A venda de David Neres para o Ajax-HOL, sacramentada nesta última segunda-feira, levantou um debate bastante interessante: por que os europeus levam tantos jogadores do mercado brasileiro que ainda nem se firmaram pela equipe principal de seus clubes formadores? O caso do agora ex-são-paulino, que disputou apenas oito partidas no time de cima, é um grande exemplo e prova do quanto o trabalho de prospecção no Velho Continente está anos luz à nossa frente.

A grande questão quando abordamos este assunto é entender que a Europa conhece a fundo nossos jovens promissores com raros detalhes técnicos, físicos, táticos e psicológicos. E isso antes mesmo de eles brilharem em uma Copa São Paulo ou subir para o time profissional.

Em vários casos a opinião pública acaba nem conhecendo estes jogadores que migram para fora do país e acabam estourando para o cenário mundial em outros mercados. Hulk (Shanghai SIPG-CHN), Filipe Luis (Atlético de Madrid-ESP) e Luiz Gustavo (Wolfsburg-ALE) são alguns casos mais conhecidos.

Quem acompanha in loco torneios de categorias como Sub-15 e Sub-17, por exemplo, tem uma noção ainda maior dessa realidade. Muitas vezes atuando em estádios praticamente vazios, estes garotos tem nas arquibancadas espectadores do mundo inteiro. E não precisa ser um clube europeu de primeira linha para fazer esse trabalho com excelência. Equipes medianas apostam neste tipo de ofício e muitas vezes nem necessita enviar alguém de seu próprio país para acompanhar de perto alguma promessa. Em vários casos são brasileiros contratados que fazem esse monitoramento e municiam seus empregadores de informações até se chegar ao consenso geral para uma negociação.

No caso de Neres, apesar da alta quantia (50 milhões de reais), alguns aspectos até fazem sentido. Na hora de se avaliar um valor justo por jogadores ainda Sub-20 vários os fatores que entram em questão: posição/função, qualidades naturais a serem potencializadas, limitações e o quão difíceis elas são de serem corrigidas, relação com a bola, histórico de comportamento, valores físicos, táticos…

Muitas vezes é até mais vantajoso buscar esse atleta antes mesmo de sua maturação plena, como é o caso de Neres. Com isso se reduz valores a investir e, principalmente, se trabalha a sua evolução dentro de suas necessidades, modelo de jogo e dentro da cultura do próprio clube.

Com Neres parece clara a ideia dos holandeses, que viram um grande potencial no jovem de 19 anos. Força aliada à velocidade, agilidade e refinamento técnico para o acabamento das jogadas. Tudo que se pede em um extremo (ponta/beirada) de primeiro nível no futebol mundial. Um dos centros mais ricos conceitualmente do futebol, a Holanda tem tudo para desenvolver o brasileiro e vendê-lo daqui três ou quatro temporadas por valores ainda maiores. Retorno técnico e financeiro. Tudo isso certamente foi estudado detalhadamente antes da aposta, que certamente nunca é garantida.

Esperar uma afirmação maior jogando entre os profissionais poderia custar ao Ajax concorrências de muito maior poderio daqui um ou dois anos. Gabriel Jesus, vendido ao Manchester City, é um grande exemplo neste sentido. Cabe a você arriscar antes ou perder depois. Para isso o trabalho feito nesta prospecção é decisivo na tomada de decisão destes clubes menores ou de mercados menos significativos financeiramente.

Philipe Coutinho e Marquinhos, crias das bases de Vasco e Corinthians, respectivamente, são outros exemplos de atletas que não tiveram grande destaque como profissionais por aqui e viraram nomes de muita cobiça na Europa. Aliás, é até normal na trajetória destes jovens mais promissores receber contatos de grandes equipes desde muito cedo. Empresários e familiares entram em todo esse balaio. Alguns chegam até passar por períodos de treinamentos por lá, mesmo tendo vínculo com grandes equipes brasileiras.

Um caso diferente, mas que prova o quanto os europeus levam em conta muito mais o histórico do atleta e seu potencial do que seu desempenho inicial na equipe profissional é Rodrigo Caio. Também formado em Cotia, o zagueiro demorou um bom tempo para ter sua maturação e se estabelecer no time principal. Colecionou partidas ruins no início, trocou diversas vezes de posição (atuou como volante e também lateral-direito) e só de algumas temporadas para cá se firmou como o grande jogador que prometia ser. Mesmo sem ser unanimidade para treinadores e torcida, neste período de transição da base para o profissional, o são-paulino recebeu diversas sondagens e algumas propostas europeias. Valência, Atlético de Madrid, Lazio… Todos mostravam confiança que, cedo ou tarde, teriam em mãos um jogador que chegaria a um alto nível de performance.

No Brasil ainda engatinhamos neste sentido. Claro que houve uma grande evolução se olharmos para 10 anos atrás, mas ainda não chegamos ao estágio de descobrir argentinos, colombianos, equatorianos ou outros jovens de países vizinhos antes mesmo deles estourarem.

Normalmente só avançamos para estes tipos de contratações com elas já firmadas nos clubes que estão. Neste caso, pagamos mais caro ou acabamos perdendo disputas para a Europa. Em casos ainda mais problemáticos, os clubes acabam conhecendo possíveis alvos através de empresários e não por um monitoramento feito de forma detalhada, que deveria ser o mais correto.

Investir em prospecção no futebol atual é algo tão necessário que já não deveríamos mais sequer discutir o assunto no Brasil. Infelizmente não é assim que a banda toca por aqui. Ainda preferimos apostar no barato que sai caro.

ESPN