Imaginem um grande restaurante em que o chef não participa da seleção dos alimentos. O dono é quem escolhe e compra. Alguns de mercados caros, outros da feira, outros de um amigo fornecedor. Aí pega tudo, manda pro chef e diz “agora se vira pra montar um cardápio”. Você acha que um estabelecimento desses tem condições de ganhar e manter clientela? Pois os dirigentes de muitos clubes brasileiros acham. Em especial, o São Paulo. Desta vez, quem tem que se virar é o chef Dorival Jr. Tal como seus antecessores, o resultado tende a ser mais um festival de gororobas.

O pior é que tem muito freguês e crítico gastronômico desavisado que, pasmem, acham que esse tipo de dono tem razão. Existe uma ideia de que técnico de verdade é o que vê o elenco dado e escolhe, dentro de um leque, o esquema adequado. Isso é papo de boteco. Não há nada mais distante da realidade sóbria. São pouquíssimos os treinadores capacitados a executar mais de dois esquemas táticos completamente distintos. Normalmente, os que se propõem a tanto acabam como Cuca e minha comparação com os sanduíches de uma cadeia de fast food. Você pode trocar os ingredientes, o pão, a carne e o molho, mas o gosto é sempre igual. Assim como um chef, um técnico pode ser considerado bom mesmo com um único cardápio ou esquema padrão, desde que o faça com excelência. Para tanto, além de saber usar as panelas, é fundamental que seja ouvido sobre os produtos que estarão nelas.

“Ah, mas então só pode contratar o jogador que o técnico indica?”. Não. Mas é preciso buscar o tipo de comida que o chef precisa para concretizar o menu que tem na cabeça. Já mencionei antes que Dorival gosta do 4-2-3-1, cardápio que já foi da moda e hoje não encanta muito. Porém, mesmo que usasse o 4-3-3 ou o 4-1-4-1, precisaria de pratos melhores nas pontas. Só que ganhou jogadores de centro como Trellez (de gosto bem discutível) e Nenê (com validade já na mira da vigilância sanitária). Ao ignorar esta necessidade (que seria de Dorival, Carille e até do elogiado – com justiça – André Jardine), o gerente Raí repete a diretriz desastrada dos outros. E ainda acha que é só trazer um recepcionista carismático e um maître que grita “vamo, vamo, vamo” para o restaurante sair da pindaíba. Não e à toa que, no lugar de concorrentes, viraram fregueses do restaurante corintiano.

Antes que os leitores são-paulinos tenham crises de fúria e os corintianos pensem que dei três estrelas do Guia Michelin para seu time, lembrem que este último tem algumas iguarias duras de engolir, como Kazim. Entretanto, no geral as escolhas são feitas com mais critério. O motivo é a sincronia entre quem treina e quem analisa as opções. Tal como Tite, Carille sabe explicar as receitas para quem procura os ingredientes. Quando procuram um lateral ou um atacante de lado, sabem que eles precisam formar a linha de quatro, ou não servem. Se for um jogador do meio-campo, não pode ser um prato muito pesado, ou o cliente tem indigestão em vez de satisfação. Foi este cuidado que, por exemplo, faltou para o Palmeiras de 2017, cujo gerente foi aos mercados com um carrinho de dinheiro e torrou tudo numa prateleira só. E ainda pôs na mão do lancheiro do Subway. Resta saber se repetirão o desperdício em 2018.

Voltando ao tricolor, infelizmente este não tem nem o cofre palmeirense, nem a logística corintiana. Haverá críticos chapa-branca com resenhas altamente favoráveis aos novos pratos, que logo serão desmentidas pela fila do WC. Ainda há tempo para refletir e não queimar outra temporada em fogo baixo. Do contrário, mesmo que os são-paulinos continuem lotando as mesas e dando apoio incondicional aos pratos com pouco ou muito sal, a tendência é outro ano celebrando apenas que restaurante grande não fecha. Haja Sonrisal…

Gustavo Fernandes