprometido em tentar conversar com o outro Alexandre da história, o Zanquetta, para explicar o mal entendido. Ainda tentei argumentar com outro Tricolor, que brincou comigo escrevendo que o Palmeiras não tinha título Mundial – eu argumentei, ainda na brincadeira, que achava que tinha sim direito a pleitear essa estrela na camiseta, mas que se ele não entendia assim não havia problema algum nisso, mandei um abraço e a vida se seguiu.
No fim da tarde, a confusão já tinha hora para ser desfeita. O ‘São Paulo Blog’, gentilmente, compreendeu que tratava-se de uma brincadeira entre amigos e se prontificou em excluir a matéria e o tuíte. Mas eu precisava conversar com o Alexandre para explicar que jamais foi a minha intenção o desfecho, que em 25 anos de carreira eu jamais havia feito coisa semelhante com qualquer outro clube do mundo, entre outros assuntos.
Também falei para ele que no jornalismo profissional, e isso ele não tem a obrigação de saber, seguimos (os que ainda tentam ser corretos) à risca uma premissa da qual não podemos nos desviar: sempre escutamos o outro lado da história. Se alguém tivesse me perguntado se eu achava realmente verdade absoluta aquilo que o texto que tuitei na brincadeira com o meu amigo, teria o maior prazer em responder que, obviamente, não.
Eu não tenho nenhuma informação que me diga respeito que nos idos dos anos 40, algum grupo de torcedores, diretores ou qualquer representante do São Paulo Futebol Clube planejou, organizou, arquitetou (ou qualquer outro verbo) um grupo para tentar invadir e tomar o terreno onde se encontrava (encontra-se até hoje, na verdade), a sede do então Palestra Itália. Também não tenho informação, notícia, etc, que me prove que palestrinos se entrincheiraram em frente à sede do clube, com barricadas contra a possível invasão.
Não posso afirmar que houve tentativa, ou que não houve a tentativa de invasão.

@jogosspfc já fez uma pesquisa a respeito nos principais jornais da época e provou que não há uma linha sobre o assunto na imprensa. Então, ‘acredito’, ou ‘acho’ (jornalista também pode achar) que esse fato ou não ocorreu ou teve a realidade distorcida com o passar dos anos – talvez os palestrinos, de fato, tenham sentido medo da invasão, e a história se propagou pelo lado deles da história.
Um fato que eu posso comprovar é que eu ouvi crescendo do meu pai que em 1942, o meu avô José de Pierri “e os seus amigos, saíram da Lapa e da Praça Cornélia e desceram para defender a nossa sede”. Ou seja, a versão palestrina é presente no imaginário da torcida há vários e vários anos, mas não significa que de fato tenha ocorrido.
A outra parte da brincadeira: “O São Paulo disputou a Série A-2 em 1991”. Não sou eu quem diz que o time do Morumbi não foi rebaixado, é o regulamento dos campeonatos paulistas de 1990 e 1991. Qualquer torcedor de clube rival sempre vai perturbar os Tricolores com esse assunto por conta da péssima campanha do time em 1990. Em um regulamento normal, o time teria sim jogador uma divisão menor um ano depois, mas não jogou. E isso não é culpa do São Paulo.
O meu argumento em relação ao Paulistão de 1991 é outro – o São Paulo de Telê Santana teve uma injusta vantagem nas semifinais daquele ano, disputadas em dois grupos com quatro equipes cada. O time disputou um campeonato muito mais fácil do que o do Palmeiras, fez mais pontos e jogou por um empate para avançar à decisão com o Corinthians. Não achei e até hoje não acho correto esse trecho do regulamento. Enquanto o São Paulo jogou contra Santo André, Olímpia, Catanduvense, entre outros, o Palmeiras mediu força com Corinthians, Santos, Portuguesa, Guarani, Mogi Mirim e outros times mais fortes.

No jogo decisivo, com o Morumbi com mais de 100 mil pagantes, o 0 a 0 permitiu ao São Paulo avançar à decisão. Tricolor e Alviverde terminaram com nove pontos no quadrangular, e o clube do Morumbi foi para a final, onde depois venceu o Corinthians com um show de Raí. Isso é a história, essa é a verdade – para mim, o regulamento favoreceu o São Paulo e a maior prova disso é que em 1992 e 1993, as semifinais sofreram alterações, times com melhor campanha entravam com ponto extra, entre outras coisas.
Por fim, outro item: “Palmeiras Campeão Mundial”. Senhores, com todo o respeito, para mim, o Palmeiras e qualquer palmeirense tem o direito de se considerar campeão do mundo por conta do título da Taça Rio de 1951. Mais – para mim, qualquer torcedor rival tem o direito de seguir dizendo que esse torneio não vale como um título mundial. Pelo ‘Estadão’, ao lado do meu grande amigo Jamil Chade, fiz inúmeras matérias sobre essa polêmica. Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa, nos garantiu que o título era Alviverde sim. Tempos depois, Gianni Infantino, tergiversou, nunca quis aprofundar o assunto, mas não considera o título como “Mundial da Fifa”.


Por fim, alguns recados:
1) Alexandre, um milhão de desculpas pelo tamanho do texto, mas esse é o meu ofício. E prefiro desfazer o mal entendido da forma como eu sei – escrevendo. Obrigado pelo espaço.
2) São-paulinos em geral: aproveitem e curtam a experiência no Allianz Parque. O Morumbi é um estádio espetacular, mas a arena Alviverde (ou Arena W.Torre, como vocês dizem) também é muito legal. Boa sorte no jogo contra o Água Santa.
3) Paz no futebol. Vamos viver em paz, senhores. Os últimos meses têm sido de lamentáveis episódios de violência. Vamos trabalhar para isso sumir do nosso futebol.
4) Doem órgãos, conversem com os seus familiares sobre o assunto – eu sou paciente renal crônico, estou na fila do transplante de rim e três vezes por semana faço sessões de hemodiálises. Pensem nisso.

Um grande abraço de um jornalista, que nunca escondeu ser palmeirense, mas jamais desrespeitou qualquer clube que seja.


*Glauco de Pierri é editor assistente de Esportes do Estadão, onde trabalha desde 2003.