Eu tinha quase 16 anos em 2008. O São Paulo era o time a ser batido, bicampeão brasileiro e que seria tri naquele ano. O Muricy (Ramalho) tinha o costume de fazer jogos-treinos entre os reservas e o time B, mas naquele dia, talvez por sorte, todas as outras equipes da base estavam disputando competições, sobrando apenas o meu time para o amistoso.

O Muricy, então, disse, daquele jeito dele, “pode trazer esses meninos aí mesmo”. Nós fomos… e nós vencemos. Não era algo normal, foi a primeira vez que aconteceu. O Ronielli marcou o gol no Rogério Ceni, e o placar final foi 1 a 0 para os garotos da base. Aquilo foi um choque. Ninguém nunca tinha feito isso. Foi o bastante para fazer o Muricy olhar com outros olhos para nós.

Depois de um tempo, o diretor das categorias de base bate na porta do meu quarto em Cotia e diz: “o Muricy te quer no profissional, se prepara que você vai viajar com o grupo”. Eu não acreditei. Como poderia ser verdade? Havia vários garotos na minha frente, mas não: Muricy tinha gostado de mim e me queria lá.

Sabe, eu sempre fui são-paulino, meu pai, que morreu quando eu tinha três anos, também era. Neste dia, minha mãe chorou e eu chorei. Estava ali, diante de mim, eu ia realizar o meu sonho: jogaria pelo São Paulo.

Nada sério

O futebol não veio de primeira pra mim. Todos na família gostam, e eu cresci jogando nas ruas de Americana (SP) e na quadra perto de casa, mas sempre foi brincadeira, entende? Não queria jogar em escolinha, não queria nada mais sério, só queria me divertir. Mas os professores das escolinhas não pensavam assim.

A quadra em que eu jogava ficava ao lado de um campo onde o pessoal de uma escolinha treinava. Eu era melhor que os outros garotos nas brincadeiras, e quando o professor viu isso, quis me levar para os campeonatinhos. Eu não queria, não, mas eles faziam tanta questão que me buscavam em casa.

E foi assim que tudo começou. Eu jogava por diversas escolinhas da região, até que, com 12 anos, fui disputar um amistoso com uma de Campinas contra o São Paulo, lá em Barueri. Vencemos por 3 a 0, e eu marquei dois gols. Aquilo despertou interesse deles, pois não era normal perderem para as escolinhas.

Eu e mais quatro fomos chamados para fazer testes. Ficamos três dias em Barueri com cerca de 80 crianças. Esse convite despertou algo em mim. De repente, o garoto que não queria jogar nas escolinhas estava a um passo de vestir a camisa do time do coração. Meu pai era são-paulino, toda família era. Quando eu passei, eu chorei.

Menino do interior

Eu não sei se você já foi ao Morumbi. Se você mora em São Paulo, tudo bem, é algo normal. Mas se você não é da capital, aquilo é diferente. Quando você sai do estádio, já tem três avenidas grandes, coisa que não tem no interior. Eu, garoto do interior, tinha medo de andar por ali durante os seis meses que morei embaixo da arquibancada do Morumbi.

Minha mãe também teve medo. Eu perdi meu pai muito cedo, então sempre vivemos eu, minha mãe e minhas duas irmãs. Era ela quem sempre me levava a todos os jogos. O São Paulo foi na minha casa conversar com ela para convencê-la e prometeu cuidar bem de mim. E cuidou, sempre tive uma ótima educação ali. A parte mais difícil é ficar longe da família, mas isso me fez aprender muito, apesar de nem sempre da melhor maneira.

Depois de seis meses, fui morar no CT de Cotia com outros meninos de categorias até 21 anos. Foi um desafio. O futebol é assim, sabe? Todo mundo ali perseguia o sonho de ser profissional, então era uma disputa diária. Já briguei, já apanhei, tive que servir os mais velhos, lavar coisas para eles.

Naquela época, o time era supercampeão e não dava espaço para meninos de base, o que tornava a tarefa mais difícil. Mas eu cheguei lá. Eu subi, conquistei títulos, fui feliz. Até que as coisas começaram a sair do eixo…

Isso está errado…

Quando eu cheguei no profissional, o Muricy chegou pra mim, daquele jeito grosseirão dele, mas paizão, e falou: “você vai ficar com a gente agora, todo dia quero ver você na academia, todo dia quero que você vá pra cima do pessoal mesmo, que você jogue seu futebol sem medo”. Cara, era o Muricy! Eu vou responder o quê? Eu não fazia ideia do que ia acontecer, mas você tem que ser firme, né? Então, eu logo falei: “tá bom” (risos).

Passou um tempo e eu comecei a jogar com mais frequência. Só tinha um problema: no meu contrato estava escrito que meu salário era R$ 7 mil, mas o São Paulo pagava R$ 6 mil. Todo mês, meu empresário alertava que estava errado, mas sem brigar. Sinceramente? Eu não ligava muito porque na época o São Paulo pagava bicho, e eu ficava tão feliz em receber que só dizia “resolvam aí com meu empresário”.

Passou um ano assim, e meu empresário alertou que se o São Paulo não arrumasse o contrato, eu sairia na justiça. Foi aí que chegou uma proposta incrível do Benfica (POR) e decidi ir, sairia na justiça para ir. Mas o São Paulo ganhou uma liminar que me proibiu de ir para times de fora do país, e eu voltei.

Quando acontece um episódio assim, é difícil voltar, o clima fica chato. O pessoal até falou para eu ficar na época, mas era complicado. Foi então que chegou a proposta do Internacional, eu ganhei uma liminar e decidi sair.

Meu lugar

Infelizmente, a história com o São Paulo não terminou ali. Era uma briga de liminares judiciais, e diversas vezes eu fiquei fora de jogos importantes no Inter. Até que eu decidi com meu empresário que iríamos pagar a multa para ficarmos livres disso, e o Inter ajudou.

Eu não guardo mágoa do São Paulo ou dos são-paulinos. Como poderia? Eu sou um deles. Até hoje acompanho e torço para o Tricolor. Na verdade, eu só fico chateado porque acho que poderia ter feito mais, eu queria ter feito mais pelo São Paulo. O que aconteceu fugiu do que eu queria, sabe?

Toda essa briga, no entanto, me deixou chateado. Ficar fora de jogos importantes fez com que eu realmente desabafasse duas vezes no Inter. Uma na Libertadores, depois de 30 dias sem poder jogar, eu fiz o gol e fiz questão de dizer: “eu quero ficar, meu lugar é aqui”. A outra foi no estadual, quando fiz o gol da vitória na final contra o Caxias e aí não tive palavras, só lágrimas. Eu chorei de alegria por tudo.

Meu período no Inter foi curto, mas extremamente intenso e recebi muito carinho. Foram três anos, mas parece que joguei sete anos lá pela forma como o torcedor colorado me trata. Eu teria ficado muito mais, mas a Europa começou a chamar…

Se eu torço para o São Paulo e um jogador sai do meu time na justiça, eu vou xingar o cara mesmo. Pô, meu time! Ainda mais porque o pessoal não sabe os bastidores do futebol, é muito diferente do que a maioria das coisas saem na mídia. Então, eu não ficava triste com os torcedores”.

Oscar

“Quando perder, você volta”

O interesse da Europa era grande. Eu estava conversando com o Tottenham e com o Real Madrid, mas se fosse para o Real, teria que disputar posição com caras como Kaká e Cristiano Ronaldo, seria muito difícil. O Chelsea também fez uma proposta. Eles tinham um time muito qualificado, mas me ligaram e disseram que eu teria meu espaço. Fiz a escolha certa.

Ganhamos duas vezes a Premier League, uma Europa League, uma FA Cup. Fui muito feliz lá. Joguei mais de 200 jogos, foi uma história bonita.

Na minha última temporada no Chelsea, eu comecei como titular. Foram 12 jogos, mas sofri uma lesão e fiquei fora um tempo. Naquele ano, o Conte (Antonio) era o treinador, e o Chelsea se sagraria campeão da liga. Eu voltei de lesão, e o time estava ganhando muito. Perguntei ao Conte: “vou voltar a jogar?”. Ele me respondeu “vamos esperar o time perder”. Só que o Chelsea simplesmente não perdia!

Neste momento, o Simeone (Diego, técnico do Atletico de Madrid) queria me levar, e a Juventus (ITA) também tinha interesse. Falavam com meu empresário, e cheguei a ficar perto do Atletico, mas o Chelsea se recusava a vender, pedia 50, 60 milhões de euros, e na época ninguém pagava isso.

Foi então que chegou uma proposta da China. Não era a oferta do Shanghai ainda, mas me chamou atenção. Proposta muito boa, mas pensei que ainda não era o momento. Um mês depois veio o Shanghai, e eu tive que insistir com o Chelsea para ir porque eles não queriam me liberar. Eles aceitaram pela minha boa relação no clube. Não foi uma decisão fácil, mas estava no banco — e não gosto de ficar no banco”.

Lágrimas no intervalo

Outra coisa que também foi difícil — e eu não gosto nem de lembrar — é do fatídico 7 a 1, na semifinal da Copa do Mundo no Brasil. Eu sei que dói, em mim doeu muito também. Não é desculpa, mas ninguém esperava. Podemos jogar dez mil vezes e não teremos o mesmo resultado. Vínhamos fazendo uma Copa muito boa, eu fui eleito para seleção daquele mundial, mas claro que ninguém vai lembrar disso. Não dá.

Naquele dia, eu lembro de ter ido para o vestiário no intervalo já com lágrimas nos olhos. O placar já era de 5 a 0 para a Alemanha. Nós tínhamos perdido o Neymar antes do jogo. Ele era nosso jogador de ir pra cima. O Felipão treinou com Ramires, Paulinho e até o Willian, mas depois optou pelo Bernard. Não chegamos a treinar com o Bernard, mas sabíamos que ele faria a mesma função do Neymar. Não deu certo, mas não por causa dele, e sim porque a seleção não estava no dia.

Claro que eu já ouvi sobre o “gol do Oscar”, o gol inútil, o gol que não serviu para nada. É difícil. Eu tentei viver, esquecer o jogo para seguir minha carreira, mas não nego: me afetou. Sempre tive ajuda da minha família, mas acho que em um caso assim é necessária um auxílio psicológico, sabe?

É difícil explicar aquele jogo, a forma como perdemos tendo um time tão bom. Éramos um dos favoritos até aquela partida, mas essas coisas acontecem no futebol.

“Ah, mas é na China”

Quando eu aceitei a proposta da China, eu já sabia: ficaria longe dos holofotes e da seleção brasileira. Confesso: demorou um pouco para aceitar. Quando não era convocado, eu olhava a lista e sabia que era melhor que alguns jogadores ali.

A questão é que há um preconceito grande contra quem atua na China. Não devia ser assim, sabe? Existem grandes jogadores que vêm pra cá e não conseguem jogar nada. Mas é assim: pessoal gosta de tirar seu mérito só porque está aqui.

Lembro que sempre fui fã do Kaká, até por ser são-paulino. Quando eu estava na seleção e ele voltou a ser convocado, em 2012, eu travei. Não conseguia falar com ele. Pedi ao Marcelo (do Real Madrid) para pedir a ele uma camisa, ele trouxe pra mim, autografou e foi um dia muito especial. Tenho guardada até hoje. O David Luiz sempre brincava no vestiário: “Kaká, você sabe que você tem um fã jogando com você aqui”, e o próprio Kaká ficava sem graça.

Ele me deu uma assistência em um amistoso contra o Iraque, mas ainda assim eu tinha vergonha de falar com ele, porque ele era muito meu ídolo, sabe?

Sempre foi um sonho estar na seleção brasileira, mesmo tendo sido convocado durante toda a categoria de base. Sempre foi uma honra e, se precisarem, estarei aqui.

Eu volto

Xangai é uma cidade maravilhosa, mas é muito longe do Brasil. Eu tenho contrato aqui até 2023. Vou ter 32 quando acabar, mas, com meu biotipo físico e minha forma de jogar, acho que tenho grandes chances de voltar a atuar em um grande clube da Europa.

Evoluí muito individualmente aqui na China. Quando cheguei, eu era o centro das atenções, todo mundo queria me marcar. Diferentemente da Europa, aqui o time precisa muito mais da minha individualidade. Acho que cresci muito nisso. Aqui sou muito mais protagonista. O time depender de você o tempo todo te faz evoluir. Na Europa, eu teria muito mais a ajudar, principalmente em partidas decisivas.

Eu e minha família estamos adaptados aqui em Xangai, mas viver a vida toda aqui não está nos meus planos. Sempre tenho propostas da Europa e penso em morar em um lugar que possamos viver depois, e que seja mais perto do Brasil, isso sim vai pesar na minha decisão futura.

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