De vez em quando me pego pensando em todas as possíveis jogadas de saída de bola, nas variações táticas e estratégicas para atrair o adversário e criar espaços promissores e produtivos, mas quase sempre meu devaneio é interrompido por uma saudade irresgatável do CHUTÃO.

Deve ser porque o goleiro, os zagueiros e os volantes, que junto com os laterais, são os jogadores que participam mais ativamente dessas jogadas na faixa mais crítica do campo de jogo, no mais das vezes, não foram projetados para reter e proteger a bola, com técnica e habilidade, quanto os meias e atacantes. Ou seja, o primeiro problema já nasce lá atrás, na fase de design industrial do boleiro.

Mas é claro, a gente não está aqui para fechar os olhos para a realidade e sabe que muitos gols nascem do chutão, quando a bola bate lá na frente e volta sem dar tempo da zaga se organizar e respirar. Talvez os gols sofridos dessa maneira sejam proporcionais aos gols que se leva perdendo a bola ali perto da casinha.

A diferença é que o gol sofrido na sequência do chutão abala menos o emocional da equipe, pois as responsabilidades são distribuídas em de maneira equivalente aos 11 atletas, MAS o gol sofrido da falha individual de um único jogador que errou um passe, tentou um DRIBLE ou foi abafado pela pressão do adversário, é um boleto de cobrança individual e intransferível.

No curto e médio prazo a convivência com esse tipo de culpa acaba por esvair a confiança de peças estrategicamente importantes do tabuleiro, o que, mais cedo ou mais tarde, vai se refletir no conjunto.

O lance do goleiro Renê Higuita na Copa de 1990, quando tentar DIBRAR e perde a bola para a lenda camaronesa Roger Milla, acabou se constituindo num princípio insculpido do livro de conduta do goleirão: não dibrarás.

E se a gente pensar bem, muitas vezes no xadrez, o jogador sacrifica uma peça importante para evitar um xeque mate. É um sacrifício estratégico pensando acima de tudo na sobrevivência.

E no futebol, a sobrevivência também está em jogo o tempo todo, pois um gol (anotado ou sofrido) decide um jogo e um jogo decide um campeonato.

Assim, mesmo que o goleirão seja o Ronaldinho Gaúcho, ele tem que estar sempre a postos (isso às vezes exigirá o raciocínio rápido do enxadrista) para abandonar a estratégia da saidinha de bola de pé em pé e desferir o CHUTÃO.

E digo mais, numa bola mal recuada, na famosa fogueira, vale mais o goleiro pegar com as mãos e conceder o tiro livre indireto do que tentar o DIBRE e sofrer o gol. Lembrando que o goleiro, o zagueiro, o lateral e o volante podem ainda, na maioria dos casos, apenas deixar a bola sair de campo e, com frieza e tranquilidade kasparoviana, conceder um escanteio ou um lateral. Isso tudo me parece bem melhor que entregar o gol de mão beijada ao adversário.

Na dúvida ou na pressão, bola pro mato que o jogo é sempre de campeonato: volta, CHUTÃO!

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