Carlos Alberto Santana Junior, o Carlinhos, de 34 anos é surdocego, mas ainda assim consegue acompanhar os jogos do São Paulo, seu clube do coração. Ele é portador da síndrome de Usher, uma doença caracterizada pela perda da audição e da diminuição da visão ao longo do tempo. Por isso, sem ouvir e sem ver, o toque tem um poder transformador na vida deste apaixonado são-paulino.

Carlinhos acompanha as partidas com ajuda do guia-intérprete Hélio Fonseca de Araújo, de 40 anos. A dupla descobriu a técnica quando viajou para as Filipinas para um encontro de guias-intérpretes e surdoscegos. Ele trouxe a técnica ao país e, a partir daí, Carlinhos começou a acompanhar os jogos do time.

O campo tátil mostra as marcações do campo de jogos. O guia-intérprete pega na mão do surdocego e, de maneira tátil, passa informações do que está acontecendo no campo: com qual jogador está a bola, qual é seu número, se houve falta, impedimento, se o juiz deu cartão amarelo ou vermelho, se houve gol e assim por diante.

A emoção do jogo de futebol é a mesma para o torcedor surdocego com a ajuda do guia-intérprete.

Amizade

A amizade entre Carlinhos e Hélio começou há mais de 15 anos, quando houve um evento voltado para cegos na igreja em que Hélio frequentava. Hélio já trabalhava como guia-intérprete para cegos, mas não tinha experiência alguma com surdocegos. Hoje ele e a esposa são intérpretes de libras na programação da TV Cultura.

Ao conhecer Carlinhos, Hélio resolveu se aprimorar com esse tipo de deficiência. Em 2014, a dupla viajou para as Filipinas, em um encontro de cegosurdos e guias-intérpretes do mundo todo. Foi lá que tomaram conhecimento do campo tátil, onde Carlinhos passou a acompanhar os jogos do São Paulo. A primeira experiência dos dois foi na Copa de 2014. Hélio, Carlinhos e mais dois autores escreveram o primeiro livro no país voltado para o trabalho com esse tipo de deficiência.

Com o tempo, Hélio tentou tirar Carlinhos da bolha em que vivia por causa da deficiência. Ele conta que o dia em que Carlinhos percebeu que poderia fazer coisas que pareciam fora de seu escopo foi quando Hélio o levou para o parque aquático Wet’n Wild. Lá, ele enganou Carlinhos e o levou a um toboágua alto.

São-paulino, Carlinhos conta com o amigo Hélio para acompanhar as partidas
São-paulino, Carlinhos conta com o amigo Hélio para acompanhar as partidas do time do coração

“Tiveram que chamar a direção do parque. Os seguranças não queriam deixá-lo pular por causa da deficiência. Mas consegui”, conta Hélio. A partir daí, percebeu que poderia fazer mais coisas e rompeu sua bolha. Hoje, ele já pulou até de paraquedas, coisa que Hélio ainda não teve chance de fazer.

Carlinhos começou a cursar fisioterapia, mas teve que desistir do curso porque a faculdade não o ajudou na questão da acessibilidade. Mesmo assim, fez curso de massoterapia e trabalhava na avenida Paulista, até o início da pandemia, quando a empresa achou melhor deixá-lo em casa. “Ele mora do lado da estação de trem. Pegava o transporte público, fazia baldeações no metrô e chegava no trabalho sozinho”, conta Hélio. Para se locomover, Carlinhos desenvolveu os outros sentidos. Percebia a mudança das estações pelas paradas do trem.

Na última quinta-feira (20), foi o aniversário de Carlinhos. Hélio foi na casa do amigo para cantar os parabéns e acompanharam o primeiro jogo da final, que terminou num frustrante 0 a 0. O amigo, então, pediu que Hélio fosse no domingo novamente, para ele poder acompanhar o 2º jogo da final. E teve a mesma emoção de todo são-paulino de voltar a gritar campeão após o jejum de 9 anos sem títulos do Tricolor.

Paixão pelo São Paulo

Carlinhos tem um pai que ama futebol e torce para o time do Santos, mas desde garoto não quis seguir os mesmos passos e escolheu ser são-paulino por influência dos amigos na escola. E não deu outra: paixão para a vida inteira.

E finalmente, assim como todo torcedor tricolor, comemorou a conquista do Campenato Paulista 2021 depois da da vitória no último domingo (23) em cima do Palmeiras pelo time de Hernán Crespo, que encerrou um jejum de 9 anos sem títulos.

CNN Brasil