Nesta quarta-feira, Carlos Augusto de Barros e Silva completa um ano de sua atual gestão como presidente do São Paulo. Depois de cumprir mandato tampão entre outubro de 2015 e abril de 2017, o presidente conclui o primeiro terço de seu governo sem títulos, cercado de contestações pela falta de resultados, resistente na batalha política dos bastidores e com avanços considerados marcantes em áreas de menor audiência. Uma delas é a financeira, onde ainda é preciso combater o rombo deixado nos cofres do Tricolor nas gestões de Carlos Miguel Aidar e Juvenal Juvêncio.

Em 31 de dezembro de 2015, dois meses após Leco assumir a presidência com a renúncia de Aidar, o São Paulo apresentava endividamento de R$ 178,9 milhões. O valor já não incluía as dívidas fiscais renegociadas pelo Profut e era composto por débitos com instituições financeiras (R$ 93,3 milhões), fornecedores (R$ 2,3 milhões), mútuos (R$ 66,4 milhões) e empresários e clubes, por direitos econômicos de atletas ou pagamentos de comissão (R$ 16,9 milhões). Isso gerava uma taxa de juros de 1,82% ao mês, ou seja, quase R$ 40 milhões de encargos financeiros por ano.

Ao UOL Esporte, o diretor-executivo de finanças do Tricolor, Elias Albarello, mostrou os números atualizados do endividamento do clube. O total registrado em 15 de abril de 2018 é de R$ 92,9 milhões, representando uma redução de quase 50% da dívida em dois anos e meio. Essa quantia atual é dividida entre instituições financeiras (R$ 41,6 milhões), mútuos (R$ 20,9 milhões), direitos econômicos e intermediações (R$ R$ 16,6 milhões) e antecipação de contratos (R$ 13,8 milhões). No caso dos direitos econômicos e intermediações, houve uma alta de 2017 para este momento, que pode ser explicada. O governo espanhol resolveu tributar negociações internacionais dos clubes do país e, nesse processo, uma das parcelas da venda de Paulo Henrique Ganso para o Sevilla está embargada. Como não recebeu o dinheiro, o São Paulo também não repassou à DIS, empresa que possuía direitos econômicos do meia e que depende do Tricolor para ser paga. O repasse só acontecerá com o dinheiro do Sevilla liberado. “Estamos alongando o perfil da dívida, trocando dívidas de alto custo por outras menores. Se antecipamos um contrato de transmissão, de federação ou de jogador vendido, é um dinheiro nosso, protegido por contrato e sem os efeitos de um empréstimo bancário, dos tributos envolvidos, sem as taxas de juros. No fim de 2019 terminaremos a dívida”, promete Albarello, no cargo desde 5 de maio de 2017.

Corte de gastos e críticas pelas vendas de jogadores

Para reduzir suas dívidas e apresentar superávit de R$ 15 milhões no balanço patrimonial de 2017, o São Paulo renegociou contratos de limpeza e segurança, antes apontados como gastos excessivos, e fez cortes no corpo de funcionários, principalmente em cargos de alta remuneração. Essas medidas geraram economia de 13% no ano. Mas Elias Albarello admite: o bom desempenho financeiro no último ano tem grande participação das vendas de jogadores. “O que vendemos, que esteve na casa dos R$ 180 milhões brutos e R$ 160 milhões líquidos, não entra no fluxo de caixa. Entra, sim, no balanço. Vendeu, registra. Mas o dinheiro só entra a longo prazo, com parcelas de até três anos. É verdade que vendemos acima do previsto pelo orçamento, mas isso também nos permitiu não sair no mercado para captar R$ 70 milhões que estavam previstos. Conseguimos impedir a criação de novas dívidas e amortizamos as que já existem. Antes, pagávamos R$ 20 milhões ao ano somente de juros. Agora, estamos na casa dos R$ 10 milhões. A redução é grande, mas ainda precisa mais. Com esse valor, poderíamos ter contratado um grande jogador”, pondera o diretor.

Esse método, no entanto, tem prazo de validade no Tricolor. Pelo menos é mais uma promessa de Albarello. Hoje, explica o dirigente, há a necessidade de usar os recursos captados diretamente pelo futebol com vendas de atletas para que o clube como um todo seja abastecido. Com a dívida zerada no fim de 2019, a ideia é que isso não seja mais necessário e que a arrecadação das negociações seja integralmente usada pela diretoria de futebol. Seja para novas contratações, seja para manutenção do elenco. “Meu grande objetivo pessoal e meta como executivo é desvincular a gestão do futebol. Principalmente a parte financeira. Não podemos depender de vendas de jogadores para cobrir despesas da gestão e da administração do clube. O futebol tem que viver com o que é oriundo do futebol. Estamos perseguindo esse desafio e temos condições de atingir. Teremos de montar times bons, investir em jogadores como agora está acontecendo com o Everton (prestes a ser comprado do Flamengo por R$ 15 milhões), para os resultados melhorarem, assim como os contratos e os públicos no Morumbi”, apresentou, antes de seguir:

“A meta de acabar com a dívida no fim de 2019 é conhecida pelo conselho, bem como a meta de vender R$ 100 milhões neste ano e aplicar 50% em compras, 35% na dívida e 15% em outras despesas. Isso é importante para reduzir os encargos financeiros e ainda investir no futebol. E o time melhorando como está, com a diretoria trazendo novos patrocínios e receitas, como está fazendo, não tenho dúvidas que alcançaremos os objetivos dessa gestão desvinculada”.

Vende, mas compra

Até o momento, o São Paulo já arrecadou mais de R$ 46 milhões brutos com vendas de atletas. A conta inclui as saídas de Lucas Pratto e Julio Buffarini. No caso do primeiro, metade do valor precisa ser repassado ao Atlético MG e o combinado é que o River Plate termine de pagar em julho de 2019. Com Buffarini, as cifras foram mais baixas e praticamente zeraram o que foi investido em 2016 e ainda nem havia sido quitado com o San Lorenzo. Pouco “sobrou” da para o Boca Juniors neste ano. A expectativa é que pelo menos mais dois jogadores sejam vendidos, para atingir ou até superar a meta de R$ 100 milhões. “Pode ser maior, até pelo investimento já feito e o que pode ser concluído com o Everton e eventualmente mais reforços. Isso tem um impacto. Fala-se muito em vender Rodrigo Caio e Cueva após a Copa do Mundo. Pode até ser um sonho deles, algo que respeitamos, mas não temos controle. O Rodrigo mesmo já recusou propostas e outras aparecem sem esperarmos, como a do Maicon ano passado. Tem o Militão sendo especulado na Inglaterra (Manchester City). Eu não vejo nome, vejo os recursos. E a diretoria de futebol tem ótimo relacionamento conosco para discutir, diferentemente do que se via antes”, destaca. Em compras, o Tricolor já gastou R$ 45 milhões em 2018. O valor engloba as chegadas de Jean, Diego Souza, Tréllez, Gonzalo Carneiro e Everton. Nenê, Anderson Martins e Valdivia chegaram livres ou por empréstimo. Esse alto investimento faz com que alguns torcedores questionem as razões para que o clube não tenha ficado com Hernanes. O Profeta estava emprestado até junho pelo Hebei China Fortune, que ativou cláusula de retorno antecipado em janeiro. Albarello assegura que a diretoria tentou manter o ídolo.

“Hoje nosso futebol custa o mesmo que outras equipes de ponta, entre R$ 10 e R$ 11 milhões por mês. E há muita diferença entre comprar e manter um jogador. Primeiro que esses questionamentos muitas vezes são seletivos, pegam quem ainda não deu certo para comparar. Mas e o Nenê, que veio sem investimento e está jogando acima das expectativas? O valor do Hernanes por mês serviria para manter vários jogadores. E nós tentamos, informo aqui, de tudo para mantê-lo. Você pode até pagar a multa, mas e o salário? É muito alto! É natural que para ter um desempenho melhor seja preciso investir em jogadores assim, mas o processo é lento”, defende.

Aposta – e investimento – nos jovens

Outro foco de investimento necessário para o futebol do São Paulo está na profissionalização de atletas. Hoje, o clube tem dificuldades para renovar com Militão, por ter visto o garoto ter se firmado no time principal mesmo jovem e fora de posição. Será preciso pagar muito mais do que está previsto para atletas oriundos da base para não perdê-lo de graça a partir de 11 de julho. Para evitar novos casos, a diretoria trabalha para já valorizar outros destaques de Cotia, como Liziero e Helinho.

“O processo de profissionalização custa caro. Temos muitos jovens que gostaríamos de oferecer condições melhores. Quem imaginava o Liziero já jogando como está? Mesmo o Militão, era um crescimento que se projetava mais para o futuro. Temos um formato de renovação pré-definido, que envolve ano em que estão, estágio, término do contrato. Com Militão, teremos de extrapolar isso. Com os demais, confio que já estejam traçando tudo nesse nosso formato. Por isso é necessário um futebol independente, planejado, para pesar recursos e necessidades”, analisa.

Participação na contratação de Everton

“Discutíamos a necessidade de investir mais em um jogador e aí apareceu a oportunidade com o Everton. O nome vem da Barra Funda, mas uma vez definido, a gente tinha o valor para apresentar (com o auxílio do que foi pago de luvas pela Globo por direitos de transmissão em TV aberta e pay-per-view). É bom não saber o nome, para não atrapalhar. Segredo existe até abrir a porta da reunião. Procuro não saber o nome do jogador, só quando chega o contrato ou quando vaza na imprensa”

Já barrou alguma contratação?

“A gente tem uma relação muito aberta e tranquila com presidente e diretoria de futebol. Já fui consultado e disse que não tínhamos condições de contratar um jogador. Agora, por exemplo, temos. Em outros casos, só disse que seria inviável. Não precisei bater o pé  e acho que não precisarei, porque hoje tem uma consciência maior no futebol do clube. Temos uma pessoa da nossa área financeira que fica lá no CT no dia a dia. Era uma ideia do Adilson Alves, antigo diretor financeiro, e que eu operacionalizei. Ele faz um acompanhamento, quase uma auditoria do futebol. Há uma consciência melhor do limite do clube. E dentro de certos níveis salariais, eles têm liberdade para agir sem mim no mercado. O que é maior é discutido aqui”.

Dificuldades para a reestruturação financeira

“O futebol tem elementos que não são tão racionais. O jogador tem momentos, o time tem momentos, o mercado tem momento. É difícil ter uma previsibilidade. Por isso desvincular a gestão do futebol é importante. Não posso depender da venda de jogadores para fazer benfeitorias no clube, no estádio. Converso com bancos e fundos imobiliários para investimentos no clube social e em melhorias no Morumbi, que tem quase 60 anos e precisa disso. Precisamos de estacionamento. Tenho que desenvolver soluções sem o futebol, por mais que os resultados do futebol ainda influenciem. Uma partida ruim influencia politicamente no clube, que envolve muita paixão, situação, oposição e grupos políticos.O que tentamos fazer é desenvolver ferramentas que independam do futebol em campo e nos recursos. Quando desvincularmos, teremos um time melhor e uma gestão mais perene”

UOL