A diretoria do São Paulo também reforça a equipe fora de campo. Com passagem pela Seleção Brasileira e grandes clubes do país, Altamiro Bottino será o coordenador científico do clube, ligado diretamente à comissão técnica e departamentos médico e fisiológico. O profissional começou o trabalho nesta terça-feira (1º), no CT da Barra Funda, e dentre as principais funções no cargo será colher e confrontar informações de todas as áreas do futebol para uso imediato na melhoria de performance dos atletas.

“A meta é fazer com que todos os departamentos fiquem interligados para proporcionar a melhoria de desempenho do atleta e a performance do clube. As informações são úteis e vitais na tomada de decisão do técnico”, resume o novo integrante da comissão técnica.

Integrante da ISEI (International Society of Exercise and Immunology) e da SBIE (Sociedade Brasileira de Imunologia e Exercício), Bottino é graduado em Educação Física e especialista em Ciência e Técnica do Futebol (UGF) e Performance Humana (LABOFISE/UFRJ).

“Vamos orbitar por todos os departamentos, porque qualquer informação pode ganhar relevância e valor. Então vamos acompanhar este desdobramento em relação a ação e resultados deste processo”, explicou.

O trabalho de Altamiro Bottino será desempenhado em sintonia com as diversas áreas do futebol: física, técnica, fisiológica, médica, nutricional, psicológica e até de logística. Seu trabalho também vai contemplar as categorias de base.

Bottino, que participou das conquistas da Copa do Brasil de 2015 e do Campeonato Brasileiro de 2016 pelo Palmeiras antes de chegar ao Tricolor, também foi Professor de Ciência do Esporte na Trevisan Escola Superior de Negócios, entre março de 2011 e novembro de 2014, entre outros trabalhos acadêmicos.

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Entrevista Publicada por Renato Rodrigues, ESPN

Apesar dos poucos holofotes e um trabalho mais minucioso nos bastidores alviverdes, Altamiro Bottino, Coordenador Cietifíco do clube, foi uma das engrenagens que funcionaram dentro de toda a metodologia de trabalho implantada na Academia de Futebol e que agora colhe mais frutos dentro de campo.

 Graduado em Educação Física e especialista em Ciência e Técnica do Futebol (UGF) e Performance Humana (LABOFISE/UFRJ), além de fazer parte da ISEI (International Society of Exercise and Immunology) e da SBIE (Sociedade Brasileira de Imunologia e Exercício), Altamiro me recebeu durante uma das últimas sessões de treinamentos do Verdão nesta temporada para ajudar explicar uma das grandes características do Palmeiras de Cuca durante a campanha vitoriosa na competição: a intensidade.

Responsável por ser um elo entre diferentes áreas que constituem o Departamento de Futebol do Palmeiras, como preparação física, fisioterapia, fisiologia, nutrição e psicologia do esporte, Bottino também falou da indivualização na preparação dos jogadores, da importância do treinamento praticado no futebol atual e da a necessidade de se compartilhar mais conhecimento no Brasil. Também contou da resistência que profissionais de sua área ainda sofrem no futebol brasileiro, do trabalho específico no futebol cada vez menos usado, da necessidade de se criar um centro de dados para o futebol brasileiro e também do mito chamado “ritmo de jogo”. Confira:

Sem dúvidas uma das grandes características do Palmeiras nesta campanha de título foi o alto nível de intensidade que a equipe conseguiu manter durante as 38 rodadas. Como foi feito todo o trabalho para se chegar a isso? E como manter esse tipo de exigência por várias rodadas?

Claro que existe as exigências do treinador durante o treinamento. Mas isso veio muito por nós construirmos durante a semana uma base compatível com a demanda de jogo. A gente nunca trabalhou excessivamente um componente, a não ser que ele fosse muito necessário na situação de jogo. O grande segredo disso foi tentar gerar volume e intensidade de trabalho rigorosamente compatível à realidade do jogo. O maior perigo sempre está no trabalhar a mais do que você vai precisar, principalmente quando você tem uma comissão técnica com dois ou três assistentes. Porque aí o treinador faz o trabalho, o auxiliar tenta mostrar serviço e faz outro trabalho, aí o outro vem e faz mais um pouco… Daqui a pouco você não tem mais o todo. Você passa a ter apenas partes que você não consegue somar. Fica difícil saber o volume total. Por isso o trabalho integrado exige que se monte o que vai ser feito com o grupo desde o aquecimento até o descanso dos jogadores. Isso precisa ser tudo dimensionado.

Um exemplo é a pessoa que temos para controlar o Catapult (GPS que acompanha todas as ações dos atletas durante qualquer atividade). Ele “tagueia” (acompanhamento fragmentado da atividade) o treino de como foi a roda de bobo, o que foi o aquecimento do preparador físico, o que foi o trabalho do auxiliar de início, do Cuca, do outro auxiliar na volta… E isso tudo vai se somando nos dias. Então a gente já sabe até o que ajuda nestes casos. Quando monta um treino 4 contra 4 em um espaço de 40×40, a gente já sabe aproximadamente quais serão as respostas dos atletas.

Com isso a nutricionista consegue colocar na garrafinha o que cada um precisa. É só olhar que cada garrafa está com o nome de um atleta. Com todo esse trabalho, a gente consegue detectar o que o Zé Roberto precisa, por exemplo. Que é diferente do que o Cleiton Xavier necessita. Imagina um carro flex com três combustíveis: gasolina, álcool e diesel. É exatamente assim que nós funcionamos, com três fontes de combustíveis básicos. Se você exigiu maior velocidade, você vai usar o combustível com maior octanagem. Então o que vai nessa garrafinha? O que exatamente esse jogador gastou! O que tem que criar é isso. O que eu gastar, tenho que repor. Nem a mais e nem a menos. Isso facilita na hora do jogo, já que o atleta tem exatamente o que ele precisa para aquela necessidade expecífica. Quando você trabalha a mais e ainda não repõem, o sujeito não vai conseguir desempenhar em sua plena forma. Se você vai percorrer velocidades mais longas, como um caminhão, vai precisar do diesel. Se precisar de mais velocidade, aí necessita de algo com uma elasticidade maior de combustão. Então é preciso dosar tudo. Por isso é importante explicar do quanto de ciência atrás de todo nosso trabalho nos ajuda.

Falar de intensidade levanta algumas dúvidas importantes em qualquer pessoa que, apesar de saber o que é, por vezes não consegue explicar exatamente, justamente por se passar às vezes como algo subjetivo entre os profissionais do futebol. Para você o que é intensidade?

Olha, se fosse a uns anos atrás eu diria para você que nada mais é que você conseguir fazer o atleta trabalhar na sua performance máxima. Hoje eu já troquei esse pensamento. O máximo nesse caso você talvez não consiga extrair durante os nove meses de uma temporada bem feita. Eu diria que intensidade é você conseguir fazer com que o atleta trabalhe no ótimo da sua capacidade de execução. O ótimo seria o que ele pode fazer continuadamente. Isso implica em, por exemplo, quantos saltos ele consegue fazer próximos do seu limite sem comprometer as articulações e sem que isso demande um tempo longo para se recuperar. E isso pensando já para a próxima vez que ele seja submetido à mesma demanda. Resumindo, é tentar que o atleta trabalhe no maior tempo possível no seu ótimo da performance. Perto do máximo, mas nunca no máximo.

Em cima de tudo que vocês trabalharam e analisaram durante esta temporada, é justo dizer que o Palmeiras conseguiu trabalhar nesse nível ótimo de intensade o campeonato inteiro? Existe alguma queda neste sentido dentro de suas metragens no dia a dia?

Não tenho a menor dúvida que conseguimos manter um nível muito forte durante essa caminhada. E os números comprovam isso. No 1º turno e 2º turno a gente conseguiu manter o mesmo nível de performance física. Inclusive se você olhar gols marcados, gols feitos, momentos de fazer o gol, se você olhar a dinâmica nossa de jogo… Muitos dizem que o futebol ficou mais feio, mas depende da ótica. O que eu acredito é que fomos o tempo todo eficazes dentro da nossa proposta. Eu entendo que o Palmeiras conseguiu durante todo o ano performar na mesma regularidade. Justamente por sempre olharmos o indivíduo como único e trabalhar totalmente essa preparção individualizada dos atletas. Nesta temporada toda conseguimos diminuir muito o número de lesões do elenco.

Como todo esse trabalho individualizado é feito no Palmeiras?

Primeiro a gente pega o cara que acabou de chegar no clube, deixa ele sem treino durante dois dias e testa ele em diversas variáveis físicas. Estuda bem o atleta. Então passamos a ter esses números que chamamos de “de zero”, que é o momento inicial da curva dele do desenvolvimento. Todas as vezes que a gente medir o cara, vai ser sempre comparando com essa tomada inicial, de quando ele chegou. Com isso a gente pode dizer que ele aumentou a força, diminuiu a potência, ele engordou, aumentou massa muscular… Isso a gente faz sempre dele em comparação com ele mesmo. Nós nunca comparamos Zé Roberto com Gabriel Jesus, por exemplo. É Zé com Zé e de janeiro a dezembro. Foi uma das coisas que a gente conseguiu fazer bem em 2016. Quando nós iniciamos esse trabalho aqui em 2015, chegamos com 25 jogadores, cada um chegando de um lugar… Até a gente juntar toda essa informação, formar uma base de dados que nos permite saber quem é o Zé Roberto quando joga, quando treina, quanto tempo precisa para recuperar… Isso tudo levou um tempo. Muito jogador vem de realidades diferentes, alguns do Oriente Médio, outros da Ásia, Europa, terceira divisão… Então, essa história foi construída de 2015 para cá, para que agora conquistemos esses resultados. Essa individualização do trabalho começa desde a primeira pré-temporada, quando a gente pega o cara, fotografa ele internamente (recurso da Termografia, registro gráfico das temperaturas de diversos músculos que pode alertar com relação a riscos de lesão) e vê como ele é descansado e como reage às cargas de treinamento. E é isso que a gente vem monitorando dia a dia. Tendo boas respostas sobre a questão física do atlet, podemos ajudar a comissão técnica a tomar as melhores decisões durante a temporada.

E como fazer com que todo esse trabalho indivializado forme um coletivo forte?

Esse é o maior desafio do treinador e da comissão técnica. Fazer o atleta entender que ele é um indivíduo, mas que ele é uma célula dentro de um organismo maior. Fazer que ele consiga absorver aa importância dele para tal função dentro da situação de jogo. Aí que entra a gente, de prepará-lo da melhor maneira para ele entregar o que é esperado. Para gerar equilíbrio em suas ações. É sem dúvida a parte mais difícil de todo processo. É uma parte quase que invisível. A gente às vezes não consegue enxergar nitidamente algumas situações, tem muito da questão subjetiva.

Como é feito o planejamento semanal entre vocês da comissão técnica? O quanto é importante atualmente trabalhar os jogadores dentro da realidade do jogo?

Pra mim é imperativo se pautar na realidade do jogo. Por que, se você não fizer a distribuição de carga adequada, você corre o risco de colocar uma carga maior na terça-feira com um jogo no domingo. É bem provável que a descendente dessa curva coloque o atleta em uma situação de jogo praticamente destreinado. E se você coloca essa carga efetiva da semana na sexta, é provável que você chegue no jogo cansado, sem tempo hábil de recuperação para poder render o esperado. O ideal é visualizar a semana e conseguir distribuir tudo isso, que haja uma progressão do descanso para as cargas mais altas. Com isso o jogador chega na partida com o músculo pronto, com boa a reserva energética também. Esse é o grande segredo do trabalho.

Atualmente o Palmeiras tem ferramentas muito atualizadas para ajudar vocês em toda essa rotina de trabalho. Como quebrar essa resistência atualmente no Brasil? Como é o papel da diretoria dentro de tudo isso?

Essa resistência existe em vários lugares. Na verdade, todo trabalho que a gente faz, é uma cultura que precisa mudar no dirigente brasileiro. Aqui nós tivemos tudo isso muito bem assimilado pelos nossos dirigentes. Você não pode adquirir um equipamento para monitorar 10 ou 12 jogadores, por exemplo. É preciso fazer um monitoramento do elenco todo, inclusive dos meninos da base que vem treinar com a gente em vários momentos. Para ter um acompanhamento e um histórico desse garoto antes mesmo que ele suba. Para que você possa estabelecer o que cada um deles precisa. Como você vai individualizar um trabalho em um grupo de 30 se você só monitora 10? Vai se perder informações importantes de 20 jogadores. No entendimento de uma necessidade você acaba tendo grandes chances de errar com um desses caras que não estão dentro do acompanhamento. Então a nossa leitura hoje é que, qualquer recurso que você pensa em deixar à disposição para o grupo e monitoramento do treinamento, tem que ser usado em todo atleta que aqui entra para treinar.

Sabemos o quanto é necessário atualmente que todas as áreas do Departamento de Futebol conversem e se entendam dentro de uma metodologia de trabalho. Como fazer toda uma estrutura dessa funcionar?

É um grande desafio fazer tudo isso funcionar. Muito também por ter que lidar com vaidades. Por vários clubes onde passei e mesmo conversando com pessoas que fazem este trabalho em outros clubes, você escuta muita queixa: “Ah, o chefe do departamento médico. É tudo hermético, as informações são administradas por ele e ninguém tem acesso”, “A nutricionista não vê os dados da fisiologia”, “O fisiologista não vê as deficiências clínicas do atleta, os comprometimentos, as intercorrências…”. Aqui a gente já conseguiu fazer com que as pessoas tenham sim suas ambições profissionais e financeiras, mas que nunca atrapalhassem as ambições do grupo. A gente soma todas nossas ambições para conseguir resultados em prol do clube. Tivemos uma equipe transdisciplinar o tempo todo. A interdisciplinidade para mim está ultrapassada. O trabalho feito em feudo não tem mais espaço, embora ainda aconteça muito por aí, infelizmente. Tem clube disputando a Série A do Brasileiro que faz isso. Tem que acabar! Precisamos destruir essas paredes. Não digo as paredes físicas, mas sim as intelectuais. A minha informação é tão importante para mim quanto será para o fisiologista, a nutricionista, o preparador, o técnico… E o papel da gente é fazer com que essa informação se conecte a outras e que elas cheguem com velocidade nas mãos da comissão técnica, para que eles possam tomar as decisões.

Quando os resultados aparecem, o glamour cai muito em cima dos jogadores e treinadores, mas sabemos que um trabalho de sucesso no futebol tem muito mais gente envolvida. Qual a importância hoje de você ter um material humano qualificado nessa estrutura? E o quanto é importante esse profissional ter uma visão sistêmica de tudo, mesmo sendo especialista em uma área em si?

É fundamental. Só assim você diminui a questão da vaidade. Quando o cara percebe que a informação dele é prioridade e relevante, mas ao mesmo tempo também não é mais importante que a do outro colega, as coisas dão certo. E para isso é necessário entender um pouquinho do trabalho do outro para poder perceber que a informação dele não tem valor nenhum se não bem utilizada pelo restante dos profissionais. Acho que passa muito por isso. De você fazer com que todos tenham o entendimento de que o fígado precisa do cerébro, que precisa do intestino, que precisa da boca… A gente funciona assim. Cada um tem sua função a cumprir, mas tudo isso precisa ser orquestrado por um órgão que faça tudo funcionar para o bem do corpo. Aqui a gente tinha o Cuca, que era o cérebro do processo, e cada órgão desse é uma área cumprindo seu papel para fazer o todo funcionar.

Existe todo um planejamento nessa preparação em cima do modelo de jogo que o treinador quer colocar em prática?

Isso é de extrema importância. Esse trabalho passa inicialmente por entender o treinador. Agora está chegando o Eduardo Baptista. De início precisamos entender qual é o sistema de jogo que ele quer incorporar na equipe. Como ele gosta que os laterais se posicionem, até onde ele quer que o lateral agrida, até onde ele vai no campo para fazer isso… A partir disso, do modelo de jogo que ele pensa para ser trabalhado, a gente começa construir as demandas físicas que aquele atleta que vai ter que cumprir em determinada função. Não estou falando do titular ou do reserva. Quem cair para executar a determinada função, tem que estar preparado para isso. A gente vê muito isso nos trabalhos do Tite. E conseguimos colocar em prática aqui. Não importa quem entre em campo, o que se faz dentro dele é o que o treinador exercita e entende ser o melhor para o coletivo. Todo mundo viu que conseguimos fazer isso aqui durante a temporada. É muito necessário saber do treinador a função que ele quer que esse ou aquele execute. Você tem dois volantes, um mais agressivo e outro de mais saída, por exemplo. Nisso a gente vai demandar a carga de trabalho em cima das características do atleta e das suas obrigações em campo, fazendo isso com excelência.

Você tem algum exemplo mais claro de posições/funções que mudam muito de uma para outra nesse trabalho? E no que muda?

Bom, do Gabriel Jesus que vem buscar a jogada para entrar na área, para Barrios e Alecsandro, que jogam mais posicionados para finalizar. Existe uma grande diferença aí. Se o treinador entende que o Gabriel precisa recuar mais, ser o cara do primeiro combate lá na frente, nós temos que dar ao Gabriel no treinamento condições que ele faça idas e voltas sistemáticas a ponto de ele estar preparado para fazer isso em situações de jogo. Você tem volantes como Gabriel e Arouca, por exemplo. Um ocupa mais espaços, fica mais posicionado, e o outro agride mais e sai, como o Jean também. Então, dentro desse tipo de solicitação tática do treinador, nós temos que, rigorosamente nos treinos, estimular e preparar estes atletas para isso, exatamente o que ele vai precisar reproduzir dentro da situação de jogo. A nossa obrigação é mimetizar em treino a carga adequada para que ele realize em jogo tudo que for necessário em termos táticos que o técnico determinou.

Como se sente quando escuta aquela velha frase do “treino é treino e jogo é jogo”?

Cara, essa é uma frase que me incomoda muito quando eu escuto. Por que para mim o treino é jogo e vice-versa. Precisamos quebrar alguns tabus. Toda hora que alguém fala que o atleta está sem ritmo quer dizer que nós fomos incopententes em determinar o ritmo que o jogo exige. Então, se o atleta está sem ritmo, foi porque a comissão não foi capaz de gerar demandas físicas correspondentes com a do jogo. Aí falam: “Mas é o jogo que vai dar condição”. Mas ele acontece duas vezes por semana, às vezes até só uma… Aí você está roubado, cara. Se for um mês de quatro jogos, por exemplo. Você vai ter treinado 24 dias, ter jogado quatro com dois de folga… Então nesse grande período de treino você jogou tudo no lixo? Você não fez o que o jogo pede. Então alguma coisa está errada. Por isso a importância de se treinar dentro da realidade do jogo.

Durante a prospecção de atletas para contratar vocês fazem algum tipo de pesquisa? E como ajudar o treinador a moldar esse atleta que chegou para executar especificamente uma função em campo?

Uma parte já é feita pelo pessoal da Análise de Desempenho na prospecção do atleta. Já são direcionados para buscar perfis com características que o treinador pede e que o clube entende como ser importante para o momento. Isso já é garimpado dentro do processo. A única coisa que a gente ainda tem problema no Brasil é que quando você vai se basear em dados físicos. Você corre o risco de ter uma leitura equivocada por que outro profissional pode ter usado um tipo de protocolo ou equipamento que não tem grande validação, ou ter tido um procedimento diferente do que seria a sua rotina. Aí dizem que o cara é capaz de fazer algo aerobicamente, mas chega aqui para você e sua conclusão é que não é bem isso. A gente não tem no Brasil hoje, apesar de ser a escola de futebol mais vencedora do mundo, uma entidade que oriente os clubes a uniformizarem os protocolos de teste e uso de equipamentos para você falar a mesma língua. O cara vem do Santos para cá ou vai daqui para o Corinthians, por exemplo, e você diz assim: ele é um cara rápido apenas… Por que a gente não tem uma base de dados unificada no país. Isso é uma coisa que, na minha opinião, a CBF deveria fazer. Seria uma das responsabilidades dela. Não podemos exigir que o treinador monte uma equipe para uma partida específica apenas com dados colhidos na última semana. Ele precisa se basear em um histórico mais longo. Quem foi esse atleta nos últimos seis meses por onde ele passou? Quantas lesões ele teve? Qual o tipo de treinamento que ele recebeu?

Recentemente a gente enviou relatórios do Gabriel Jesus, Mina e Barrios, todos que serviram suas seleções. Foram dados da semana de trabalho para que o Fábio Mahseredjian, preparador físico da Seleção Brasileira, por exemplo, soubesse o que o atleta vem fazendo. Aí ele consegue entender o que dosar, contemplar dentro da maneira que a sua equipe vai jogar, em cima do que o Tite gosta que o Cuca não trabalha. Ou quando ele volta de lá, que vamos trabalhar e algo que o Cuca gosta não foi feito com o Tite. Esse fluxo de de informação ainda é muito precário no Brasil. Precisava ser mais valorizado pelas federações e entidades maiores para que a gente tivesse informação uniformizada para todo mundo. É inadimissível que o atleta chege para disputar um amistoso ou jogo de data Fifa e o médico saiba que ele vai ser vetado por algo que já poderia saber por essa base de dados dos clubse. Isso é algo que precisa ser melhorado.

Na Europa se fala muito de clubes trocarem informações, terem arquivos abertos para buscar dados de vários segmentos… O nível de compartilhamento de conhecimento no Brasil ainda é muito baixo?

Isso é surreal aqui no Brasil. Surreal! Você vê que acontece apenas em uma relação não institucional, feita muito mais na amizade, no respeito e consideração por outro profissional. O fluxo de informação da maneira que acontece na Europa não tem. A gente pensou aqui em colocar circuitos no estádio, que é bem caro, e você pudesse oferecer os dados também para o visitante. Você quer as métricas do jogo? Quer que chegue no seu vestiário? Dá para fazer tudo isso. Esquece… O clube não vai querer fazer. Não tem co-irmão nessas horas. O cara acha que informação é segredo de Estado. A informação está ali. Cada um usa da sua forma. Hoje, se você compra um livro de culinária de um dos maiores chefes de cozinha do mundo, você vai fazer a comida do mesmo jeito que ele? Claro que não! Ali tem um passo a passo, mas na hora de colocar um sal, controlar a chama… É outra história. A informação nesse caso não tem valor nenhum se você não criar uma rotina de construção de pensamento e de ação para que tudo isso se efetive. A gente não pode ter medo disso. Você não vai estar dando segredo para ninguém.

No início da nossa conversa você falou muito de não colocar carga a mais e nem a menos no atleta durante o treinamento. É muito por isso que o trabalho específico, tanto na questão física quanto na técnica, tem diminuído no dia a dia de clubes que treinam em alto nível?

Sim. Quando você precisa fazer um trabalho específico está mais aliado a prevenção de lesão. Algum seguimento que o atleta tenha um déficit funcional, como a parte da frente da coxa ser muito forte e a parte posterior mais fraca. Aí ele vem em um horário a parte para corrigir essa deficiência. Aí sim justifica trazer o cara em um contra-turno trabalhando aquele seguimento que foi muito exigido ou que recebeu uma carga menor e que vai criar desequlíbrio. Aí sim compensa trazer para um trabalho segmentar. Na questão do específico técnico, hoje também não se justifica. Temos que partir do pressuposto que o cara chega ao profissional com essas qualidades já trabalhadas. O passe, o drible… Tudo isso assimilado. No tempo de treino, o ideal é fazer o trabalho coletivo, de construção da equipe. Não se entende mais, no alto rendimento, você ter que trabalhar o cara para cabecear uma bola. Um cara de 23 anos no profissional. Se você tiver que trabalhar essa questão específica nessas condições, você vai perder um tempo que poderia estar ajustando a forma de jogar da sua equipe. O cara precisa chegar no alto nível já preparado. O grande segredo do voleibol bem sucedido do Brasil se dá por essa especialização de profissionais que trabalham com a base, entregando o atleta da modalidade tecnicamente pronto para atuar em alto nível pelo profissional.

E ao que você deve essa má formação?

A gente tem no futebol a cultura de colocar o ex-jogador ou alguém que o clube tenha algum tipo de gratidão por algo que ele fez trabalhando na base. Acabam entregando atletas com uma série de deficiências técnicas, que não há tempo hábil, com o calendário que temos, o tempo de treinamento, você ficar corringindo demandas individuais. Tem que chegar melhor preparado no grupo de cima, não tem jeito. Sei de clubes que fazem ótimos trabalhos de base, de construir um atleta mais completo. Mas hoje uma das coisas mais faladas em comissão técnica é quando você vê o atleta batendo na bola e dizer: “Esse cara tem formação no clube X”. “Não teve uma formação correta”… Porque você vê o cara com uma série de deficiências que ele não pode chegar até o profissional, não pode…

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