Diego Aguirre inicia a partir desta quinta-feira seu terceiro trabalho como treinador no Brasil. Após ver seus processos serem quebrados em Inter e Atlético-MG de maneira até meio que precoce – nos dois casos não vi grandes motivos para a demissão – agora o uruguaio tem o instável São Paulo pela frente.
Sem dúvidas trata-se de um dos maiores desafios de sua carreira. Não pela grandeza da equipe paulista (isso não se discute), mas por um cenário totalmente desgastado com 25 trocas de comando nos últimos 10 anos. De referência em organização dentro e fora de campo, o time do Morumbi hoje não tem sequer uma identidade, uma forma de jogar estabelecida nos últimos anos. Vem ano e passa ano, nada de títulos, nada de competir por eles.
A pressão e insatisfação da torcida só cresce. Elencos montados e desmontados seguidamente, treinador chega, treinador cai… Uma bola de neve que não para de rolar e crescer. Uma ausência de lucidez que parece ser eterna para o são-paulino.
Mas o que o torcedor tricolor pode esperar de Aguirre dentro das quatro linhas? Enfim o São Paulo escolheu bem? O uruguaio pode ser a pessoa que estabeleça um DNA na forma de jogar da equipe? Quais são seus conceitos e ideias? Que tipo de futebol pratica?
Apesar de usar algumas referências das suas passagens por Belo Horizonte e Porto Alegre, usei como referência seu último trabalho. Ao analisar mais afundo o seu San Lorenzo, onde esteve de junho de 2016 até setembro de 2017, acredito ser o mais justo. Pela proximidade das ideias. Afinal, todos nós estamos em uma mudança contínua certo?
Bom, a primeira questão que precisamos clarear ao traçar o perfil do novo comandante tricolor é constatar que sim, o São Paulo trocou limão por melancia mais uma vez. Sai de Dorival, que tem como ideias de jogo ter a bola, propor e circular a bola com mais paciência, para um profissional que tende a ser mais reativo na sua forma de jogar. Aguirre é um treinador mais pragmático – e isso, apesar do tom pejorativo para muitos, tem lá suas vantagens.
Em todos seus trabalhos até aqui o uruguaio se mostrou um treinador adepto de uma estrutura mais rígida dentro de campo. Ou seja, prioriza a organização, principalmente sem bola. Busca sempre uma estrutura sólida, difícil de ser furada. Não abre mão (POR NADA!) da intensidade. Suas equipes são extremamente agressivas sem a posse da bola. Competem, competem e competem. Simplesmente não existe negociação neste sentido.
Tem uma veia mais estratégica. Um perfil que se adapta às necessidades de cada jogo e adversário. Busca sempre usar uma proposta de acordo com o que vem pela frente. Para isso roda peças e vária alguns sistemas. Uma das suas grandes marcas, inclusive, é aumentar a pressão na bola nos 15 primeiros minutos de jogo, buscando sufocar os adversários e já sustentar uma vantagem no placar para poder controlar melhor o jogo no restante do tempo. Fora de casa, por outro lado, consegue truncar o ímpeto do rival para, no momento certo, atacar suas deficiências. De fato, consegue ter boas leituras neste sentido. Contra o Lanús, na Libertadores, em casam, por exemplo, não pressionou alto de início. Entendia que Jorge Almiron e seus comandados, como modelo, tinham a ideia de atrair o adversário e atacar profundidade com jogadores eliminados na primeira etapa de construção.
Diego Aguirre tem alguns sistemas bem estabelecidos nos últimos anos. De uma forma geral circula entre o 4-2-3-1, o 4-1-4-1 e o 4-4-2, principalmente sem a bola. Na verdade são todas plataformas “irmãs”, que não exige uma grande ruptura na ideia para variar. Um ajuste, uma troca de peça. Não chega a ser mudanças drásticas de estrutura.
Suas equipes jogam muito sem a bola. Inclusive controlam jogos assim. Marca de forma zonal, mas com encaixes por zona que implicam em pressionar sempre o homem da bola. Sempre com muita agressividade. Estes pequenos encurtamentos de espaço no campo, por muitas vezes, quebra a saída de bola dos adversários. E isso independe de estar em bloco alto, médio ou baixo (faixa do campo que você começa a marcar). Seus times fazem isso muito bem. Bloqueiam a circulação, forçam o erro e, na recuperação da bola, aceleram em direção à área adversária para concluir o mais rápido possível.

Para manter sempre o portador da bola desconfortável em cada execução ou tomada de decisão, Aguirre libera muito seus laterais a desgarrarem da linha defensiva. Se a bola entra do lado, ambos pressionam e perseguem distâncias maiores. Os zagueiros, por sua vez, são mais podados neste sentido e sustentam mais a linha. Se a bola sai do setor deles, retornam e cuidam do espaço.

Quando o adversário inicia as jogadas com bola no chão, o San Lorenzo treinado pelo novo treinador são-paulino buscava o conceito do “direcionamento”, que tem como objetivo induzir o rival a progredir seu jogo em uma determinada faixa do campo. Neste caso, a ideia sempre foi de jogar a bola para o lado do campo, onde sua equipe busca pressionar a posse com superioridade numérica, fechando as linhas de passe para frente.

Neste momento, como vemos na imagem acima, os laterais costumam ter mais liberdade para quebrar a linha defensiva e encurtar o espaço no ponta ou meia que cai pelo seu setor. Aguirre gosta de manter a linha de 4 sempre estruturada – geralmente não joga com ela tão estreita – mas, por outro lado, sofre com algumas quebras de laterais e zagueiros. Busca estruturar boas linhas de coberturas, mas para isso, em vários momentos, precisa liberar uma subida maior do zagueiro no campo adversário. São momentos que, numa tirada rápida da pressão, o time acaba desequilibrado defensivamente e cedendo espaços em profundidade para o rival atacar.

Ainda em cima do comportamento sem bola, outra situação bastante usada pelo uruguaio em sua passagem recente pela Argentina são as subidas de pressão em cobranças de laterais. Como vemos na imagem abaixo, ele fecha o setor da batida e praticamente encaixota o rival em um pequeno espaço. Tudo isso para disputar e ganhar as 1ª’s e 2ª’s bolas. Na segunda foto, no entanto, um risco que se corre nestes momentos: o time sobe, mas para manter certa cautela, o restante da linha defensiva fica mais recuada. Caso essa bola saia dessa zona de pressão, serão poucos jogadores para duelos individuais e muito campo para o rival se projetar. Tal ideia, inclusive, persiste com bola rolando. Raramente Aguirre sobe seus zagueiros. Prefere sempre mantê-los num avanço intermediário, justamente para cortar campo do adversário atacar nas costas da linha.

Com a bola os times de Aguirre também mostram alguns padrões mais claros, principalmente no San Lorenzo. Prefere uma construção ofensiva mais vertical. Inclusive usando a bola longa em profundidade em alguns momentos. A ideia é sempre passar para frente. E rápido.

Para isso, algo bem nítido no seu último trabalho era o primeiro passe rompedor saindo dos pés dos zagueiros. Visando essa primeira quebra da marcação, usa apoios “entrelinhas” – entre os zagueiros adversários e as costas dos volantes. Quando a bola mais aguda entra no setor, a posse tende a ser ainda mais vertical, seja com infiltrações ou mesmo chegadas no fundo para cruzar, visando sempre preencher a área com bastante jogadores para concluir. As chances de gols, geralmente, são sempre construídas com poucos passes.

 

Para abrir o campo, gerar amplitude e tentar criar espaços nos sistemas defensivos dos rivais, o novo treinador do São Paulo costuma usar seus laterais. Com isso vê pontas, meias e volantes circulando por dentro. Abrindo linhas de passes e gerando apoios rápidos.

É muito habitual também as tentativas de triangulações pelos lados do campo. Meia, ponta e lateral se aproximam e, em passes curtos e rápidos, tentam levar a bola à frente. A ideia é gerar superioridade numérica no setor e, com muita mobilidade, atacar espaços em profundidade.

Se olharmos de uma maneira geral, os times de Aguirre são muito mais estruturados defensivamente do que com a bola – algo bem recorrente no futebol praticado aqui no Brasil. Os seus últimos trabalhos mostram alguma dificuldade para criar, principalmente quando não tem essa bola roubada um pouco mais avançada, que pega o adversário desequilibrado em seu campo. Muito por isso, traz consigo um histórico de bolas paradas ofensivas bastante interessante. No Ciclón, por exemplo, criou muitas chances e viu sua equipe marcar bastante gols desta forma.

Aguirre traz consigo conceitos e uma identidade de jogo que são fáceis de se observar. Características que podem ser importantes para o momento em que o clube passa. Dar solidez defensiva e recuperar a confiança para, lá na frente, incrementar o jogo ofensivo? Pode ser. Por outro lado, como dito acima, o uruguaio não negocia completividade e entrega. E a intensidade, definitivamente, não vem sendo a característica do elenco, principalmente se olharmos para os atletas mais rodados e que chegaram com um status mais elevado.

O seu grande desafio, sem dúvida alguma, será estimular tais comportamentos sem bola nos seus jogadores. E arrisco a dizer: quem não competir em campo, tem sérios riscos de não jogar. O recado, apesar de bem sutil, foi dado logo na sua chegada. É esperar para ver.

ESPN – Renato Rodrigues