Entra ano, sai ano e o São Paulo parece não ter voltado do intervalo da partida contra o Tigres, em 2012, na final da Sul-Americana, derradeiro título Tricolor. Nesses sete anos bíblicos, o clube acumulou fracassos retumbantes, incluindo desclassificações para Penapolense, Bragantino, Defensa y Justicia, Talleres dentre outras aberrações, considerando as dimensões do Morumbi. Na década perdida, o Tricolor pode ser muito bem resumido nos versos da canção “Fora da Ordem”, de Caetano Veloso: “Aqui tudo parece / Que era ainda construção / E já é ruína”.

É será justamente sob o contexto dessas ruínas circulares que o São Paulo, mais uma vez, entrará em campo, às 21 horas de hoje, em Salvador, para enfrentar o Bahia, pela segunda e decisiva partida da Copa do Brasil, torneio inexistente na galeria de troféus do clube.

Com placar adverso construído pelo Bahia em pleno Morumbi, a missão do São Paulo não é nada simples para se manter vivo na Copa do Brasil. A própria torcida, já cansada de renovar as esperanças, começa a dar sinais cansaço e desilusão. Não é para menos.

Por mais resiliente que seja o são-paulino, 10 anos de seca, contratações, construções e desmanches, em uma involução sem fim, creditam o torcedor a cobrar veementemente (não com violência) jogadores, técnico, diretoria e comissão técnica para que, minimamente, o São Paulo deixe de ser um time que parece já entrar nos torneios contando o tempo da próxima queda.

O torcedor já entendeu que sempre depois de uma desclassificação, no dia seguinte, a diretoria anuncia um novo pacote de contratações, no modus operandi de tirar o foco das críticas e injetar uma nova dose de esperança. O problema é que a esperança agoniza há tempos nos corações tricolores.

Nem mais as doses de esperanças históricas, relembrando que o clube já foi três vezes campeão das Américas e do Mundo, como uma morfina frente à decadência, estão resolvendo mais. As distâncias estão ficando demasiadamente espaçadas.

Com isso, começa a surgir uma nova geração, filhos e filhas de torcedores, que nunca viram o clube dos seus pais erguerem uma taça. E não há imaginário nem esperança capazes de lidar com essa realidade áspera e implacável.

A imagem do são-paulino em relação ao clube, sintetiza-se a um garoto, enrolado em uma bandeira, sentado nas arquibancadas do Morumbi, com olhar para um horizonte que não se explica mais, recitando um trecho de “Tabacaria”, de Fernando Pessoa:

“Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
(…)

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?”

Depois das pífias apresentações contra o próprio Bahia e a forma como perdeu para o Corinthians e relembrando os últimos anos, o que pensa e projeta o torcedor Tricolor perante a partida de hoje à noite? Essa é mais uma dentre as inúmeras interrogações que passaram a ocupar o vazio da galeria de troféus.

Mesmo o mais onírico torcedor do São Paulo agora luta contra o seu sentimento de esperança, na ânsia de romper as ruínas circulares que insistem em dar voltas nos anéis do Morumbi, em uma corrida em que o clube, com toda sua estrutura, é  retardatário de si mesmo.

Quantas quedas mais serão necessárias para a diretoria do São Paulo compreender que o clube se apequenou nos últimos anos?

Ricardo Flaitt – Lance!