Então presidente do Conselho Deliberativo, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, teve de assumir a presidência do São Paulo às pressas em 13 de outubro de 2015 após a renúncia de Carlos Miguel Aidar, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro e que havia sido eleito em abril do ano anterior para um mandato de três anos. No fim, o novo mandatário ficou mais de cinco anos no poder, e o clube sob sua gestão não ganhou um título oficial sequer no futebol e ainda viu sua dívida total explodir e mais que dobrar, passando de R$ 300 milhões no encerramento de 2015 para R$ 606 milhões no final de 2020.

Nesta entrevista exclusiva à ESPN, o paulistano hoje com 84 anos de idade falou sobre tudo. Tentou explicar os gastos, apontou o que considera “duas coisas muito marcantes” que atrapalharam seu comando, disse o que avalia ter impedido o time de Fernando Diniz de ter sido campeão brasileiro após abrir sete pontos de vantagem na liderança dois anos atrás, detalhou o “equívoco” de Juvenal Juvêncio, reforçou ser contra a reeleição que beneficie quem está no poder, neste tema, citou Julio Casares, e ainda opinou sobre futuro e final da Sul-Americana.

Por que tanto gasto, Leco?

“Tive particularmente duas coisas muito marcantes. Aquela inundação imensa que destruiu o parque social do São Paulo [ocorrida em março de 2019, após fortes chuvas que atingiram a capital paulista e alagaram o complexo de piscinas e parte do estádio]. Ele precisou ser refeito inteiramente. Muito dinheiro gasto na infraestrutura. Muito, muito. Essa reconstrução do clube foi dispendiosa, além de paralisar atividades e gerar custos e despesas muito grandes.”

“Outro aspecto: a pandemia. Paralisou o futebol e reduziu significativamente todas as fontes de receita. Mas, importante frisar, nenhum dos quase mil funcionários foi mandado embora. E todos receberam. Os únicos que não receberam integralmente, e que precisamos jogar para a frente, foram os jogadores, que são aqueles que montam o custo mais elevado”, começou por dizer Leco, apontando os dois ‘culpados’ das dificuldades de sua gestão, especialmente na questão financeira.

Ainda sobre os gastos, acrescentou: “A isso tudo se soma que fizemos obras grandes, de infraestrutura. O Morumbi passou a ter um campo completamente novo e que é maravilhoso, alvo de elogios e reconhecimento de todo o futebol. Passou a ter vestiários novos, um túnel de acesso moderno. Isso são obras de grande expressão. O Morumbi tem um centro de imprensa e um auditório totalmente novos. Anel de baixo, que é de serviços e comércio, foi muito desenvolvido. A melhor iluminação que existe, que é de LED. Tivemos ocorrência de apagão e em menos de um minuto tudo voltou ao normal. Ou seja, está funcionando à perfeição.”

Leco, que, mesmo favorito, saiu derrotado por Paulo Amaral na disputa pela presidência tricolor em 2000 por uma diferença de só quatro votos e que foi vice em 2007, na gestão de Juvenal Juvêncio, seguiu dando sua versão de por que o clube gastou tanto sob seu comando. E também viu “sucesso” esportivo do time de futebol em alguns momentos.

“Se não investir num time de futebol, nada disso ajuda. Eu procurei fazer isso ao longo do tempo e tive sucesso em alguns momentos. Em 2016, eu fui 10º classificado no Brasileiro, em 2017, fui 13º, depois, em 2018, 2019 e 2020, fui 6º, 5º e 4º. Nós fomos projetando uma melhora, mas vivi momentos de grande apreensão, sofrimento, angústia, com ameaça de rebaixamento, quando em 2017 trouxemos o Hernanes e ele foi fundamental. Tudo isso são investimentos. Para trazer um Hernanes da China, custou um monte de dinheiro. O Lucas Pratto, o Arboleda nem tanto, o Daniel Alves, que tinha acabado de ser campeão da Copa América e considerado melhor jogador, histórico de torcedor do São Paulo. São investimentos que se precisa fazer buscando atender o desejo do torcedor, e eu sou um torcedor no fundo. Nem sempre isso dá resultado.”

Ainda sobre gastos, fez o complemento abaixo. E citou a venda de Antony para o Ajax, da Holanda, como uma operação financeiramente bem feita em sua gestão.

“Recebi dívidas que vieram. Teve dívidas que tive que pagar da contratação do Ricardinho, que foi em 2002. Teve isso e outras que foram acontecendo no correr do tempo, que vai tendo que honrar, porque é a instituição que deve. Não é simples, é muito difícil. Depende muito também do mercado do futebol, que hoje não está igual ao que foi. Esse mercado sustenta basicamente o clube normalmente. E nós procuramos fazer, sob o impacto de pressões permanentes, as melhores negociações. Muitas vezes não compreendidas, criticadas. O Antony, por exemplo, que vendemos por 18 milhões de euros e reservamos 20% numa próxima venda. Isso acabou de acontecer e o São Paulo vai encaixar mais de R$ 100 milhões. Eram cuidados que a gente tomava.”

Por que mais de 5 anos no poder?

Vale explicar. Leco foi presidente interino por 14 dias até ganhar a eleição definitiva convocada às pressas após a renúncia de Aidar e que aconteceu em 27 de outubro de 2015. Nela, venceu Newton Ferreira por 138 votos a 36 (ao todo, 193 conselheiros participaram do pleito, e 19 votaram em branco).

Cumpriu o mandato que originalmente era de Aidar até o seu prazo final, ou seja, abril de 2017, podendo concorrer à reeleição. O fez e ganhou de novo em 18 de abril de 2017, desta vez por 124 votos a 101 contra José Eduardo Mesquita Pimenta, candidato da oposição. Com a mudança feita no estatuto, o pleito deixava ali de ser no mês de abril e também não haveria mais reeleição.

Time de Diniz ‘quase’ campeão brasileiro

Em 2020, mesmo com time e elenco que não estavam nem entre os três melhores do Campeonato Brasileiro e com apenas um reforço em relação a 2019, Luciano, o São Paulo sob o comando do técnico Fernando Diniz impressionou, tomou a ponta e virou o ano com 7 pontos de vantagem. O ano acabou, mas a temporada, não. Devido à pandemia de coronavírus, ela invadiu 2021, e a competição ainda tinha 33 pontos a serem disputados. Muita coisa. Os melhores grupos se sobressaíram, o Flamengo acabou campeão (71 pontos), com o Internacional (70) como vice, o Atlético-MG (68) em terceiro, e o time paulista (66) em quarto, sem taça, mas garantido na fase de grupos da Conmebol Libertadores.

Leco lamentou a pausa, passou por cima sobre o fato de a nova gestão, de Julio Casares, ter assumido com a disputa em andamento e fez um paralelo com o time que viria a ganhar o Paulista meses depois para dizer por que acreditava que dava para ter levado o título nacional.

“Tivemos a infelicidade da paralisação do Campeonato Brasileiro, de modo que chegou 31 de dezembro, e o campeonato ainda tinha 11 rodadas pela frente. Estava em 1º com 7 pontos na frente do segundo colocado. A mudança de gestão… não vou entrar em considerações assim, de que deixaram de fazer qualquer coisa, mas acaba desarrumando uma estrutura. Em 11 jogos, fomos parar em 4º lugar. Certamente, se não tivesse ocorrido essa parada, e o Diniz e o time todo se mantivessem, era muito possível, muito possível, que a gente conquistasse o Campeonato Brasileiro. Dois meses depois, ganhou o Paulista, com o mesmo time e o [novo técnico, o argentino Hernán] Crespo. Só o Miranda [de reforço]. Foram os 10 que jogavam naquele time do Diniz. Mas a vida é assim, são detalhes e circunstâncias”, afirmou.

Amigos que viram inimigos

“Um clube de futebol de destaque e projeção, como é o caso do São Paulo, desperta naqueles que estão no entorno o interesse em aparecer. E muitos interesses aparecem e não convém ao clube ou não se adequam ao estilo. E interesse contrariado vira inimigo. Gente querendo fazer negócio com o São Paulo, tem 20 por dia. Gente querendo roubar o São Paulo, tem 50. O São Paulo, o Corinthians, o Palmeiras, etc.”

“A estrutura toda é complexa, ampla, que aqui e ali tem sempre alguma coisa, algum detalhe, algum interesse. Tive amigos que, porque não chamei para a administração, deixaram de ser [amigos]. Amigos de muito tempo. Preciso que me ajudem, não de hostilidade, confronto. Eu procurei pôr em ordem. Enquanto presidente do Conselho Deliberativo, lancei a ideia de fazermos um novo estatuto. O antigo estatuto estava de certa forma ultrapassado, já não correspondia aos ideais e estava muito retalhado.”

O “equívoco” de Juvenal

Um dos presidentes mais emblemáticos e lembrados do São Paulo, Juvenal Juvêncio, que morreu em decorrência de um câncer de próstata aos 81 anos em 9 de dezembro de 2015, comandou o clube por quatro mandatos. Primeiro, no biênio 1988-1990; depois, de 2006 a 2008, sucedendo Marcelo Portugal Gouveia; em 2008, candidatou-se à reeleição e ganhou do ex-judoca Aurélio Miguel.

Neste período, o Conselho Deliberativo aprovou uma mudança no estatuto que fez o mandato de presidente passar de dois para três anos. Assim, ao invés de 2010, seu novo período terminaria apenas em 2011.

Quando o ano chegou, Juvenal candidatou-se de novo, mesmo com o estatuto prevendo só uma reeleição, o que ele já tinha feito. Sua justificativa foi a de que não tinha usado a possibilidade sob a nova versão das regras do clube. Houve muita polêmica, discussão e até ação na Justiça, mas no fim ele ganhou a briga política e jurídica. E venceu a eleição outra vez, agora contra Edson Lapolla, da oposição, por 163 votos a 7 em 20 de abril de 2011 – eram 232 conselheiros aptos a votarem, 177 foram ao Morumbi naquele dia, 174 votaram, quatro deles em branco.

Leco falou sobre as ações de Juvenal. “O terceiro mandato do Juvenal foi um equívoco, ele sabe disso. Conversei muito com ele sobre isso e ele sabe. Não cabe fazer uma reforma estatutária. Não sou contra reeleição, em tese. Sou contra reeleição que beneficia quem está no mandato. Fazê-lo em seu benefício não acho o melhor caminho.”

E ainda discorrendo sobre o tema, citou o atual presidente, Julio Casares, que assumiu em 1º de janeiro de 2021 e viu em sua gestão o estatuto ser alterado para permitir a volta da reeleição, logo, no fim de 2023, ele poderá concorrer de novo.

“Juvenal fez isso, infelizmente, e o Julio acabou de fazer. E, pelo que eu entendo, vem sendo objeto da opinião em geral, daqueles que não estão envolvidos diretamente com o processo e os interesses, de críticas e restrições. Isso eu ouço diariamente. Ele primeiro cultua e depois sedimenta procedimentos que não são exatamente os melhores. Por exemplo, trabalha contra a modernidade, a transparência. Criaram feudos e esquemas que não são os melhores”, afirmou.

Aidar foi vítima

“Tem uma série de acontecimentos. Teve dificuldades na gestão do Marcelo [Portugal Gouveia], mas na gestão dele as dificuldades não vieram à luz porque ganhou títulos expressivos, campeão mundial [2005], da Libertadores [2005]. Teve dificuldade na gestão do Juvenal. O depois do Juvenal, que foi o Carlos Miguel [Aidar], parece que as coisas foram canalizando e as dificuldades levaram ao sacrifício do Carlos Miguel. Porque, à parte dos erros que ele possa ter cometido, ele é a grande vítima do que aconteceu naquele momento. Vai desestruturando e não tem uma causa central. Há uma perda permanente e contínua dos padrões de gestão.”

O que mudar, SAF e final da Sul-Americana

Leco opinou sobre o que o São Paulo deveria fazer de diferente como clube para sair da atual situação e evoluir.

“Acho que deveria abrir mais. No estatuto que foi elaborado e aprovado, e eu não tive nenhuma influência nisso, existe até a previsão de formação eventualmente de uma Sociedade do Futebol, onde o clube teria uma prevalência, uma parte maior. Mas que fosse feita de forma mais profissional. Acho que deveria se abrir mais, sim. As práticas das gestões tradicionais hoje já não cabem mais. O mundo mudou, está informatizado, muito comunicado. Hoje não cabe mais e exigem cabeças mais pensantes no âmbito e a intenção, o objetivo de fazer ganhar dinheiro para chegar naquele ideal, de não gastar mais do que se ganha.”

Sobre SAF, disse: “Pode ser [um caminho], perfeitamente. Não sei detalhes exatos, mas pode ser.”

Por fim, quando questionado sobre quanto tempo para a agremiação tricolor dar a volta por cima, Leco foi direto e detonou a atuação do time na final da Copa Sul-Americana, perdida por 2 a 0 para o Independiente Del Valle, do Equador, que sobrou na decisão.

“Não sei te dizer [quanto tempo], mas acho que não pode levar mais do que um ou dois anos. Por exemplo: hoje o futebol não está dando certo. Sofreu desclassificações, algumas humilhantes. O São Paulo foi para a [final da] Sul-Americana e perdeu um jogo incontestável e indiscutível, completamente dominado por um adversário de pouca expressão no cenário mundial. Chegou à final sem ganhar os jogos, só empatava e decidia nos pênaltis. Precisa que isso seja modificado. O São Paulo de hoje tem 22 contratações, a grande maioria acabou não dando certo. O São Paulo não tem goleiros à altura de sua tradição e demanda. Precisa se fortalecer no campo para justificar o apoio da torcida e trazer o ânimo. Pode ser feito, mas infelizmente não está mostrando. Não correspondem à nossa história.”

Colaboraram Jean Santos e Murilo Borges

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