O 7 a 1 mudou muita coisa. Queiramos ou não admitir, demos alguns passos importantes no futebol brasileiro. Rotular aquela atuação como vexatória não se dá apenas pelo resultado, mas pelo fato de estarmos, naquele 8 de julho de 2014, praticando um esporte totalmente diferente do apresentado pela Alemanha e outras seleções durante a Copa do Mundo. Definitivamente, foi o fundo do poço. Ali foi escancarado o quanto atrasados estávamos dentro do que se era feito aqui e no restante do mundo com relação ao esporte.

O histórico revés abriu muitos olhos. A discussão sobre pensar mais e melhor o futebol, seja entre treinadores, imprensa ou mesmo torcedores, ganhou novos ares. Claro que ainda se ouve, se assiste e se observa muitos absurdos. Ainda temos uma longa estrada pela frente e, infelizmente, não foram todos os olhos que se abriram. Mas a grande prova dessa preocupação nos últimos tempos são os vários debates sobre os esquemas táticos. “Mas o 4-1-4-1 é bom”, “melhor mudar para o 3-5-2”, “porque esse treinador insiste nesse esquema”…

Em vários momentos é possível presenciar esse tipo de discussão. Mas, enfim, o esquema tático é tão relevante assim no futebol?

Sim e não. A plataforma de jogo é, nada mais nada menos, que a referência posicional de onde cada jogador deve se posicionar. Se isso tem alguma importância? Claro. Mas, definitivamente, não é o mais importante para o funcionamento de uma equipe. É somente um braço de todo um organismo vivo, dentro do contexto caótico que é uma partida de futebol. De fato temos dado uma relevância muito maior do que deveríamos para este tipo de discussão, muitas vezes até acaloradas (acima o Borussia Dortdmundo de Thomas Tuchel).

Como uma peça dentro de uma grande engrenagem, que deve estar posicionada no local e da maneira correta, o jogador tem também tem suas funções dentro de todo este conjunto de grande complexidade (veja o vídeo abaixo). Ficar parado ali, onde foi treinado, não vai adiantar muita coisa. Essas são chamadas as funções individuais, mais importantes que a posição em si – como já abordado aqui no blog. Elas se e dão razão ao próximo passo para o bom funcionamento de uma equipe: os comportamentos coletivos.

Escolher um esquema tático é mais uma tarefa no grande processo que é montar um time de futebol. Para tomar essa decisão, antes de tudo, é necessário definir o tipo de futebol que você quer praticar. E isso está totalmente ligado às características dos jogadores que você tem em mãos, que está relacionado ao o sistema de jogo, que está ligado à forma que você treina… Como uma roda viva, um ciclo.

Mais importante que esta plataforma de números, o tipo de jogo que você quer desenvolver é o norte de qualquer trabalho. Isso é chamado de modelo de jogo. Ele é, acima de tudo, um mantra, o rumo dentro de todo um planejamento bem sucedido: modelo de jogo, características dos atletas, esquema tático e treinamento… E assim sucessivamente.

Explicar e entender o modelo de jogo não é uma missão tão simples. Ele está totalmente ligado aos momentos do jogo. De acordo com a literatura portuguesa, uma das mais avançadas e importantes do futebol, o jogo pode ser dividido em cinco partes: momento ofensivo (quando você está instalado e posicionado em campo para atacar), transição defensiva (ações tomadas após à perda da posse), momento defensivo (quando você está instalado e posicionado para defender), transição ofensiva (ações tomadas após à recuperação da bola) e bolas paradas (escanteios, faltas e laterais, sejam eles contra ou a favor). Esta é apenas uma divisão que ajuda entender o todo.

Então fica claro que o seu modelo de jogo está muito direcionado às suas formas de reagir a cada fragmento de uma partida de futebol. Quando eu tenho a bola: eu procuro um jogo vertical? Ou mais paciente e apoiado? Como eu abro o campo? Como gero profundidade? Quais são os setores que vou fazer superioridade numérica? E quando eu perco essa posse: pressiono imediatamente ou transito minha equipe o mais rápido possível para atrás da linha da bola? E quando a recupero? Mantenho o controle com passes mais curtos ou arrisco um jogo mais direto?

Todas essas são perguntas fundamentais na construção de uma equipe e que precisam ser respondidas independentemente do esquema tático que você está usando.

Ou seja, você pode ser uma equipe reativa, que defende atrás da linha da bola e que utiliza passes mais diretos no 4-4-2, no 4-2-3-1, no 5-4-1… Não importa o sistema, e sim o que você faz com a bola e sem ela dentro destes momentos do jogo. Essas ideias, que nada mais são que as frações de toda essa causa, dão razão e funcionamento a um modelo de jogo bem executado.

Agora pense nisso tudo abordado acima dentro de um ambiente de 11 contra 11. De comissões técnicas, diretorias, reservas, famílias, diferentes culturas… Por isso o futebol é um esporte tão caótico e ao mesmo tempo apaixonante. Simplesmente porque é humano. Não é apenas tático, técnico e físico. E fazer esse todo funcionar, com todos esses quesitos diretamente ligados ao desempenho individual e coletivo de uma equipe, não é uma tarefa das mais fáceis, ainda mais se levarmos em conta que os treinadores quase não têm tempo para desenvolver trabalhos aqui no Brasil.

Por isso cada tomada de decisão é decisiva dentro de todo este processo. Escolhas normalmente resolvem e criam problemas. Muitas vezes não existe certo e errado dentro de uma discussão dessas. Existem, simplesmente, escolhas. E a capacidade de resolver e neutralizar estes problemas ao longo de um trabalho é que fazem de um treinador alguém vitorioso.

Enquanto isso é cada vez mais necessário enxergarmos o futebol como algo sistêmico e em constante mutação, com vários elementos entrelaçados e que precisam caminhar juntos em um trilho só. No fim, futebol é simples e não é ao mesmo tempo. E entendê-lo melhor só nos faz gostar ainda mais dele.

ESPN