A notícia sobre o episódio de violência doméstica envolvendo o jogador Jean se difundiu rapidamente pelas redes sociais nos últimos dias. Em questão de horas e na mesma velocidade, veio a notícia sobre a decisão do São Paulo sobre a rescisão de contrato.

Do ponto de vista da legislação trabalhista, cabe a avaliação sobre o enquadramento da conduta do jogador na justa causa por “incontinência de conduta ou mau procedimento” prevista no art. 482 da CLT.

Mas há no episódio uma lição valiosa para profissionais e empresas sobre reputação e cultura.

Deixamos de viver no mundo em que carreira e vida pessoal andavam separadas ou, ao menos, muito distantes. Vida pessoal e profissional não são mais “caixinhas” que abrimos e fechamos em dias e horas determinados e onde vivemos vidas totalmente apartadas.

Já houve um tempo em que “separar vida pessoal e profissional” era uma expressão associada a deixar problemas pessoais “em casa” para não afetar o desempenho profissional. Num passado recente, passamos a olhar para esta separação como fator de equilíbrio pessoal e saúde.

Em tempos de mídias sociais e alta velocidade de compartilhamento conteúdo, a separação entre vida pessoal e profissional adquiriu novos contornos. O que fazemos em nossa vida pessoal afeta nossa imagem e reputação. Você pode até usar o LinkedIn apenas para contatos profissionais, mas dificilmente terá em seu Facebook ou Instragram apenas contatos pessoais muito próximos.

Até a ideia de dias e horas de trabalho determinados de trabalho está em transformação.

Passamos a ser uma pessoa só. Seus amigos sabem quando você é promovido, tem sucesso em um projeto profissional ou faz uma mudança na carreira, da mesma maneira que seu networking conhece sua família e acompanha seus momentos de lazer. Basta estar conectado. E seu empregador também saberá quando você criticar a empresa em que trabalha, fizer postagens preconceituosas ou quando se tornar assunto nas redes sociais.

Não é preciso ser um atleta famoso para ter a carreira afetada pela vida pessoal. Há vários exemplos recentes de dispensa relacionada à conduta pessoal divulgada por redes sociais. O estudante de direito que foi suspenso pela Universidade Mackenzie e dispensado do estágio após publicar vídeo racista, o jovem do Espírito Santo demitido após postar fotos do carnaval com comentários preconceituosos, o empregado de uma loja de roupas em Macaé que fez postagens criticando a gestora e colegas, os empregados de um hospital de Salvador que publicaram vídeo dançando em pleno horário de trabalho e uniformizados, o estagiário de engenharia dispensado após publicações de teor machista com fotos tiradas no canteiro de obras e muitos outros exemplos.

Se em alguns dos exemplos houve associação da empresa (uniforme ou local de trabalho), em outros sequer havia conexão direta. É aí que está uma outra parte importante da lição, o posicionamento das empresas em relação a valores e cultura.

Comportamentos que conflitam com os valores das empresas são cada vez menos tolerados. Muitas empresas já entenderam que não basta apenas ter valores escritos em seus sites ou nas paredes do escritório. A cultura organizacional precisa refletir estes valores diariamente e já não é aceitável que uma empresa com valores como responsabilidade social e diversidade façam vista grossa para comportamentos discriminatórios ou violência doméstica, por exemplo.

As relações de trabalho já se modificaram e continuam se transformando. Ao mesmo tempo que a tecnologia vem criando novas formas de trabalho e alterando a vida em sociedade, mais humanizadas ficam nossas relações profissionais.

*Tais Carmona, advogada, sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados; especialista em Relações Trabalhistas e Sindicais, em Gestão de Contencioso de Volume, pela GVLaw e em Compliance, pelo Insper