O simplismo de colocar na natureza jurídica a responsabilidade pelo amadorismo de gestão.

Volta e meia vem à baila a discussão sobre os clubes se transformarem em empresas no Brasil. O principal argumento que se utiliza para justificar essa mudança é o da necessidade de profissionalização do futebol.

A justificativa apresentada – profissionalizar a gestão – é mais que necessária. Mas a pegadinha é que profissionalização não mantém qualquer relação de dependência com a natureza jurídica da instituição. Pouco importa se o Clube é uma associação sem fins lucrativos ou uma empresa. O relevante para avaliação do profissionalismo da gestão são as práticas estabelecidas.

Há associações com proceder completamente amador além de práticas de má gestão no aspecto moral. Mas esse mesmo cenário se encontra em empresas. Desde pequenas “limitadas” familiares às grandes “sociedades anônimas”. Lembremos que a operação Lava-jato, maior escândalo político e financeiro do Brasil, teve como protagonistas grandes corporações que adotam o modelo empresarial.

Esse esclarecimento prévio era imperativo, pois muda toda a premissa da análise a ser feita: a salvação do futebol brasileiro não é mudança de forma jurídica, mas sim a profissionalização de gestão. A definição desse pressuposto, contudo, não diminui a importância da avaliação das vantagens e desvantagens de cada modelo jurídico adotável pelos nossos clubes.

A imensa maioria dos clubes do futebol brasileiro são associações civis sem fins lucrativos. Existem alguns poucos que adotam o modelo de clube empresa, sejam limitadas ou sociedades anônimas.

As associações, formato mais tradicional, trazem um modelo político aos clubes que tem, usualmente, quatro instâncias de poder: Diretoria Executiva, Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e Assembleia Geral. Cada clube tem sua peculiaridade nas atribuições de competências de cada um desses órgãos de acordo com as definições do seu estatuto, mas o certo é que os membros dos Conselhos e da Diretoria ocupam seus cargos por mandatos. Outro ponto relevante é que na imensa maioria dos clubes, os membros da diretoria executiva não são remunerados.

E qual a grande justificativa para a maioria dos clubes serem associações? Primeiro a tradição. Muitas dessas instituições começaram como clubes sociais. Em verdade, há clubes que até hoje possuem sedes sociais como alternativa de lazer para seus associados. Além disso, há uma questão fundamental: vantagens fiscais!

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Os clubes de futebol que adotam o modelo associativo gozam de uma série benefícios fiscais. São, por exemplo, isentos do pagamento de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (Lei 9532/97) e tem um PIS diferenciado e COFINS isento (MP 2158-35/2001).

Esses benefícios são fundamentais para a viabilidade financeira dos clubes num país com uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo como é o nosso.

Para aqueles que defendem a tese de que o modelo associativo implica em amadorismo, havia um argumento forte: a legislação estabelecia a proibição de remuneração a dirigentes das associações sob pena de perda dos benefícios fiscais. Contudo, essa realidade se alterou com o advento da Lei 12.868/2013 e posteriormente da 13.151/2015, que determinaram a possibilidade de remuneração dos diretores estatutários dos clubes.

Foi com base nessa mudança legislativa que alguns clubes já iniciaram o processo de remuneração dos seus dirigentes eleitos sem o risco de impacto financeiro/fiscal, que na visão de muitos, inviabilizaria os clubes de futebol.

Mas que fique claro que a mera remuneração de dirigentes não implica na profissionalização da gestão. Isso só virá com a implementação de uma cultura baseada em processos e métricas através dos quais se permita a elaboração e execução de um planejamento para a instituição.

Já superamos o entendimento de que o clube-empresa não é a solução para o futebol brasileiro. A profissionalização da gestão é. Isso não quer dizer, contudo, que o modelo empresarial não possa trazer novidades importantes.

Afinal, o clube “empresa” – ou “sociedade empresária” para sermos fiéis ao juridiquês – tem quais vantagens e desvantagens sobre a associação?

Vamos aos elementos mais relevantes para que façamos a contraposição dos modelos!

PROFISSIONALISMO

Em primeiro lugar há um conjunto legislativo extenso, especialmente para as S/As, que fazem com que muitas pessoas considerem que a própria natureza jurídica adotada por “Clubes-Empresas” faria a gestão já “nascer” mais profissional devido às normas que seus gestores precisariam respeitar.

Mas aí é bom lembrar da célebre frase do pai da administração moderna, Peter Drucker:

A cultura come a estratégia no café da manhã.

Essa dura constatação revela, dentro do nosso cenário, que a forma de trabalhar, o dia a dia e os hábitos são muito mais relevantes do que o próprio planejamento estratégico e enquadramento jurídico a que estão submetidas as instituições.

Se isso é verdade – e é – de nada adianta mudar o formato jurídico de um clube se não houver um choque cultural na forma de realizar o trabalho, definir os processos e acompanhar a execução do planejamento. E se essas providências forem tomadas, o resultado tende a ser o mesmo, seja qual for a natureza jurídica adotada (associação ou empresa).

ESTABILIDADE ESTRATÉGICA

As empresas, via de regra, possuirão uma estabilidade de gestão maior que as associações cujas lideranças são alteradas de tempos em tempos com o fim dos mandatos dos representantes eleitos. Eventuais insucessos em campo, inclusive, podem ocasionar – no modelo associativo – uma ruptura no padrão organizacional e até nos objetivos estratégicos do clube, o que seria algo extremamente negativo para o planejamento de médio e longo prazo.

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CAPTAÇÃO DE INVESTIMENTOS

O futebol movimenta cifras milionárias ao redor do mundo e já temos exemplos de diversos clubes sendo “adquiridos” pela iniciativa privada, seja por sheiks bilionários, seja por grandes conglomerados.

A entrada de um “player” como esses no mercado brasileiro requer um grau de segurança jurídica que é conferido muito mais facilmente por uma empresa – com gestão estável e um acordo de acionistas – do que por uma associação que tem eleições a cada 2 ou 3 anos e cujo presidente escolhido pode ter divergências com o planejamento e compromissos estabelecidos por aqueles que o antecederam.

Além disso, a atividade de um clube-empresa permitiria que o investidor rentabilizasse através da distribuição de lucros, o que não é permitido para uma associação sem fins lucrativos.

Desse modo, no aspecto de captação de investidores ou parceiros internacionais, o modelo de clube empresa é muito mais atrativo que o de associação.

QUESTÃO FISCAL

A grande vantagem hoje do modelo associativo sobre o modelo empresarial é a questão fiscal decorrente das isenções de que gozam os clubes em formato de associação.

Sucede que os projetos que tramitam em Brasília têm como ponto pacífico o estabelecimento de uma carga tributária diferenciada para aqueles clubes que migrarem para o modelo empresarial, de modo que, sendo aprovado o projeto de lei no seu atual formato, essa questão seria superada.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A recuperação judicial é um instrumento legal que pode ser utilizado por empresas que passem por graves dificuldades financeiras.

Ao entrar em recuperação, as empresas possuem algumas situações benéficas junto aos seus credores para tentar viabilizar a sua recuperação que é algo do interesse da própria empresa (continuar suas atividades), dos seus credores (afinal, se a empresa quebrar não receberão seus créditos) e da sociedade (movimento na economia, manutenção de empregos etc).

As associações não podem usar a lei de Recuperação Judicial que é voltada exclusivamente para empresas. Por outro lado poderiam se valer do expediente da Insolvência Civil que é uma espécie de “falência de pessoas físicas e sociedades simples”.

Quanto a esse item, recentemente houve um precedente que pode trazer um benefício altamente relevante para as associações! O Instituto Cândido Mendes (uma associação sem fins lucrativos mantenedora de uma Universidade) ingressou com pedido de Recuperação Judicial perante a Justiça do Rio de Janeiro e teve sua solicitação deferida. Trata-se de uma grande inovação jurídica que pode abrir margem para que os clubes de futebol no formato de associação também possam se valer desse importantíssimo expediente.

DEMOCRACIA

O modelo associativo, em alguns casos, pode permitir uma ampla participação do associado na vida política do clube através da escolha dos representantes dos conselhos e diretoria e, eventualmente, possibilitando que um dos associados pleiteie ocupar um desses cargos.

É bem verdade, contudo, que muitos estatutos de clubes em modelo associativo estabelecem normas restritivas que não permitem essa liberdade de participação, mas é certo que o caráter popular e democrático é muito mais presente no modelo associativo que no modelo empresarial.

Via de regra, um clube-empresa tem um dono, alguém que investiu substancialmente e quer ter segurança no trabalho de gestão a ser realizado. Há clubes que migram para o formato de empresa e possibilitam que os associados se tornem acionistas, mas, ainda assim, é certo que dificilmente haverá um clube nesse modelo no qual os investidores não terão o maior controle sobre a administração geral, até pela lógica capitalista, que não deixa de ser razoável, uma vez que o tratamento conferido ao futebol seria ao de um produto da indústria do entretenimento.

Se isso é bom ou ruim, serão os sócios e dirigentes de cada clube que deverão discutir coletiva e cautelosamente para tomar a melhor decisão conforme entendam ser o interesse estratégico da instituição.

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E ENTÃO, QUAL O MELHOR MODELO?

Após essas contraposições, podemos chegar a algumas conclusões.

A primeira – e mais importante – já dita e reiterada em artigos anteriores, é que a profissionalização pede passagem no futebol brasileiro e é algo imperativo para a sobrevivência dos clubes.

A segunda é que não se pode aceitar a meia verdade de que o formato de empresa é a salvação dos clubes. Pode até ser solução para casos específicos de clubes que estejam em péssimas condições financeiras e tenham um investidor em mira caso se tornem empresas. Isso, contudo, não consistiria num modelo orgânico e geral para todos os clubes de futebol.

A terceira é que cada clube, cada dirigente e cada sócio/torcedor precisa entender as vantagens e desvantagens de cada modelo jurídico. Analisar os dados de acordo com a identidade do seu clube, com as suas pretensões estratégicas – desportivas, financeiras e culturais – e, no caso de aprovação dos projetos de lei em tramitação no congresso, definir se é mais interessante manter-se como associação ou migrar para o modelo empresarial.

Não há certo ou errado. Há interesses a serem ponderados. Temos clubes de grande sucesso no mundo inteiro nos dois formatos – Real Madrid e Barcelona são associações, Manchester City e PSG são empresas, por exemplo.

Como dizia a propaganda dos anos 90, existem mil maneiras de preparar Neston! Cada clube tem que ter a sua.Denunciar

Publicado por

Pedro Henriques

Executivo, gestor esportivo, professor e sócio no SHMM e Glicério AdvogadosPublicado