Enquanto você gritava “o campeão voltou”…

O São Paulo Futebol Clube está em decadência progressiva, sem sinais de ter encontrado o fundo do poço. E nenhum torcedor pode se dizer surpreso com isso. Mesmo com o padrão chapa-branca dos jornalistas que cobrem o clube, era perfeitamente possível perceber evidências de colapso administrativo ainda na década passada.

Ainda em 2008, ano do tricampeonato brasileiro, já havia os sintomas pré-falimentares dos métodos de Juvenal Juvêncio e discípulos. Estavam lá a tentativa frustrada de transformar o Botafogo no Goiás de 2004/2006. Também fracassou a ideia de pegar atletas problemáticos (Carlos Alberto, Fábio Santos) achando que se “converteriam” no ambiente vencedor do Morumbi. O título brasileiro veio como um fruto final dos acertos anteriores, mas logo os erros prevaleceriam com folga.

Em meio aos infortúnios pós-2008, a torcida não aparentou incômodo. Pelo contrário. Falava em “Jason”, “soberano” e “o campeão voltou” com uma ou duas vitórias. Mais que isso: o são-paulino virou um caçador de boas notícias, acusando de “corintianos” os questionadores. Muitos ainda pensarão isso do autor deste texto, que vai fazer o favor de relacionar tudo o que o torcedor tricolor perdeu enquanto bancava o bobo alegre.

1 – “reforços” absurdos – enquanto você cantava “o campeão voltou”, o São Paulo realizou dezenas (eu disse dezenas) de contratações que, desde logo, não tinham a menor chance de dar certo. Para ficar com cinco das mais intrigantes:

a – Saavedra – suposto lateral-direito chileno, que ganhou um reality show do Real Madrid para se tornar profissional e, via Juan Figger, passou um ano ganhando salário sem sequer treinar com o time principal. Não se tem notícia de que conseguiu jogar em algum lugar;

b – André Luiz – em 2010, a diretoria decidiu que precisava de um zagueiro “débil mental” e “com cara de Libertadores”. Ele veio quando sequer tinha condições de jogar a primeira fase da Libertadores, pois estava suspenso pela Conmebol. Quando a suspensão acabou, já estava negociado;

c – Rivaldo – um “tá fininho” de Rogério Ceni foi o bastante para o tricolor passar um ano com um ex-jogador em atividade;

d – Clemente Rodriguez – o lateral-esquerdo argentino estava encostado no Boca Juniors. No SPFC, foi expulso de cara e passou quase dois anos ganhando duzentos mil reais por mês para fazer academia em Cotia – por meio período;

e – Fabrício – volante que vivia se contundindo e indo para o banco em todos os times, contrariando a fama de promissor de quando surgiu no Corinthians. Continuou se contundindo e não saiu do banco.

2 – golpe estatutário – enquanto você cantava “o campeão voltou”, Juvenal Juvêncio resolveu ficar mais três anos no poder, com uma gambiarra no estatuto. Para tanto, realizou uma distribuição de favores. O desempenho do time foi tão secundário que a chapa amarela teve mais votos naquela eleição que em 2008, quando vinha de títulos. O torcedor não ligou, achando que o mau momento era só “uma fase”, que a ilegalidade era problema dos sócios e, afinal de contas, era o tempo em que se achava “puta coisa chata esse negócio de ética”.

3 – um clube de massa, porém de poucos – enquanto você cantava “o campeão voltou”, o São Paulo ficou nas mãos de uma turma de amigos, alguns ganhando dinheiro às custas do clube (comissões ou honorários por serviços sem concorrência) e outros comprando seu espaço – caso do atual diretor de futebol. Chegamos a ter um diretor, também de futebol, viajando para correr de Porsche na Europa em dia de jogo pela Libertadores.

4 – um clube vendendo o almoço para comprar a janta – enquanto você cantava “o campeão voltou”, o tricolor da turma de amigos perdeu patrocínios e torrou o dinheiro das vendas de jogadores em comissões e reforços duvidosos. No lugar de reorganizar a casa, insiste em novas investidas “ambiciosas” que o obrigam a vender meio time, como acontece agora.

5 – os anos da marmota – enquanto você cantava “o campeão voltou”, o São Paulo reeditava a mesma sequência de esperanças e frustrações. Muda o meio da história, mas o início e o fim são invariáveis. O torcedor também faz parte desta comédia anos 80. Mal acaba um ano fracassado e já está procurando notícias de contratações, fazendo questão de acreditar nas “boas referências” trazidas por jornalistas e blogueiros especializados em transformar bolovo vencido em coxinha com catupiry.

6 – a tropa de choque – enquanto você cantava “o campeão voltou”, a torcida organizada TTI conseguiu vantagens alternando alianças convenientes (como na eleição de Carlos Miguel Aidar) com outras na base da intimidação (admitida pelo infame Leco). Você paga seu plano de Sócio Torcedor e quem vai ao jogo de graça são eles.

7 – recorrendo a fantasias – enquanto você cantava “o campeão voltou”, também se animou com retornos de ícones do passado, achando que com eles os tempos de glória voltariam junto. Lugano seria o líder que botaria “os vagabundos pra correr”. Marco Aurélio Cunha (cuja fama de grande dirigente vem de provocações de boteco contra corintianos) ia solucionar os problemas de ambiente em questão de dias. Por fim, a apelação maior de Rogério Ceni como técnico. Até ele sabia estar despreparado, tanto que exigiu multa de cinco milhões mesmo com aproveitamento pífio. Uma previsão do próprio fracasso. Nenhuma das fantasias adiantou. Só custaram mais dinheiro e frustrações.

O que você, são-paulino, pode fazer? Primeira coisa: parar de cantar “o campeão voltou”. Segunda coisa: entender que crítica não é traição ou “modinha”. Terceira coisa: não ficar recorrendo a jornalistas ou blogueiros de boas notícias, porque são eles, não o clube, que estão ganhando com este otimismo forçado. Julgue a credibilidade de alguém pela coerência do que fala, não porque abre os textos falando “nação do maior do mundo” ou defende um ídolo contra tudo e contra todos. Enquanto você não fizer isso, ninguém terá motivos para mudar este roteiro da marmota. Você cantará “o campeão voltou”, pedirá “raça”, vibrará com contratações duvidosas, cantará “o campeão voltou”, pedirá “raça”…

Gustavo Fernandes