Julio Casares está prestes a completar dois anos como presidente do São Paulo e tem a missão de fazer o que seus dois antecessores, Carlos Miguel Aidar (abril de 2014 a outubro de 2015) e Carlos Augusto Barros e Silva, o Leco (outubro de 2015 a dezembro de 2020), não conseguiram: devolver o clube aos anos de glórias no futebol brasileiro e também internacional. E parte deste desafio está no lado financeiro.

Eleito em 20 de dezembro de 2020 para um período de três anos a partir de 1º de janeiro de 2021, o atual mandatário tricolor derrotou Roberto Natel nas urnas por 155 votos a 78. Assumiu com dívidas totais de R$ 606 milhões e viu a mesma subir para R$ 697 milhões ao fim de seu primeiro ano de gestão.

Em entrevista exclusiva à ESPN, Casares, advogado e com 61 anos de idade, fez um balanço de seu mandato até agora. Defendeu as estratégias de sua equipe, apesar da crise financeira persistir, alegou que a dívida não é a propagada pela imprensa, opinou sobre onde e em que momento o São Paulo se perdeu para não conseguir mais competir com os rivais e também explicou o que falta para o clube, de fato, cogitar a SAF como uma alternativa viável.

Tamanho da dívida

A dívida do São Paulo só tem crescido nos últimos anos. Dos quase R$ 300 milhões do fim da ‘era Aidar’, o clube mais do que dobrou o passivo e encerrou o ano de 2021 com R$ 697 milhões – o déficit (receita, que foi de R$ 465 milhões, menos despesa) foi de R$ 232 milhões.

O discurso de Casares é que a situação é grave, mas não como propagada pela imprensa. O presidente alega que sua gestão mudou o perfil da dívida tricolor ao quitar os débitos mais urgentes e alongar os pagamentos para outros anos, a fim de ganhar respiro e buscar recursos em áreas como marketing e vendas de jogadores.

“O São Paulo precisa de um trabalho de reconstrução”, afirmou o atual mandatário, ao fazer um raio-x de sua gestão de quase dois anos. “[A avaliação] é de um clube em movimento, em reconstrução permanente, que herdou uma dívida enorme e de curtíssimo prazo, onde tínhamos 5 processos na Fifa. Mas em dois anos conseguiu estabilizar e buscar equilíbrio da sua dívida. Não é uma dívida propagada nesses valores que estão em pauta, é uma dívida menor. Uma dívida que está controlada, administrada”, garantiu.

Além dos valores devidos nos âmbitos trabalhista, fiscal e tributário, Casares herdou no São Paulo uma dívida imensa com jogadores por conta da pandemia. A gestão anterior, de Leco, fez um acordo com os atletas de pagar apenas parte dos salários e diretos de imagem no ano de 2020, com a promessa de que tudo seria quitado quando a situação se normalizasse.

Tal dívida chegou a ser de R$ 24 milhões e hoje caiu para menos da metade. A diretoria, embora tenha dado inúmeros prazos para saldar os valores durante a temporada, diz que vai acertar tudo até o fim deste ano para iniciar 2023 zerada com o elenco. O presidente acredita que a situação do clube ainda é delicada, mas ganhará um respiro daqui a dois ou três anos. “O que me deixa satisfeito é que estamos liquidando essa pendência. Estava acertado [de pagar débitos com os jogadores] até o final do ano, mas estamos antecipando. É muito difícil quando deve para um colaborador, por mais que você converse, acerte. Estamos liquidando, e isso me deixa muito feliz. Assumimos no meio de uma pandemia, sem dinheiro de bilheteria, sem marketing. Chegava aqui e tinha oficial de Justiça todo dia querendo penhorar coisas do São Paulo. Resolvemos isso e estamos quitando“, disse.

“Estamos resolvendo com planejamento, com alongamento da dívida. 2023 será um ano muito difícil, mas 2024 e 2025 começa a dar um cenário muito melhor e de mais perspectiva aos nossos 20 milhões de torcedores”, prometeu Casares.

A dívida é quitável?

A dúvida que todo torcedor do São Paulo tem: é possível sair do buraco e entrar nos eixos financeiramente? O presidente garante que é possível resolver o problema e diz como pretende resolvê-lo.

“Tem [como pagar]. Não é um processo que vai pegar de uma vez só e sanar. Temos que ter viés de competição, porque prêmio [pago nos campeonatos] hoje é uma grande receita, mais bilheteria, receita de televisão, com a Libra, que sou um defensor. E também com a venda de talentos que Cotia revela”, explicou Casares.

“Esse conjunto de valores e receitas faz com que o São Paulo programe essa dívida e ela venha baixando. Talvez num projeto de quatro ou cinco anos pode ser estabilizada para baixo. Esse é nosso objetivo e nosso planejamento”, disse o dirigente, que, após mudança do estatuto votada em assembleia, deve tentar a reeleição para um novo mandato no próximo pleito, em dezembro de 2023.

Quando e onde saiu dos trilhos?

Julio Casares tem participação ativa na vida política do São Paulo há mais de duas décadas. Passou a trabalhar no departamento de marketing do clube durante a gestão de Marcelo Portugal Gouvêa, a partir de 2002, e desde então ocupou diversos cargos, não só na área de negócios.

Pelo fato de ter trabalhado com todos os últimos presidentes, e se envolvido nas gestões de Juvenal Juvêncio e Carlos Miguel Aidar em especial, ele acredita que a agremiação tricolor tenha perdido a mão de suas finanças no mandato de Leco, especialmente no ano de 2019.

Na ocasião, o clube apostou alto em reforços caros, como Tiago Volpi, Pablo, Hernanes, Tchê Tchê, Alexandre Pato e, principalmente, Daniel Alves, que recebe salários do clube até hoje como acerto dos valores feito na rescisão. A dívida total, então, rompeu a barreira dos R$ 600 milhões e jamais conseguiu ser controlada.

“No terceiro mandato do Juvenal [2011 a 2014], o clube apresentou algumas distorções de caminho, de norte. Mas 2019 foi um ano em que o clube avançou demais nos gastos. Assumiu dívidas impagáveis. Foi uma virada de chave onde a dívida ganhou proporções enormes. Para que estanque a sangria e comece a trabalhar para diminuir, é um trabalho mais longo”, avaliou o atual mandatário, que garantiu que não repetirá o que foi feito por seu antecessor, Leco, que ficou mais de cinco anos no poder.

“Seria muito fácil eu chegar aqui e falar que vou comprar 3, 4 ou 5 craques, assumindo um custo para 4 anos seguintes e disputar mais títulos. Mas não posso fazer isso, porque, se eu fizer, vou fazer exatamente o mesmo modelo que fizeram em 2019.”

Por que não aderir à SAF?

Muitos acreditam que para o São Paulo voltar a ser competitivo e brigar por títulos contra Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG, é preciso encontrar um parceiro forte e que seja capaz de financiar não só a dívida, como também os gastos atuais e futuros do clube no departamento de futebol.

Neste sentido, fica a dúvida: por que o clube tricolor ainda não aderiu à Sociedade Anônima de Futebol (SAF) que já faz parte da vida recente do futebol brasileiro? Julio Casares diz que o São Paulo é “muito procurado” por grupos interessados neste tipo de parceria, mas explica por que não houve avanço neste sentido.

“A SAF foi a salvação para alguns clubes que estavam em uma situação muito mais agonizante. O São Paulo tem uma dívida muito mais equilibrada. Nossa dívida tem viés de baixa, é equilibrada, controlada, administrada. Se o São Paulo lá na frente optar por uma SAF ou outras modalidades, estará com muito mais musculatura para negociar”, disse o dirigente.

Casares ainda colocou por que entende que sob sua gestão já há melhoras consideráveis tanto na questão financeira quanto na esportiva.

“Uma coisa é negociar uma SAF estando literalmente quebrado. Você transfere aquela grande marca para um grupo empresarial. Se tivéssemos negociado a marca [São Paulo] há dois anos, estaríamos com o pires na mão. Hoje, não. O São Paulo de 2021, que tinha oficial de Justiça batendo na porta e 5 processos na Fifa, hoje não tem mais. O São Paulo de hoje tem um título paulista [2021], três decisões de campeonato [duas finais de Paulista e uma de Sul-Americana], uma semifinal de Copa do Brasil [2022] e contas equilibradas, com viés em baixa e reversão de um déficit de três dígitos.”

No fim de 2021, a atual gestão do São Paulo encomendou um estudo, feito por uma empresa terceirizada, para levantar os aspectos positivos e negativos da transformação do clube em uma Sociedade Anônima. O assunto deve ser debatido nos próximos meses para entender o quanto uma transformação agora é viável e por quanto dinheiro seria possível negociar.

Até lá, o São Paulo segue caminhando com dificuldades. Em 2022, o clube foi beneficiado na parte financeira por uma série de negociações de jogadores, muitos que sequer atuam mais no clube [caso de Antony, citado por Leco em entrevista à ESPN], e deve fechar com superávit pela primeira vez em muito tempo.

“É difícil você, no meio de uma crise econômica, mostrar o que está sendo feito. Vamos ter um relatório desses dois anos de inúmeras questões que avançaram. E o São Paulo está caminhando para isso. Se tem um doente na UTI, tem que tratá-lo para trazê-lo para semi-UTI, depois levar ao quarto, [depois] para fazer uma recuperação em casa e, depois, voltar a conviver como cidadão“, afirmou Casares, fazendo uma metáfora para explicar que em sua avaliação é tudo passo a passo.

“Nós tiramos da UTI. Dizer que ele [o clube] está no quarto, não. Está na semi-UTI, mas com muito mais autonomia e condições. Trabalharemos forte para que o São Paulo consiga trazer uma estabilização. O tempo vai mostrar, com o São Paulo entregue em boas mãos e equilibrado. Não posso comprometer o futuro. As gerações futuras ainda vão agradecer esse momento de reconstrução”, prometeu o presidente tricolor.

* Colaboraram Murilo Borges e Jean Santos

https://www.espn.com.br/futebol/sao-paulo/artigo/_/id/11241852/sao-paulo-julio-casares-presidente-entrevista-exclusiva-espn-uti-justica-porta-divida-controlada-prazo-cenario-melhorar