Saudações tricolores,

Tinha tudo pra ser apenas uma tarde pacata de domingo de um junho ainda promissor nas terras do Campeonato Brasileiro. Mas não. Não aquela tarde, não aquele domingo, ninguém se esquece como é terminar um relacionamento de 2 anos. Tudo que aconteceu imediatamente antes e depois faz parte daquele pano de fundo que a memória faz questão de reter. Aquele domingo era um desses.

A tabela marcava um embate protocolar entre São Paulo e Avaí desses em que você vai ao estádio para ver o time cumprir a óbvia missão de somar três pontos independente do grau de dificuldade, e vem embora para casa satisfeito com a obrigação cumprida devidamente preparado para a segunda-feira que se avizinha. Mas não estamos falando de um domingo qualquer.

Quando você desperdiça 2 anos e uns 3 mil reais com alguém tirados daquela poupancinha guardada para o APOCALIPSE, tudo que precisamos em seguida é de uma boa dose de amor verdadeiro. Eu lá com dois ingressos na mão me vi escalando a pessoa mais improvável como companhia para aquele domingo: minha mãe.

Minha mãe é do tipo que quando comenta futebol e vai ofender alguém usa termos como “vai te catar” ou “ah, sai pra lá”, ou seja, uma presença nada hooligan em um ambiente que exige pelo menos um pouquinho do contrário. Movido pela comoção da velha nunca ter ido à cancha, senti uma certa obrigação em levá-la ao meu pequeno reduto onde palavrões de baixo calão e ofensas de todo gênero a todos os familiares de quem estiver ali pelo campo são permitidos, tolerados e até incentivados.

Dizia eu que não é um domingo qualquer. Como era de se esperar, mil e poucas testemunhas compareceram ao Morumbi para ver um jogo que, até então, eram favas contadas. Já disse que não é um domingo qualquer?

Bem, ali na meta alinhava-se Renan Ribeiro, doravante aclamado como MITINHO. O jogo ia bem, tudo sob controle, o SPFC vencia e eis que surge uma falta perigosa pra eles. Frontal. Segundo tempo. Vem a batida. Passa da barreira. Renan dá um passo, faz o salto e pratica a defesa. É ovacionado. Habemus goleiro.

MAS NÃO ERA UM MALDITO DOMINGO QUALQUER.

40 e sabe deus quão pouco faltava para acabar o jogo a bola ficou ali se oferecendo na nossa área para ANDRÉ LIMA encher o pé e igualar o placar. Todo ódio e frustração potencializados. Pelo empate, pelo término, por aquela defesaça não ter valido de nada.

Domingo passado era pra ser um desses domingos. Nesse fatídico fim de novembro que nos obriga a seguir a etiqueta do desporto e ter que disputar um resto de campeonato sem pretensão maior do que golear ou não ser goleado. E novamente lá estava Renan Ribeiro.

Após tudo que aconteceu sob nossas vidas e traves nesse ano e meio, lá estava ele no mesmo local para seus SE VIRA NOS 180 MINUTOS particular. No entanto, tudo que conseguiu em pouco menos de 45 minutos foi lesionar-se e, infelizmente, pouco antes, sair toscamente para cortar um cruzamento que resultou no gol adversário.

Automaticamente esse domingo qualquer não mais poderia ser assim denominado. Estava registrada em ata a primeira falha bisonha de Renan Ribeiro no São Paulo, com direito a transmissão em rede nacional.

Otimistas dirão que é falta de ritmo de jogo, que a vida tem dessas coisas. Pessimistas lembrarão que Denis alternou grandes jogos com erros bizarros, então, esse lance de Renan apenas provaria que todo nosso grupo de goleiros está CONTAMINADO com alguma deficiência técnica severa ou apenas desprovidos de SORTE.

No amor tudo que mais queremos (ou precisamos) é reciprocidade. É alguém que esteja lá nos momentos certos e difíceis, que agarre firme um tiro de fora da área, que feche adequadamente o ângulo numa batida diagonal, que tenha sabedoria em posicionar-se milimetricamente em uma cobrança de falta, que tenha suficiente iluminação para antever que se ficar uma polegada mais pra cá o salto não chega até ali. Alguém em que você confie e tenha segurança, conforto.

Sem isso, o olhar apaixonado ganha ares desconfiados. O abraço de boas-vindas vira um aceno de cabeça insosso. A saudação calorosa subitamente se transforma em coceira na têmpora e resmungos.

Seja como for, o tempo passou. Arrumei outra namorada. Jogamos outra Libertadores. Brigamos contra a degola. Escapamos. Teremos um ídolo na casamata ano que vem. Enfim, de tudo que aconteceu de lá até aqui, apenas um sentimento ainda pulsa descompassado no coração: a saudade perturbadora que só um bom goleiro deixa.

Sempre a cornetar,

Gabriel Casaqui