O calendário do futebol brasileiro pós isolamento social não deve impor o fim dos Estaduais, pelo menos essa é a promessa da direção da CBF aos presidentes de federações. Se dependesse da vontade de jogadores ouvidos, porém, esses torneios seriam os sacrificados caso seja necessária uma adaptação para as competições, como reduções ou até cancelamentos.

UOL Esporte perguntou a 56 jogadores de times da Série A e do Cruzeiro, que responderam anonimamente: prefere que o Brasileirão ou os Estaduais sejam encurtados? 29 deles, ou 50%, responderam que preferem os Estaduais mais curtos. Outros três atletas disseram preferir que os torneios regionais sejam cancelados.

Essa é a primeira de quatro perguntas que o UOL Esporte fez para os atletas dos principais clubes do futebol brasileiro. Até o domingo, você vai saber a opinião dos boleiros sobre as propostas de redução dos salários que estão sendo feitas em meio à queda de arrecadação e o que eles pensam sobre as medidas de quarentena que estão sendo impostas pelos governos estaduais.

Por que os estaduais devem seguir?

Com o calendário apertado, os Estaduais parecem ser o elo mais frágil do universo competitivo do futebol brasileiro. Afinal, todos enfrentam críticas anuais a respeito de seu nível de competitividade e função para os clubes. Mas o cancelamento das edições de 2020 do evento está fora de cogitação neste momento.

A CBF vê, inclusive, que os campeonatos mais fáceis de serem disputados logo após o fim do isolamento social, ainda sem data, são os justamente os Estaduais. Por quê? Por causa do deslocamento.

A logística de disputar um torneio dentro do estado é infinitamente mais simples. Eles já estão em suas retas finais, as distâncias são mais curtas e, na maioria das vezes, não há necessidade de avião para chegar ao local das partidas, como acontece no Brasileiro ou Libertadores.

Há inclusive uma proposta na mesa de que alguns Estaduais sejam concluídos com sede fixa. Pegando o Paulistão como exemplo, todas as partidas seriam realizadas na cidade de São Paulo, com portões fechados. E os atletas ficariam isolados em hotéis para serem testados, evitando assim contaminação entre eles durante as partidas – isso é importante porque um atleta contaminado pode obrigar todo um time a ficar em quarentena por duas semanas, sem poder disputar partidas.

E o Brasileirão?

O que vai ocorrer com o Brasileiro é uma incógnita. Vai depender, obviamente, de quando a bola vai poder rolar, mesmo que sem aglomerações — ou seja, sem torcedores nos estádios. A Globo, que detém os direitos de transmissão da maioria dos clubes da Série A, é contra neste momento qualquer mudança no regulamento, como trocar os pontos corridos por um sistema que finalizasse a competição em jogos eliminatórios, os mata-matas, como ocorria até 2002.

Isso, na visão dos executivos da emissora, afetaria diretamente as receitas com o pay-per-view, já que seriam menos jogos realizados. Se a bola voltar a rolar até junho, entende-se que pode haver ajustes no calendário, inclusive prolongando a marcação de partidas em dezembro, para terminar a competição até o fim do ano. A CBF não pretende estender a temporada 2020 por 2021, como chegou a ser cogitado, porque interferiria no calendário do ano que vem.

Há chance de o Brasileiro nem ocorrer? Vai depender, é claro, de como o surto do novo coronavírus vai atuar no Brasil nos próximos meses. Quanto mais tempo o isolamento social for recomendado, mais curto fica o calendário para encaixar campeonatos que precisam de 38 datas como são os casos das Séries A e B do Nacional. Pelo menos um cartola da CBF cogitou, em conversa com alguns presidentes de clubes, que não descartassem um cenário desastroso em que o Brasileiro 2020 tivesse que ser cancelado para começar tudo zerado em 2021. Isso hoje é improvável, mas não impossível.

Sindicatos querem Brasileirão menor

No final de março, o UOL Esporte explicou qual era a visão da Fenapaf (Federação Nacional de Atletas de Futebol Profissional) e do Sindicato dos Atletas de Futebol em relação ao assunto. As entidades que representam os jogadores sugeriam um novo modelo de disputa para o Campeonato Brasileiro 2020, com menos datas que o normal, para tentar acomodar todas as competições.

A ideia seria reduzir o número de datas do Brasileirão – o torneio tem início previsto para o primeiro fim de semana de maio e conta com 38 rodadas. No entanto, para que o calendário deste ano se encerre até em dezembro, os sindicatos entendem que só a redução de partidas viabilizaria o campeonato.

“Nós já conversamos várias possibilidades. Vai depender como a epidemia vai andar. Se tudo voltar ao normal até maio, dá para encaixar tudo. Se não voltar, vai ter que mudar o modelo de competição”, disse Alfredo Sampaio, representante do Saferj (Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio Janeiro) e da Fenapaf, ao UOL Esporte. “Só que aí isso também passa por alguns problemas contratuais. A Globo tem contrato para transmitir 38 partidas. Se diminuir o número de partidas, a Globo pode não querer pagar. A gente falou sobre diversas formas [diferentes de tocar o Brasileirão].”

Esse é um dos grandes impasses para serem solucionados pelas partes envolvidas —federações, clubes, TVs e jogadores. Um exercício em cima das datas que a CBF tem até o final do ano, dependendo do avanço ou contenção da pandemia no Brasil, mostra o quão complicada é a logística para acomodar os estaduais e um Brasileirão de pontos corridos, com turno e returno.

O calendário divulgado pela CBF em outubro do ano passado previa uma temporada com quase 11 meses de duração, de 22 de janeiro a 6 de dezembro. Com a suspensão dos campeonatos devido à pandemia do novo coronavírus, restam oito meses para o término das atividades (ou 35 semanas), ou 70 datas disponíveis. Nesse espaço, seria necessário acomodar seis datas para os Estaduais, 38 para o Brasileirão, 11 para Libertadores e Sul-Americana, 13 para Copa do Brasil, oito para Eliminatórias da Copa 2022 e duas para amistosos data Fifa (dois). A soma é 78. Dessa forma, já existe um deficit de oito datas.

Que times vão disputar os estaduais se eles voltarem?

A definição da sequência dos torneios, porém, tem outro detalhe: os times. Os clubes grandes, que disputam as séries A, B e C do Brasileirão, por exemplo, podem ter de jogar mais vezes na semana do que o normal. Mas existem casos em que os clubes podem simplesmente não ter elenco para entrar em campo.

É o caso do líder do Campeonato Paulista. Após dez rodadas, o Santo André soma 19 pontos e lidera, além do Grupo B, a classificação geral. O Palmeiras tem a mesma pontuação, mas uma vitória a menos. De 28 jogadores inscritos pelo Santo André no Campeonato Paulista, 21 têm contrato somente até o fim deste mês de abril, outros quatro entre maio e dezembro e apenas três até 2021.

“É inviável para o clube renovar contratos sem saber até quando [vai o torneio]. Não temos condição de arcar com mais três ou quatro meses, além do estabelecido quando recebemos o calendário de competições e vimos que o Paulista terminava em 29 de abril. A gente aguarda, espera que o campeonato volte respeitando esse problema grave [o coronavírus], e que seja em prazo curto, para pelo menos tentarmos renovar com boa parte do elenco. Mas vejo que se for algo que passe de maio, o retorno fica inviável não só para nós, mas para a maioria dos clubes”, disse Edgard Montemort Filho, diretor executivo da equipe, ao UOL quando o Paulistão parou.

O caso se repete em outros estados. O Rio Branco, que fechou a primeira fase do Campeonato Paranaense em sétimo lugar, por exemplo, liberou todo o elenco e comissão técnica com a paralisação — o time não tinha calendário previsto para o segundo semestre e pagou apenas o que estava acordado inicialmente.

UOL