A história entre Dorival Junior e Santos poderia ter sido facilmente escrita por Woody Allen. O relacionamento recomeçou baseado numa enorme desconfiança, mas que foi frutífero antes de azedar. O término foi muito mais complexo do que aqueles que não viveram esse romance podem imaginar.

O time de Dorival Junior, em 2015, quando pegou o Santos no Z4 e quase levou ao G4, era Vanderlei; Victor Ferraz, Gustavo Henrique, David Braz e Zeca; Renato, Thiago Maia e Lucas Lima; Geuvânio (Marquinhos Gabriel), Gabigol e Ricardo Oliveira, um puríssimo 4-3-3. Ele adotou o contra-ataque como principal filosofia de jogo e a marcação pressão nos zagueiros adversários.

O Santos marcava muito bem, apesar da presença de Victor Ferraz e David Braz, e tinha uma saída de bola eletrizante, especialmente pela grande fase de Lucas Lima, que era o responsável direto pela ligação entre defesa e ataque. Thiago Maia era uma peça muito importante no meio-campo, mais até do que o Renato, pois ele é capaz de fazer o famigerado “box-to-box”, o que permitiu dar mais segurança e proteção ao camisa 8 e aos zagueiros.

Os dois extremos, Geuvânio e Gabigol, eram as válvulas de escape da equipe. Geuvânio tinha a velocidade. E só. Gabigol, além da velocidade, tinha a técnica e QI de futebol. Quando Geuvânio machucou, Dorival colocou Marquinhos Gabriel, que é mais técnico do que o antigo dono da ponta-esquerda, e o time ficou ainda mais letal. Geuvânio alternava entre altos e baixos com uma frequência absurda, além de errar muitos contra-ataques. Com um meio-campo forte e com dois extremos rápidos, o trabalho de Ricardo Oliveira era “mínimo”, que só precisava botar a bola pra dentro.

A perda da Copa do Brasil foi um baque muito grande para o torcedor santista, que pegou bode do treinador ‘que abriu mão do G4 muito cedo’. Caso ele não tivesse que fazer essa escolha, muito por conta da burrice do presidente em pedir para mudar a data da final, a história poderia ter sido outra. No entanto, o primeiro risco na relação com o torcedor tinha acabado de acontecer.

Muita gente não sabe, mas Dorival Junior começou 2016 sob uma pressão muito grande. Uma boa parcela dos torcedores o apoiava, enquanto uma minoria, que foi ganhando muita massa com o tempo, era contra.

Nesse período, o jogador mais importante do elenco santista já não era exatamente o Lucas Lima, mas sim Gabigol. Pouco era falado sobre sua grande contribuição no “jogo invisível” do Dorival. Ele atacava, marcava, trocava de lado constantemente e ainda ajudava o Ricardo Oliveira. Com Vitor Bueno em forma, e com vontade, o Peixe não sentiu as saídas de Geuvânio e Marquinhos Gabriel.

A saída do Gabriel, após as Olimpíadas, foi um verdadeiro baque. O Santos não só perdeu um jogador habilidoso com a bola nos pés como perdeu um dos jogadores mais táticos do elenco. Copete, por mais que seja eficiente e se doe em campo, não tem a mesma técnica que o Gabigol. Nesse período, Vitor Bueno, que encantava os olhos do torcedor, estava decaindo aos poucos. Pode piorar? Pode. Lucas Lima passou por problemas particulares sérios, que interferiram diretamente em seu jogo.

Outra diferença de um time para o outro foi a inclusão do Luiz Felipe, que é muito melhor que o David Braz. Aos trancos e barrancos, e sem banco, o Dorival conseguiu levar o Santos ao vice-campeonato. Até esse ponto, Dorival é completamente defensável, apesar de a corneta ser muito grande.

Em 2017, tudo foi pelos ares. A filosofia de jogo de 2015 não existia mais, pois Dorival queria de qualquer jeito que o Santos valorizasse a posse de bola. Porém, os jogadores que ele escolheu não eram capazes disso. A relação com o elenco se desgastou ao ponto dos medalhões tomarem conta de tudo. David Braz, Victor Ferraz e Ricardo Oliveira afundavam a equipe com a confiança do treinador.

As contratações que Dorival pediu também não faziam o mínimo sentido. O Santos trouxe Cléber, que está até hoje parado por contusão, e Leandro Donizete porque o treinador quis. Aliás, o volante veterano fechou por 3 anos e com um salário alto para quem seria apenas um reserva. Criou-se um clima ainda pior pelo fato do jogador ter o mesmo empresário do treinador.

Era praticamente um consenso de que o Santos estava muito mal internamente (Vecchio e Noguera eram inimigos do treinador) e que isso refletia no campo. A irritante insistência do Dorival com jogadores fracos como Rafael Longuine, Thiago Ribeiro e Yuri, sendo que ele tinha opções melhores (Cittadini, Kayke, Arthur Gomes e Hernández) perdurava.

Até a interpretação do Guardiolismo que salvou o Santos em 2016 mudou. O Santos não tinha progressão, era recuo de bola até alguém quebrar ela no ataque. E não se via no treinador a vontade de mudar as coisas, pois em toda coletiva ele falava que o clube estava “bem”. Era claro que não estava. Como um time que tem treinos tão modernos e produtivos durante a semana, na hora do jogo, fazia aquele show de horrores?

Ele pegou uma situação caótica, reverteu, lutou contra vários problemas e depois na hora de colocar o lacinho bonito, ele foi engolido por um elenco mimado e rachado. Qualquer menção de mudança seria abraçada pelo torcedor, mas ele não fez.

O Santos tem outros enormes problemas? Tem. Dorival era a pontinha do iceberg? Era. O treinador quis mudar? Não.

Eu vejo a situação do São Paulo idêntica à do Santos. São duas equipes com péssimo planejamento e diretorias horripilantes. Dorival não teve o respaldo necessário no Santos, algo que ele vai precisar ter no Tricolor.

Os treinos modernos (aquecimento sempre com a bola, campo reduzido, jogadores em desvantagem numérica, saída de bola, dois toques etc), as ideias e a pessoa Dorival são incontestáveis. Isso vai deixar muita saudade no Santos e deve servir de muita valia ao rival. O torcedor pode esperar uma equipe ofensiva, que adotará o 4-3-3 e que, dependendo da visão, vai ter duas opções como filosofia: posse ou contra-ataque. Como vocês podem ver, o contra-ataque deu certo num momento crítico, mas a posse acabou dando errado porque o treinador preferiu morrer abraçado com os medalhões. Outro detalhe: o Santos, assim como o São Paulo, era um time de um tempo só. Ou seja, jogava bem o 1º tempo e morria no 2º.

Dorival gosta de profundidade. De jogadores como Marcinho, Wellington Nem e Maicosuel, mas cobra a interiorização dos laterais. Era comum Ferraz e Zeca atuarem como meias durante o jogo. Alguns jogadores vão precisar se adequar a isso. No meio-campo, a tendência é dar liberdade criativa a Cueva, tal qual ele fazia com Lucas Lima, mas sem utilizar volantes brucutus. Jucilei pode ser a prima-dona de Dorival.

Vai ser necessário ter muita paciência, pois Dorival tem os seus vícios (demora muito para substituir e não abre mão do jogador, mesmo que ele esteja – seja – ruim), além de ser muito paizão (por isso é engolido facilmente pelos medalhões). Porém, se tiver respaldo, pode ser um treinador histórico para o São Paulo. Como ele poderia ter sido no Santos.

Caio César Nascimento é jornalista e escreve para o Santista Roxo