Telê Santana voltou da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, coberto de elogios da imprensa brasileira e internacional pelo futebol apresentado nos cinco jogos daquele Mundial. Mas é natural que numa campanha que não termine vitoriosa haja, no mínimo, ressalvas ao desempenho e também às escolhas do treinador.

Telê foi criticado por ter treinado e jogado todo período de preparação com Tita, depois Paulo Isidoro, abertos pela direita e, na Copa, ter improvisado o canhoto Dirceu na estreia contra a União Soviética. Para depois efetivar o “quadrado mágico” no meio-campo, com Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico e propondo um revezamento no setor direito para auxiliar o lateral Leandro. A ausência de um volante mais combativo à frente da defesa, como Batista, também foi apontada como uma das possíveis causas da derrota para a Itália e dos seis gols sofridos em cinco partidas – a meta de Valdir Peres só não foi vazada contra a fraquíssima Nova Zelândia.

É possível que, na prática, nada disso tenha influenciado no revés para os italianos em um jogo parelho, no qual o empate não seria nenhum absurdo e bastava para classificar os brasileiros. Telê nunca admitiu abertamente os possíveis equívocos e sempre criticava, com razão, o resultadismo em muitas análises enviesadas. Mas quando voltou ao comando da seleção em 1985, para as eliminatórias, o treinador escalou Renato Gaúcho, um ponta direita típico, e teve bem mais cuidados defensivos, com os laterais Leandro e Júnior apoiando alternadamente, assim como Cerezo e Sócrates no meio-campo.

No ano seguinte, na Copa em terras mexicanas, lá estava Elzo como um volante fixo, auxiliado por Alemão, meio-campista mais dinâmico no trabalho sem bola. E bastou a equipe oscilar nos dois primeiros jogos para Telê trocar Edson e Casagrande por Josimar e Muller. Reformulando o setor…direito. O Brasil acabou eliminado pela França nos pênaltis, mas só sofreu um gol na campanha de cinco partidas.

As críticas, então, atacaram um possível excesso de pragmatismo que não conquistou a taça, nem entregou espetáculo. Aí, sim, Telê foi mais duro na contestação e teve alguns embates com jornalistas. O técnico só virou unanimidade no São Paulo, com os muitos títulos entre 1991 e 1994. Não sem antes penar com um título brasileiro perdido para o rival Corinthians em 1990 e quase ser demitido em 1992, já tendo conquistado o campeonato nacional do ano anterior, por conta de cinco derrotas consecutivas.

Venceu tudo no Morumbi com um ou dois volantes de contenção, como Dinho, Pintado e Doriva, e Cafu voando pela direita, como lateral ou ponta. Enfim, a melhor combinação de arte e competitividade, como cobraram dele desde 1982. Fernando Diniz assumiu o comando técnico do São Paulo no ano passado citando Telê Santana na coletiva de apresentação. E a aura que une os dois treinadores certamente contribuiu para Raí, hoje dirigente e, nos anos 1990, camisa dez do time multicampeão, insistir com Diniz mesmo nos momentos mais difíceis.

Período em que as críticas apontavam problemas crônicos nos trabalhos do técnico,.desde as passagens por Athletico e Fluminense: posse de bola inócua, baixo aproveitamento nas finalizações e falhas na transição defensiva que expunham os zagueiros. Sempre que era questionado, Diniz repetia o discurso de Telê condenando o foco apenas no resultado. Desta vez tinha razão em parte, porque o desempenho também não era bom.

Diniz mudou. Não foi só o tempo de trabalho que muitos repetem como um mantra e sinônimo de certeza de sucesso no final. Foi preciso rever alguns conceitos. Não apenas para manter o emprego, mas para fazer valer o esforço de todos no desenvolvimento do trabalho. À entrada de Luan no meio-campo foi sintomática. Mais vigor físico para o trabalho de proteção. Tche Tche, mais frágil fisicamente, não dava conta, embora a contribuição na saída de bola e na construção fosse mais qualificada.

O mérito de Diniz foi trabalhar Luan para evoluir nos passes e nas decisões em campo para manter o bom nível no trabalho entre as intermediárias. O São Paulo também ficou mais concentrado defensivamente e sem dar tanta importância ao protagonismo pela posse, dependendo do contexto. O cuidado na saída da defesa ficou maior, com o time minimizando as falhas apelando para ligações diretas em momentos de maior perigo. Deu certo, também porque o elenco liderado por Daniel Alves sempre avalizou o respaldo da diretoria e o vestiário seguiu controlado.

Na maioria das declarações públicas, Fernando Diniz rebate as críticas com ironia ou contundência. Repetindo Telê há três décadas. Mas será que a pressão não ajudou a fazer correções e dar “casca” ao técnico? É difícil mesmo lidar com observações negativas. Ninguém gosta. Mas tente lembrar quantas vezes na vida fomos ásperos com alguém que nos apontou o dedo, mas depois refletimos e tentamos fazer diferente. Certamente na maioria dos casos sem reconhecer e agradecer quem nos abriu os olhos. É humano.

Evidente que no cenário atual, aditivado por redes sociais que não existiam nos tempos de Telê, há muitos excessos. Perseguições, ataques covardes, crises plantadas. Mas sempre será possível pescar uma interseção. A crítica com fundamento que faz pensar e alterar a rota, mesmo a contragosto. Nem tudo é “corneta”. E há uma corrente que tenta se distanciar desse estereótipo para arrotar uma pretensa erudição.

Uma análise mais isenta, “pura” ou “limpa”. Na prática, porém, soa a blindagem. Frases como “o futebol pertence aos jogadores e treinadores” criam uma redoma que é confortável para os agentes do futebol. Mas será que ajudam, na prática? O estudo e o cuidado na análise sempre serão válidos. Tudo fica menos nobre, porém, quando a postura acrítica carrega interesses por trás, como a preservação da fonte jornalística por bajulação ou até a tentativa de cavar uma vaga na comissão técnica, como analista de desempenho ou cargo parecido.

Somos seres sociais, queremos aprovação e nos sentirmos aceitos pelo grupo. É natural a repulsa quando o que vem de fora não é o elogio. Mas uma pancada pedagógica faz bem na vida adulta. Telê nunca admitiu, talvez Diniz vá pelo mesmo caminho. Assim como tantos em todas as atividades humanas. Mas a crítica embasada sempre ajuda. Vale para eles, para você que lê e também para este que escreve.

A neutralidade é uma utopia e os que só elogiam é que merecem a desconfiança. A História está aí para provar.

UOL – André Rocha