Após um longo período sendo exemplo em planejamento e acostumado a ganhar títulos, o São Paulo vive um  momento pouco satisfatório. Após a sua ultima conquista, em 2012 (Copa Sul-Americana), o tricolor paulista busca identidade pra voltar aos seus tempos de glória. Em 2017 o torcedor vê sua maior esperança em um ídolo que outrora comandava o time com a faixa de capitão e agora o comanda do banco de reservas, como técnico. Com Ceni vieram as novidades que dão o ar de vanguarda ao São Paulo novamente. Além de suas idéias e experiências adquiridas no período que estudou na Europa, vieram os assistentes Michael Beale (auxiliar técnico) e o Charles Hembert (supervisor técnico), ambos estrangeiros e com vasto conhecimento.

O primeiro deles despertou a curiosidade dos torcedores são paulinos. O inglês se destaca por mostrar grande entendimento do esporte bretão, autor de nove livros sobre métodos de treinamento, detentor da licença A da Uefa e 15 anos de experiência entre a base do Chelsea e Liverpool, Michael tem todas ferramentas para auxiliar Rogério Ceni a trazer o que há de melhor do futebol tático europeu. Batemos um papo sobre sua vinda ao Brasil e seus planos no São Paulo. Confira:

1. Quais foram os fatores determinantes que te motivaram a vir ao Brasil e como foi a sua conversa com o Rogério Ceni? Como ele te convenceu?

Eu acredito que seja uma grande oportunidade a experiência de viver e aprender uma cultura diferente. Eu tenho uma longa experiência na Europa e sempre trabalhei com jogadores de toda parte da América do Sul e Europa, mas meu sonho era ter um desafio fora da Inglaterra e essa jornada de vir ao Brasil é fantástica pra mim. Rogério tem mostrado muita fé em mim e não precisou me convencer, bastava apenas que eu acreditasse no trabalho que ele estava me pedindo pra fazer. Foi um processo calmo e simples.

Nós conversamos muito sobre o clube, sobre suas ideias e como eu ia ajudar. Nós temos uma ideia muito clara sobre como iremos trabalhar, começa com o treinamento diário e como administramos o grupo. Entendemos que demanda tempo pra implementar tudo – mas trabalhamos todo dia pra tornar esse projeto em algo real.

2. Antes de aceitar a proposta provavelmente você estudou sobre o time, quais foram as suas primeiras impressões? Você já conhecia o São Paulo?

Sou uma pessoa que vive futebol, então obviamente conhecia bastante sobre o São Paulo e sua história antes de vir ao Brasil. Quando eu vim em novembro, foi muito importante visitar a Barra Funda, Cotia e o Morumbi pra ver a estrutura e me sentir no clube. A primeira impressão foi muito boa, o clube tem uma grande estrutura, a gentileza das pessoas aqui também foi algo que me cativou. A negociação de salário e contrato durou menos que dez minutos, fiquei muito feliz com a oferta feita. Essa foi uma decisão feita principalmente pelo desenvolvimento no futebol e o dinheiro não foi determinante. Não sou uma pessoa que prioriza dinheiro, me preocupo mais com a realização das minhas ambições.

3. Ouviu muito falar do Mundial Interclubes de 2005 contra o Liverpool? 

Eles me falam disso todo dia! (risos) Foi contra o Liverpool, então é esperado. Foi uma vitória fantástica pro clube, ser campeão mundial pela terceira vez. Mas enfim, eu sou torcedor do Chelsea, esse é o time do meu pai e do meu avô, logo o Chelsea acaba sendo o time da família. Tenho um grande carinho pelo Liverpool e pelo São Paulo por ter o privilégio de representar esses clubes na minha carreira.

4. A sua vinda e o tempo que Ceni passou no Liverpool criou um laço do São Paulo com o clube inglês? É possível um intercâmbio de base ou algo do tipo?

Não. O tempo que eu passei com o Rogério no Liverpool foi somente pra compartilhar ideias e criar um uma conexão entre nós. Nosso pensamento muito parecido sobre futebol acabou criando um laço quase instantâneo. Eu acho que ambos clubes são icônicos no mundo do futebol e essa ligação não é necessária, claro, a equipe do Liverpool ficou curiosa com o meu trabalho aqui e a equipe do São Paulo quer saber como funciona o futebol lá.

5. Muito se fala dos esquemas táticos antiquados que se usa no futebol brasileiro. Como você vê o estilo de jogo utilizado aqui em comparação com o da Europa? Estamos realmente muito atrás ou há um certo exagero?

Futebol é um jogo simples que as vezes os técnicos deixam muito complicado!

Eu só consigo falar pela experiência que estou tendo no São Paulo, onde nossa comissão está trabalhando de uma maneira muito semelhante com as esquipes do Chelsea e Liverpool. O jeito brasileiro sempre foi único, um presente pro mundo do futebol, os jogadores mais icônicos do mundo vieram do Brasil. Porém, com tantos jogadores deixando o país pra jogar pelo mundo é natural que o campeonato deixe de ser forte como foi anos atrás.

O que eu posso te dizer é que o futebol é Brasil e o Brasil é o futebol. Qualquer criança no mundo ama ver a Copa do Mundo pra ver o Brasil jogar. Se está atrás da Europa? Não – mas talvez tenha uma necessidade de reestruturar como os clubes são administrados. Eu acredito que pode se aprender muito dos outros países nessa área e essa área é fundamental ao clube.

6. Sabemos que você gosta de um futebol compacto e moderno, tal qual a maioria dos europeus usam atualmente. Qual o seu esquema tático preferido e qual você vê se encaixando bem no São Paulo? O 3-4-3 é o esquema do momento?

O mais importante é ter princípios claros de como você quer jogar a partida. Como você gosta de defender, como você gosta de controlar o espaço do campo e como você prefere atacar. Isso é mais importante que a formação. A formação é baseada nos jogadores disponíveis que você tem pra cada jogo. Mas é bom ser flexível no sistema tático usado, mudando a formação quando ataca e quando defende. Eu gosto de olhar pro jogo em pequenos momentos de confrontos individuais (1×1, 2×2 e 3×3) e como os jogadores podem fazer boas decisões nessas situações. O jogo é mais jogado dessa maneira do que o próprio 11×11.

7. É muito comentado entre os jogadores nas entrevistas que os treinos sempre são diferentes e isso é visto com empolgação. Como você e toda comissão organizam os treinos para ter toda essa variedade? E qual a metodologia pra aplicar isso no campo? 

Nós passamos muito tempo (eu e o Rogério) discutindo sobre o treino e como tudo está conectado com a nossa visão geral para o São Paulo, todos treinos são feitos com essa visão. Todo dia trabalhamos para melhorar o jogador de maneira individual e o grupo. Mas também com a intenção de fazer os jogadores gostarem de vir ao trabalho a cada dia e deixá-los com a sensação de aprendizagem.

8. Foi visto em seu perfil do Twitter uma publicação de elogio ao Wesley, a diretoria inclusive já elogiou ele anteriormente por seu comprometimento, porém, a relação com a torcida é uma das piores. O que faz você achar que Wesley é um jogador fantástico (como citou no Twitter)? E o que o deixa longe de demonstrar em campo o porquê recebe tantos elogios e chances pela comissão? 

Eu prefiro deixar essa situação para o passado. Isso não é algo que a comissão, Wesley ou os torcedores precisam discutir agora. Nós todos trabalhamos para o mesmo objetivo, tentar e fazer o São Paulo ter sucesso.

9. Das ideias que você exercia como treinador pelo sub-23 do Liverpool, quais já você conseguiu trazer para o São Paulo e foram praticadas e quais são as maiores barreiras que você vê no caminho dessa transformação ideal? 

Eu trago algumas ideias de como devemos jogar, mas o Rogério é 100% o técnico do time e eu sou o assistente. Então eu ajudo com ideias junto ao Pintado e o Rogério faz a melhor decisão para o time. É um processo natural e estamos felizes de fazer parte disso. A maior dificuldade em curto prazo é melhorar algumas áreas da equipe e ter certeza que preparamos nossos meninos da base bem, pra que no futuro possam se tornar estrelas no São Paulo. Trabalhar pra integrar esses meninos de Cotia até a Barra Funda é uma grande inspiração pra mim e pro Rogério.

10. Você já escreveu nove livros sobre metodologia de treinos e formas de jogo, o que te motivou a escrever esses livros?  

Eu sou fascinado pelo desenvolvimento de técnicos e o compartilhamento de ideias. O primeiro livro foi lançado em 2007 e o último foi em 2014 –  essas são as minhas ideias pelos anos que se passaram, e eu planejo escrever novos livros sobre desenvolvimento de jogadores e desenvolvimento de times nos próximos meses.

11. Com a experiência de 15 anos entre a base de dois gigantes ingleses e agora vindo para o Brasil em busca de aplicar as suas ideias e métodos, daqui um tempo você almeja exercer o cargo de técnico? Qual o técnico que lhe inspiraria? 

Sim, tenho o sonho de um dia ser técnico, mas não sabemos aonde essa vida nos leva. Meu objetivo é aprender um segundo idioma e ter sucesso fora da Inglaterra nos próximos cinco anos. Eu também quero dar aos meus dois filhos a chance de aprender outra língua enquanto são jovens. Então provavelmente terei meus 40 anos, esse será o momento de iniciar minha jornada como técnico.
Eu me inspiro em vários técnicos. No Chelsea eu tive a sorte de ver Ranieri, Mourinho, Scolari, Huiddinck, Ancellotti, Villas Boas, Di Matteo… todos de perto, e no Liverpool vi Rodgers e Klopp.

Tenho meu próprio estilo e tenho muita confiança nas minhas próprias ideias pra ser bem sucedido no futuro. Eu farei minha própria caminhada um dia. O técnico que eu mais admiro é o Ancelloti – ele é um ótimo administrador de pessoas. Eu também adoro o Conte e o Sampaoli.

12. Mesmo sendo novato na função, Rogério Ceni demonstra confiança e um planejamento muito elaborado pro seu projeto, você o vê pronto? Pelo que você tem acompanhado, ele lembra qual técnico em seu estilo de jogo?

Rogério não é um ex-jogador que do nada teve vontade de treinar uma equipe, ele é um cara que estudou sobre a função e fez cada etapa necessária pra que se sentisse seguro de que estava pronto. Ele não aceitaria o trabalho no São Paulo sem a certeza de estar pronto para ajudar e melhorar o clube. Esse time é a sua vida e ele só quer o melhor para o São Paulo. Mas nenhum técnico é um milagreiro, é importante que o clube contrate os jogadores certos e que a comissão tenha suporte do time para que as coisas deem certo. Uma pessoa consegue fazer várias coisas, mas o resto precisa estar em ordem. Ele é um técnico que ama aprender sobre o jogo e treinamentos. Todo dia temos conversas fantásticas sobre futebol, nós compartilhamos dessa paixão.

13. Depois que você saiu do sub-23 do Liverpool, quem assumiu foi simplesmente um dos maiores ídolos dos Reds, o Gerrard. O que você acha dessa escolha e qual foi o técnico do time de Liverpool que você mais gostou?

Gerrard virou técnico da base, mas não do sub-23. Minha vaga foi preenchida pelo assistente Mike Garrity. Ele voltar ao Liverpool foi uma ótima decisão, esse processo começou antes de eu vir ao São Paulo, seria legal ter a oportunidade de trabalhar com ele. O Liverpool tem excelentes treinadores na base, Inglethorpe, Lijnders, Garrity e Critchley. Eles têm uma programação na base que é uma das referências na Europa toda.

14. Visto que o João Schimidt está de saída do São Paulo, quem seria o responsável no elenco atual pra fazer o papel da saída de bola com qualidade? O São Paulo ainda procura um volante do estilo dele no mercado?

João ainda é um jogador do São Paulo e tem muita qualidade pra trazer ao nosso time. Ele treina muito bem todos os dias e eu gosto do seu estilo e profissionalismo. Ele é um jogador que eu tinha conhecimento antes de vir ao São Paulo. Nós estamos tentando melhorar cada posição da equipe e se tudo der certo iremos mostrar essas adições em breve.

15. É conhecida sua influência nos treinos e no auxílio tático ao Rogério, mas além disso, qual o ponto que tem mais a sua contribuição no São Paulo atualmente?

Eu acho que dou ideias para treinarmos de maneira dinâmica e criativa. Eu e o Pintado damos a nossa opinião pro Rogério e trabalhamos com toda equipe médica, física e analítica para planejar cada momento com os jogadores. Eu queria mencionar o meu ótimo relacionamento com Pintado, no qual se tornou um grande amigo nesse curto período de tempo, também sou muito grato ao Charles, que me ajuda no português quando eu não consigo entender algumas coisas durante as atividades, mas estou melhorando a cada dia nesse aspecto.

16. Enfim, com essas mudanças, o que podemos esperar do São Paulo 2017?

É muito cedo pra prever algo, mas saibam que estamos trabalhando duro para que o clube todo esteja com o mesmo pensamento, o pensamento que vai ajudar o São Paulo a retornar pro topo do futebol Brasileiro. Não é um trabalho fácil, mas não aceitaríamos esse desafio se não acreditássemos nesse projeto. O que é mais importante? Que todas decisões sejam feitas de maneira coletiva, todos juntos.

Após isso teremos chance de competir com Palmeiras e Santos, no qual eu acredito que são os times a serem batidos no momento.

Entrevista feita por Hugo Duarte, Blog 4-3-3