Quando era criança, costumava ouvir uma frase, dessas típicas de livros de autoajuda, que dizia que “A união faz a força”.

Talvez a velocidade das informações e a quantidade de novidades que surgem a cada minuto tenham enterrado essas velhas frases, ou mesmo as transportado para os tais livros de autoajuda que, na maior parte das vezes, ajudam apenas os autores.

Mas é fato que velhos ditados foram ficando para trás, o que é uma pena, pois eram “verdades populares”, frutos da experiência.

O mote “A união faz a força” é um dos mais simplórios, lógicos e, ao mesmo tempo, cada vez menos aplicado no país – no mundo, convenhamos – e nos leva a situações de desequilíbrio, quando remamos cada um para seu lado. No futebol nosso de cada dia, isso não é diferente.

Começa na ideia de que vender direitos de TV individualmente é melhor que vender em grupo e vai até a discussão sobre se o futebol deve voltar aos campos no meio da pandemia ou não. Cada um olha seu próprio umbigo.

Do outro lado, há pessoas que aventaram a possibilidade de clubes organizados ajudarem aqueles em estado pré-falimentar a saírem do atoleiro, evocando a tal força que a união traz. Afinal, “somos uma indústria e ninguém joga sozinho”. Tudo é possível quando convém.

Futebol não é ação entre amigos. É uma indústria na qual o objetivo é a vitória, que consequentemente significa a derrota do adversário. Mas ele é diferente de qualquer indústria tradicional, em que a consolidação e o aumento do market share são necessidades para que haja capacidade de reduzir custos e aumentar os retornos.

No futebol, sempre haverá um certo número de participantes de mercado. Não tem campeonato com cinco ou seis, mas com 20, 18, 16. Não dá para jogar sozinho.
O que não significa também que tenha que haver equilíbrio forçado entre os participantes desse mercado. Cada um tem seu tamanho, sua capacidade própria para executar estratégias de receitas e custos, e de explorar sua marca e seu mercado, que são os torcedores. Isso fará com que o mercado tenha players de tamanhos diferentes, com capacidades diferentes de competitividade e chances de conquistas.

Em contrapartida, respeitadas as diferenças estruturais, nos mercados mais desenvolvidos essas disparidades são “corrigidas” por algumas ações em conjunto, que podem acontecer por meio de uma liga que coordena estratégias comerciais ou por associações para fins específicos.

Para negociar melhor a venda dos direitos de TV, por exemplo, os clubes organizam as agendas e vendem pacotes fatiados por meio de uma concorrência. Depois, dividem o dinheiro arrecadado de forma que uma parte o receba enquanto indústria e outra parte de acordo com desempenho esportivo, presença de público, uso de atletas da base, desempenho histórico… tanto faz.

O que importa é a capacidade de entregar um produto organizado, para diversos interessados, acessando o mercado internacional e obtendo mais dinheiro com isso.
Mas, no Brasil, cresce a ideia equivocada de que a negociação individual dos jogos feitos em casa é a solução para os problemas, aumentando chances de se ganhar mais dinheiro.

A ideia é ótima: basta ver a diferença entre o que ocorre no México e em Portugal em relação a países onde os clubes vendem os campeonatos em conjunto. Pensar em seguir essa possibilidade é querer se aproximar do Benfica e do América do México, em vez de querer ser Barcelona e Manchester United.

O curioso é que clubes como o Flamengo, que cultuam a ideia de serem globais, preferem modelos ineficientes como o das ligas mexicana e portuguesa, simplesmente porque acredita que assim ganhará mais, ignorando que está dentro de uma indústria.

A ideia, naturalmente, é criar uma soberania, tornando-o inalcançável em termos financeiros e de conquistas. No México, isso não ocorre porque os campeonatos são no estilo “mata-mata” e têm dois campeões anuais. Já em Portugal, o Benfica e o Porto se dividem em conquistas nacionais, mas são coadjuvantes no resto da Europa.

Enquanto isso, Juventus, Bayern, Barcelona, Real Madrid e PSG nadam de braçada em seus campeonatos nacionais, com direitos de TV negociados coletivamente, de forma eficiente e distribuídos de maneira equilibrada. Esses clubes disputam campeonatos interessantes, que lhes permitem aumentar receitas com bilheteria (matchday) e publicidade. Visão de indústria, de negócio. Dá para ser soberano sem ser egoísta.

Ao mesmo tempo, enquanto o Flamengo se preocupa em buscar uma organização para retornar aos campos em meio à pandemia, alguns clubes fazem uma força danada para que o futebol permaneça paralisado.

Afinal, o dinheiro fica mais curto sem futebol. E isso pode justificar ideias como as que eu trouxe na coluna anterior: clubes pleiteando dinheiro do governo para “este momento difícil”, que, para alguns deles, já dura alguns anos.

Não sou médico para dizer se o futebol tem que voltar. Mas, convenhamos, a relação do Brasil com a pandemia é mais sorte do que juízo: não a tratou cedo, nem de maneira coletiva e organizada; fechou as pessoas em casa; não garantiu renda mínima que permitisse que elas atravessassem em segurança o período mais complicado; cuidou mal dos dados; abriu as ruas antes de os números se mostrarem suficientemente baixos.

Se tudo já foi feito torto, por que não buscar ao menos soluções técnicas para retornar com o futebol, em condições aceitáveis de segurança aos atletas e às poucas pessoas que trabalhariam nas partidas?

O problema, novamente, é a falta de organização entre os clubes, para todos possam remar para o mesmo lado. Não é à toa que, na Europa, quatro das cinco principais ligas do mundo já voltaram ou estão prestes a voltar aos campos.

Não estou nem pensando numa liga brasileira, impossível de ser organizada desde os tempos de Charles Miller, mas sim em negociações entre os clubes, pensando no melhor para todos.

Serve para a pandemia, para as negociações de TV, para criar um produto sustentável, para buscar soluções financeiras a quem está em situação difícil.
Novamente, não seria uma ação entre amigos. Se alguns clubes não tiverem capacidade de se sustentar, infelizmente é hora de voltar algumas casas e recomeçar o jogo lá de baixo.

Mas, para ser competitivo num mundo onde cada vez mais indústrias disputam a atenção e o dinheiro das mesmas pessoas, é preciso organização coletiva e visão de negócio de longo prazo.

Isso é possível e algumas áreas técnicas dos clubes já deram passos nesse sentido. O setor financeiro, por exemplo, criou a Associação Brasileira dos Executivos de Finanças do Futebol (ABEFF), um fórum no qual CFOs debatem suas realidades, compartilham boas práticas e ideias para ajudar na evolução da indústria.

O futebol brasileiro vive de modismos. Já foi a internacionalização, agora falam na “disneyficação” dos clubes, a história de que é preciso criar conteúdo para ser relevante e competir contra as ameaças vindas de outras indústrias. Isso é necessário, mas insuficiente, uma vez que para clubes locais essa é apenas uma forma de falar para convertidos.

Precisamos de uma conversa séria, abandonando os modismos e colocando as prioridades de forma correta. O que o futebol brasileiro precisa é criar uma indústria que pense e caminhe de forma organizada.

A responsabilidade é dos sócios, associados, conselheiros e torcedores que apoiam gestões que estão mais preocupadas mais com o curto que com o longo prazo. Talvez faça sentido. Afinal, se não houver organização coletiva e estrutural, muitos desses não chegarão ao longo prazo.

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