A revista Corner criou uma campanha que está ganhando repercussão pelo Brasil. Com a hashtag #pedea24, a revista publicou em suas redes sociais um manifesto contra a homofobia. A iniciativa é um movimento para quebrar um tabu do futebol, que associa o número 24 a homossexuais, de forma pejorativa. Quem assina o texto do manifesto, que terá espaço na edição #9 e tem chamada no Instagram no fim do texto, é o craque Mauro Beting, editor da revista. E que nós, aqui na Trivela, reforçamos.

A iniciativa tem sido bem-sucedida e alguns clubes já aderiram, como Fluminense e Santos, além de Bahia e do Corinthians, que voltou atrás depois de polêmica com Victor Cantillo. O colombiano foi instruído a não vestir a camisa 24, número que usava no Junior Barranquilla, porque no Brasil era associado a homossexuais. Recebeu a camisa 8 na apresentação e o diretor do Corinthians, Duílio Monteiro Alves, disse “24 aqui não”. Justificou dizendo que era uma homenagem a Rincón, colombiano que vestiu o mesmo número.

Depois, admitiu o erro e pediu desculpas em um vídeo divulgado em suas redes sociais. O Corinthians decidiu, semanas depois, trocar o número do colombiano. Em vez da camisa 8, vestirá o número 24, como tinha pedido inicialmente, na estreia dele pelo Campeonato Paulista – e estreia em jogos oficiais. O clube decidiu que ele passaria a vestir este número em todas as competições.

O episódio despertou muita discussão sobre o assunto. Homofobia, afinal, ainda é um problema sério quando se trata de futebol. O Bahia, clube que tem feito muitas ações afirmativas em prol de minorias, foi o primeiro clube a tentar quebrar o estigma do número. No jogo contra o Imperatriz, no dia 28 de janeiro, o meio-campista Flávio, que normalmente veste a camisa 5, usou a 24. Foi feito também no Campeonato Baiano, que o time sub-23 é quem tem jogado.

O número 24 é comumente associado a homossexuais no Brasil, em uma associação que remete ao Jogo do Bicho, jogo ilegal que existe desde o fim do século XIX. O 24 representa as dezenas correspondentes ao animal veado por ser o 24º grupo. Por sua vez, o animal é associado a homens homossexuais. Uma reportagem do Esporte Espetacular do dia 19 de janeiro mostra como há um estigma forte sobre o número no futebol brasileiro.

O futebol não é um caso isolado. É uma reprodução do que acontece na sociedade. Em 2015, o Congresso Nacional tirou o gabinete de número 24. Simplesmente não existe. Um ambiente majoritariamente masculino e que não parece aceitar qualquer coisa que seja minimamente associada aos homossexuais. Uma masculinidade mais frágil que papel molhado.

Como os clubes passaram a adotar numeração fixa nos últimos anos, esse é um número sempre evitado. Mesmo quando é obrigatório usá-lo, como nas competições da Conmebol (que exigem numeração consecutiva, de 1 a 25 nas fases preliminares e de 1 a 30 a partir da fase de grupos). A estratégia que a maioria dos clubes usava para inscrever um jogador com a 24 era colocar no terceiro goleiro, ou um jogador que tenha pouca chances de entrar em campo.

Foi o que aconteceu com Cássio, então terceiro goleiro do Corinthians, na Libertadores de 2012. O 1 era Júlio César, o 12 era o meia Alex e o 22 era Danilo Fernandes. Cássio recebeu a 24, porque o terceiro goleiro é um jogador com poucas chances de entrar. Acabou que ganhou a posição e jogou, a partir das oitavas de final, com esse número até a final. Logo depois da Libertadores, porém, ele assumiu a camisa 12, após a saída de Alex do clube. Nos demais campeonatos, ninguém vestia a 24.

O mesmo aconteceu com o Flamengo em 2019. Na lista de inscritos na fase de grupos, o camisa 24 era Thiago Rodrigues, quarto goleiro, que é da base. Nas oitavas de final, quando é permitido fazer alterações na lista, Thiago Rodrigues saiu e entrou Pablo Marí. O jogador inscrito precisa, necessariamente, ter o mesmo número do jogador que saiu. Por isso, Marí usou a camisa 24. No Campeonato Brasileiro, jogava com a camisa 4.

A campanha repercutiu. No programa Redação, do SporTV, foi mostrada uma camisa da campanha. O mesmo no Jogo Aberto, da Band. Os clubes também entraram nessa. O Fluminense decidiu adotar o número 24 para Nenê na Sul-Americana – onde, como dissemos, é obrigatório inscrever jogadores com numeração de 1 a 30.

A Brahma, marca de cervejas que faz várias ações no futebol, se associou ao Bahia para apoiar o tema. O Santos escolheu o garoto Tailson para vestir a camisa 24, também aderindo. Gabigol, do Flamengo, também usará a camisa 24 simbolicamente no jogo do próximo sábado, pelo Campeonato Carioca, contra o Resende. Botafogo e Vasco também fizeram manifestações em redes sociais a favor do número do respeito.

Esse tipo de iniciativa é legal, com uma estrela vestindo a camisa 24 para chamar a atenção que não há nenhum problema com a camisa 24. Os jogadores por vezes escolhem números altos, como Hudson com a camisa 25 (e Dagoberto, antes dele, com este mesmo número), Pedrinho, que vestiu a 38 até o fim de 2019, ou mesmo Felipe Melo, do Palmeiras, que veste a 30 desde que chegou. O 24 tem que ser um número comum, como qualquer um desses outros.