David Neres, Luiz Araújo, Eder Militão, Shaylon, Jonas Toró, Brenner, Liziero. Todas essas revelações do São Paulo – e muitas outras – têm em comum o fato de terem sido talhadas em sua última etapa pelo mesmo treinador. André Jardine está há três anos no comando do sub-20 do São Paulo e coleciona títulos e elogios pelo trabalho.

Campeão da Libertadores sub-20 em 2016 pelo próprio São Paulo, Jardine está de volta com o Tricolor à competição em busca do bicampeonato. O título seria a coroação de um ciclo que está próximo do fim: o treinador é cotado para virar auxiliar do profissional assim que voltar do torneio.

Jardine ficou marcado pelo estilo ofensivo que imprime a seus times. No São Paulo, conseguiu sete títulos. Neste ano, perdeu a final da Copa São Paulo, quando foi batido pelo Flamengo num duelo em que sua equipe criou, criou, criou, mas não superou o rival. Nada que o abale.

– Isso reforça ainda mais a nossa convicção. Porque foi mais uma competição em que chegamos na final, jogando muito bem, criando mais que os adversários. O importante é a equipe estar evoluindo e ser capaz de criar suas próprias situações de gol mesmo com o adversário todo fechado. O São Paulo já está colhendo frutos de cada vez mais garotos talentosos chegando no profissional.

Confira o entrevistão com Jardine:

GloboEsporte.com: Como essa experiência na Libertadores sub-20 ajuda na formação dos meninos?

André Jardine: É uma competição que tem tudo para ser muito grande, tem nome muito forte no profissional. Deveria ser uma das principais competições de categoria de base, porque é um dos raros momentos em que conseguimos integrar grandes equipes de todos os países da América do Sul. É uma experiência muito boa, importante para a gente estar sempre medindo em que nível nosso trabalho está em relação aos nossos vizinhos. Os meninos gostam bastante. Na minha opinião, deveria ter todos os anos e ser melhor elaborada, com mais equipes e mais tempo.

Que aprendizado os jogadores conseguem num torneio como esse?

As escolas uruguaia, argentina, paraguaia, chilena, são diferentes de futebol. Eles têm sua cultura, sua maneira de jogar, e para nós é importante confrontar outras escolas. Acho que essa é a grande valia da competição, considerando que em tese são as melhores equipes de cada país. A gente consegue medir bem realmente o nível do trabalho que estamos fazendo, sempre percebendo nos outros países as evoluções, as tendências. É importante não ficar para trás.

O que te chamou atenção até agora?

O futebol argentino cresceu bastante, com uma escola cada vez mais de jogo propositivo, construído. Na outra Libertadores enfrentamos o Lanús e foi um jogo muito difícil. Percebo muitas equipes na base tentando produzir jogadores capazes de um jogo ofensivo, construído, inteligente, de altíssimo nível técnico e muita exigência tática. Fico feliz de ver isso, porque percebemos que é uma tendência mundial nos grandes centros formadores cada vez mais ter equipes na base que jogam um jogo bem jogado.

Você fala sempre em jogo construído, ofensivo. É esta sua ideia de jogo?

Desde que cheguei no São Paulo a ideia é essa. Criar um filosofia de jogo, respeitando a história do São Paulo, que sempre foi de formar grandes equipes, que se impõem no jogo e tratam muito bem a bola. O sub-20 tem se comportado de maneira sempre muito agressiva, propositiva. Aquela equipe que procura ter a iniciativa do jogo em todos os momentos, essencialmente no jogo ofensivo.

Procuramos ter a bola, envolver o adversário, criar situações de gol sem depender do erro, de transição ou de bola parada. Respeitando esses momentos, mas dando ênfase ao jogo construído.

É difícil moldar os jogadores que chegam a você para trabalhar neste tipo de jogo?

O São Paulo tem tradição de ter jogadores muito técnicos e inteligentes. Não é de hoje. Quando cheguei, encontrei um número muito grande de jogadores de qualidade. Facilita. Mas acho que mesmo no sub-20, considerando que é a última etapa, creio que é possível evoluir em muitas coisas, conseguir chegar num nível muito bom, porque o jogador brasileiro tem facilidade na parte técnica e vem com malandragem do futebol de rua, do futsal.

É questão do estímulo certo, de acreditar nessa filosofia, conseguir convencê-los de que vão evoluir como jogadores e, além de se aproximar de conquistar títulos, vão desenvolver o próprio jogo para chegar ao profissional.

Vocês perderam a Copinha desse ano numa final em que criaram muito mais que o Flamengo. Como foi o trabalho com os meninos depois disso?

Ficamos abatidos no dia, mas confesso que trabalhamos com uma naturalidade muito grande, porque o futebol é feito dessas coisas. Não jogamos todas as nossas expectativas na Copinha. É uma das grandes competições da base no Brasil, talvez a principal, mas o São Paulo tem conseguido chegar em muitas finais, muitas competições, conquistado muitos títulos. Também é uma experiência, não vamos conseguir ganhar todas. Serve para amadurecer, refletir. Tivemos nossos erros no jogo, e o Flamengo teve seu mérito de se defender muito bem.

Como equilibrar ataque e defesa?

A palavra que a gente mais busca é a consistência, o equilíbrio entre atacar e defender. A equipe, como um todo, poder dar condições de os jogadores mais ofensivos tentarem suas jogadas sem tomar contra-ataque. A gente se defende muito, mas de uma maneira diferente. Não com 11 jogadores lá atrás, mas com todos participando da fase defensiva ainda no campo de ataque, tentando evitar que ao adversário comece uma jogada ou tenha tempo e espaço para se defender.

Não se chega a um resultado sem ter grandes sistemas defensivos. Eu diria que são os sistemas de defesa que dão suporte para as equipes ganharem títulos. Equipes ofensivas ganham jogos, e equipes muito consistentes defensivamente ganham campeonatos.

Quais são suas principais referências?

O Brasil de 1970 talvez seja a primeira grande referência. Pela idade, não pude acompanhar tanto o Santos de Pelé. Tinha ideias extremamente modernas naquela época. A seleção de 1982 marca também, aliou resultado com futebol bonito. O São Paulo do Telê Santana eu já tinha certa idade para apreciar, entender, ver ao vivo os jogos. O Palmeiras teve grande equipe com Luxemburgo, praticava um futebol com o qual eu me identifico bastante. O Flamengo de 1981 é uma equipe que vi pouco, mas o pouco me encantou. Zico, Adilio, Andrade… Geração muito técnica.

Talvez pela grande mudança de treinadores hoje, não tenho uma equipe que possa citar como grande referência. Admiro muito o trabalho do Carile no Corinthians, mas com uma filosofia totalmente diferente, mas que dá resultado. Futebol não tem certo e errado.

Hoje tenho buscado inspiração em equipes de fora, como a Espanha, o Barcelona. O Guardiola com suas equipes, o Napoli, a Alemanha…

Você citou muitas equipes e poucos treinadores. É difícil encontrar técnicos com uma marca própria, ou isso é reflexo do futebol brasileiro?

Não se dá muito tempo aos treinadores, que são reféns dos resultados. Sabedores disso, precisam buscar ideia de jogo que lhe dê resultado de forma mais rápida. O jogo construído é um caminho de médio e longo prazo. No curto prazo, ele tem dificuldades de apresentar resultado, porque a equipe se expõe um pouco mais, erra um pouco mais. A cultura inviabiliza os treinadores que gostam desse estilo. Não conseguem ter a paciência necessária.

Se este tipo de futebol mais ofensivo é o mais difícil, por que você, que está começando a carreira, optou justamente por ele?

O treinador acredita muito nas suas ideias, naquilo que ele viu dar certo. Estou há 15 anos trabalhando com uma ideia sempre muito parecida de jogo, buscando desenvolver equipes.

Tenho conseguido muitos bons resultados, não só aqui no São Paulo. Isso me leva a crer que consigo. Se eu fugir disso, vou fugir da minha essência, daquilo que acredito e do que mais sei fazer. Foi onde consegui desenvolver minha metodologia.

Tenho certeza que também é possível no profissional, mas é uma capacidade que não se adquire do dia para a noite. Talvez tenha muitos treinadores que queiram, mas não saibam fazer. É preciso desenvolver o método. Me sinto sempre muito preparado.

E como você desenvolveu seu método?

Tentativa e erro. Tempo, experiência. São 15 anos. Sou novo para treinador, mas desde os 20 anos já trabalho com categoria de base. Com 24 anos, comecei no futebol de campo. É um trabalho árduo de tentativa e erro. Muitas vezes errando no treino, no jogo, na ideia. Assistindo de novo, tentando entender o que deu errado. Começando nova temporada, tentando corrigir erros e melhorar em todos os quesitos. Isso leva tempo, não é do dia para o outro. Quando me aposentar ainda estarei tentando melhorar. Futebol é mutação constante.

Como você essa atual geração do São Paulo?

O São Paulo vem de algumas gerações muito qualificadas. Quando cheguei, a principal geração era a 96, que deu muitos frutos. A 97 contribuiu com sua cota no profissional. As 98, 99, 2000 são muito qualificadas. O São Paulo com certeza vai continuar nos próximos anos revelando muitos jogadores, não só para a equipe principal, mas jogadores que serão vendidos precocemente, porque o próprio profissional não vai conseguir abranger todos os meninos talentosos da base.

GE