Com a saída de Fernando Diniz, o São Paulo decidiu dobrar a aposta com a contratação de Hernán Crespo para o comando técnico do time. O argentino, que terá uma comissão que vai custar duas vezes mais que a anterior, vai assumir o primeiro grande clube de sua carreira. Mais que isso, ele traz ideias próprias e diferentes do que o torcedor são-paulino —e o brasileiro— está acostumado a ver, embora também beba, em vários aspectos, da mesma fonte que o antecessor.

O antigo comandante recebia sozinho R$ 300 mil por mês em acordo na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Com os demais membros de sua equipe — os auxiliares Márcio Araújo e Eduardo Zuma e o preparador físico Wagner Bertelli —, o valor subia para aproximadamente R$ 500 mil mensais.

Em que pese o aumento salarial, o São Paulo mantém restrições orçamentárias e vê a possibilidade de pagar um valor superior ao treinador e auxiliares por causa de economias previstas pela gestão de Julio Casares. O presidente pretende cortar até 10% do gasto atual de cada departamento do clube —se incluirmos aqui o acréscimo nos gastos com a nova comissão técnica, pode-se presumir um corte de gastos na folha salarial do elenco. Por outro lado, Casares já conta com a venda de Brenner para manter as contas em dia. O atacante foi negociado ao futebol dos Estados Unidos por mais de R$ 81 milhões.

Esse é um dos muitos desafios que aguardam Crespo em sua chegada a um clube que não ganha um título desde 2012. E um clube com torcida na casa de dezenas de milhões de torcedores, após ter dirigido Modena (ITA), Banfield (ARG) e Defensa y Justicia (ARG). Está certo que, como jogador, ele passou por gigantes como River Plate, Milan e Internazionale. Mas isso foi quando era um dos maiores artilheiros do futebol sul-americano.

A grande questão do Crespo é a falta de experiência. Ele levou o título, mas tem pouca vivência. O São Paulo é um salto muito grande na carreira.” Mauro Cezar Pereira, colunista do UOL Esporte.

Sim, a saída curta de jogo (e algo a mais)

Crespo alcançou a notoriedade no último trabalho, que culminou na conquista da Copa Sul-Americana pelo Defensa y Justicia no ano passado. Ao longo da temporada, o ex-centroavante praticou um futebol ofensivo, de posse de bola e trocas rápidas de passe, mas que trazia também, como traço marcante, uma característica que foi o centro de polêmicas durante todo o ano no São Paulo: a saída de bola com passes curtos, iniciando a construção das jogadas pela defesa.

As ligações diretas para o ataque são bem escassas. Um outro ponto que pode chamar a atenção do torcedor são-paulino é o uso do goleiro como membro ativo na construção ofensiva. Crespo gosta de utilizar uma saída de bola com três jogadores em linha. Quando não atua com três zagueiros, utiliza o goleiro entre os dois defensores para gerar essa linha de passe.” Rodrigo Coutinho, colunista do UOL Esporte.

A saída de trás aparece como um traço marcante do estilo de Crespo na maioria das análises táticas sobre o treinador que vem da imprensa argentina. Da mesma forma, adversários se organizaram para combater o Defensa y Justicia, assim como os brasileiros fizeram para neutralizar o São Paulo de Diniz: com pressão intensa na saída de bola, fechando as linhas de passe.

Para o São Paulo, há uma oportunidade de construção em cima de um pilar erguido por 18 meses do trabalho de Diniz, sem romper com um sistema no qual os atletas investiram meses de treinamentos. Por outro lado, erros percebidos como similares aos cometidos pelo time neste ano, no processo de perda de liderança do Campeonato Brasileiro, podem despertar rapidamente a ira da notoriamente impaciente torcida são-paulina que espera ver a mudança dentro de campo. Absorver o ruído e controlar as expectativas, dando tempo para que uma nova aposta desenvolva o trabalho será o desafio da diretoria.

“Pelo estilo de jogo do time argentino dá para imaginar que ele vai pegar alguma coisa do trabalho do Fernando Diniz. Tem um legado, o São Paulo tem uma forma de jogar. Tem problemas, sim. Mas tem identidade de jogo”, comentou Mauro Cezar.

Essa mudança em campo pode vir pelas características que Crespo não partilha com Diniz. Na maioria das vezes, o argentino utilizou no Defensa y Justicia um esquema com linha de três defensores — nem sempre zagueiros — que realizavam a saída de bola de forma mais espaçado, com dois deles mais abertos nas laterais.

Os “carrileros” — denominação típica do futebol argentino — eram peças fundamentais no esquema de Crespo. São meio-campistas que atuam pelos lados do campo, quase como algo entre um ala e um ponta, em um sistema que abriria alternativas interessantes em um elenco com nomes como Reinaldo, Dani Alves e Gabriel Sara. No Defensa y Justicia, Crespo chegou a utilizar pontas de origem como “carrileros”. No ataque, não utilizava pontas, e sim uma combinação de um centroavante com um meia ofensivo/segundo atacante, algo não muito diferente do que aconteceu com Luciano e Brenner ao longo de 2020.

Mas há outras características do trabalho recente de Crespo que também tendem a despertar comentários críticos do torcedor brasileiro, como a alternância de sistemas e o rodízio de jogadores na escalação de seu time —algo, por exemplo, que esteve entre as principais queixas de flamenguistas rumo à demissão do espanhol Domènec Torrent nesta temporada. Sabemos o quanto a torcida e a imprensa brasileira criticam esse tipo de atitude e pouco se esforçam para compreender o que há de objetivo com elas. Ele alterna bastante o esquema tático. Monta seus times no 3-5-2 na maioria das partidas, mas também adota o 4-4-2, o 4-2-3-1 e o 4-3-3 como plataforma.”

A aposta do São Paulo em Hernán Crespo, no entanto, não é apenas tática. A diretoria do clube viu no Defensa y Justicia do argentino competitividade e intensidade, e acredita que o novo comandante possa incutir a filosofia no CT da Barra Funda. “[Ele] Não tem experiência como treinador, mas é alguém vivido no futebol. Não gera problema para lidar com atletas, por exemplo. Isso é positivo, mas o torcedor precisa entender que se trata de uma aposta”, avaliou Mauro Cezar Pereira.

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