Quando o SPFC se classificou para a final da Libertadores de 2005 e quando soubemos que seria contra o Atlético Paranaense, eu e uns amigos começamos a traçar mil planos de como faríamos para ir até Curitiba. Até hoje, eu tenho certeza que se o jogo de ida fosse lá, nós invadiríamos Curitiba. Todos não entrariam na Arena da Baixada, claro, mas muita gente iria mesmo assim, sem ingresso, na loucura.

Quando mudaram o jogo para o Beira-Rio, devido ao estádio deles não ter, na época, capacidade de público suficiente para uma final da Libertadores, eu fiquei tão chateado quanto os torcedores atleticanos. Tudo o que eu desenhei na minha cabeça quanto ao clima do jogo, a atmosfera, a invasão, não aconteceria mais. Fui ao Rio Grande do Sul mesmo assim, encarando uma das maiores aventuras da minha vida. Inesquecível, mas aquilo de não ter sido na Arena da Baixada me martelava. E prometi pra mim mesmo que um dia, com melhores condições, eu iria até lá.

Dali em diante, muita coisa aconteceu. Nós goleamos eles no jogo de volta e erguemos nossa terceira Libertadores. Nossa partida de despedida, rumo ao Japão para o Mundial, foi contra eles. No ano seguinte, ganhamos o Tetra Brasileiro, em um jogo contra eles. Várias vitórias sobre eles no Morumbi, com o passar dos anos. Mas tinha o tabu de nunca ter vencido na Baixada. Não ganhar deles em Curitiba desde 1982. A cada fracasso lá, uma dor de cabeça e comigo, uma certeza: o SPFC só vai ganhar deles lá se um dia eu conseguir ir lá.

Comecei a viajar para outros estados para acompanhar o SPFC em 2012. E por vários motivos, nunca dava certo aparecer em Curitiba. Seja por grana ou por ser durante a semana, o que dificulta um pouco por conta do trabalho. Enquanto isso, nada de vitórias a nosso favor acontecerem por lá.

Sou contra a criação exagerada de expectativas, porque a frustração é grande, na maioria dos casos. Mas a certeza de que o SPFC só ganharia na Arena da Baixada se eu aparecesse lá só aumentava. E foi assim que resolvi ir nesse ano, motivado por mais um revés nosso lá dentro, na Copa do Brasil. E também pelo fato do jogo ter sido marcado para um sábado, 16h. Era só gastar a única falta que eu tinha direito no módulo da minha pós-graduação e pronto.

O roteiro não era dos mais favoráveis, pois o Atlético acatou uma determinação do Ministério Público do Paraná sobre a não destinação de um espaço para a torcida visitante em todos os jogos. Paraná e Coritiba não acataram, diferente do Atlético. Eu só soube que essa medida também seria válida para o nosso jogo alguns dias antes de ir pra Curitiba. Ao consultar o Hugo, fui informado que ele iria mesmo assim. Foi o que nos animou (eu, JacFer) a encararmos mais essa.

Já não bastasse mais esta punhalada que o futebol levava das autoridades paranaenses e também do Atlético, a diretoria do SPFC sequer se manifestou em defesa a sua torcida, lutando pelo direito dela em acompanhar o time e não deixar que ele jogasse sozinho. Uma conivência que só encoraja atitudes ridículas como essa.

E partimos rumo ao estádio atleticano totalmente descaracterizados, trajando apenas o manto invisível da fé que nos acompanhava de que este tabu acabaria ali. Alguns atleticanos em um bar da esquina chegaram a perceber e olharam feio pra gente.

Entramos, encontramos outros tantos descaracterizados, disfarçando seu entusiasmo com o jogo. Disfarce que passou a não existir mais quando os são-paulinos perceberam que ali no Setor Cel. Dulcídio, nós todos éramos um só, representando os outros tantos que foram impedidos de estarem lá. Os seguranças atleticanos tentaram, em vão, conter nossa empolgação.

O clima pro time da casa estava péssimo. O Atlético vinha mal no Campeonato Brasileiro, cambaleando pela tabela, com um técnico que diziam ter boas ideias de futebol, mas que foram ficando manjadas rapidamente pelos rivais. A torcida local parece nem ter se tocado que existiam infiltrados. Estavam preocupados em xingar o time e o seu técnico. Se não fosse ali, naquela tarde, o SPFC não ganharia nunca mais lá.

No início do segundo tempo, na única vez em que apertamos a saída de bola deles, pênalti para nós. Eu nem comemorei, preferi esperar. Os olhos dos seguranças do Atlético ficaram esbugalhados, atentos ao nosso comportamento, que já era de descontrole, apesar da minha cautela. E por mais que parecesse que o Nenê cobrou o pênalti na mão do goleiro Santos, a bola entrou. Placar aberto e a nosso favor.

A cena que correu o Brasil inteiro. Contra todos os fatores, prognósticos, absurdos, determinações, tentativas de assassinato ao futebol. Contra um tabu. Contra uma diretoria que não lutou pela sua gente. Contra os seguranças do Atlético. Contra qualquer impedimento de empolgação em vermelho, branco e preto (mesmo que a gente estivesse usando outras cores, de maneira imposta). Comemoramos muito esse gol, sem qualquer pudor. Destemidos, com sangue nos olhos. Eu passei o jogo inteiro tentando acreditar nesse roteiro meio maluco que escreveram, mas que destinou um final feliz pra gente.

No final do jogo, fui para um espaço na arquibancada onde eu pudesse correr, caso nossa vitória se confirmasse. E ela veio. ELA VEIO! Eu corri, eu procurei os parceiros de arquibancada. Eu gritei, xinguei, desabafei e depois, abracei todos eles. Botei pra fora todos meus sentimentos mais sinceros. Quase morri do coração depois, afinal, já não tenho mais idade pra esse tipo de coisa.

Jamais imaginei que fosse assim que o tabu de nunca ter vencido na Arena da Baixada fosse acabar. Com este roteiro recheado de requintes de crueldade. Mas tinha que ser assim, não poderia ser de outra forma.

Lembrei muito sobre minha “profecia”. De que o SPFC só ganharia na Arena da Baixada se eu fosse lá testemunhar isso ao vivo. Mas, na verdade, na verdade mesmo, a culpa disso tudo foi de todos que estavam lá. Que peitaram o improvável, que superaram os seus medos e que ajudaram a empurrar aquela bola do Nenê pro gol. Não tivemos o apoio de ninguém, a não ser daquele que veio de nós mesmos, e isso não foi suficiente para desistir de tudo.

O São Paulo Futebol Clube não vai e nunca deve jogar sozinho. E tivemos uma prova disso ao quebrarmos esse tabu incômodo do *******. Entramos para a história, representando os são-paulinos que não foram e dando uma sobrevida, quase que insignificante, ao futebol.

Foi simbólico e emocionante. Foi da maneira que tinha de ser.

Tabu?

Por: Rafael Techima