A proposta de reforma do estatuto do São Paulo Futebol Clube (SPFC), de que se começou a tratar na coluna da semana passada (19/10/16), projeta um modelo de governança que pode inaugurar uma nova fase na forma de gerir os clubes no Brasil.

Como se verá adiante, o modelo incorpora certas estruturas adotadas pelas sociedades empresárias, sem, contudo, desconsiderar a natureza jurídica das associações civis e a complexidade de suas relações internas.

As proposições levam em conta, portanto, práticas reconhecidas e adotadas no mercado, e, ao mesmo tempo, consideram as estruturas orgânicas existentes no SPFC e suas funções históricas.

Assume-se, assim, a premissa de que uma absoluta adaptação aos padrões das sociedades empresárias se operará apenas quando se separar a empresa futebolística das demais atividades praticadas pelo clube, e esses padrões se aplicarão à sociedade anônima do futebol, criada e controlada pelo próprio clube.

Enquanto isso, a associação civil, atual proprietária dos ativos destinados à prática do futebol, deve ser governada com base em uma série de técnicas que afastem a possibilidade de surgimento de administradores plenipotenciários e que dominem, sem formas legitimas de controle, as relações internas e as decisões a respeito da alocação de recursos e de assunção de obrigações.

Esse modelo de governo do clube, ademais, deve prevalecer e se consolidar após a eventual separação, para lidar adequadamente com as situações que sempre existirão no plano do clube (e que será, neste caso, o controlador da empresa do futebol).

O Conselho de Administração, cuja criação é sugerida na reforma, tem, neste sentido, uma função essencial. Sua composição tem como propósito prover uma adequada representatividade dos interesses do SPFC e, ao mesmo tempo, garantir a governabilidade e a preservação das funções executivas da Diretoria.

Dos 9 membros que o integrarão, caso a proposta seja aprovada, 2 serão indicados pelo Conselho Deliberativo, dentre os conselheiros deste órgão, 1 pelo Conselho Consultivo, dentre os conselheiros natos deste órgão, e 4 pelo Presidente Eleito, sendo que 3 deles devem ser independentes. Os dois outros membros serão, necessariamente, o Presidente e o Vice-Presidente Eleitos.

O presidente eleito presidirá o órgão, cumulando, portanto, presidências.

Note-se que a exigência de 1/3 de membros independentes é uma novidade no ambiente do futebol. Será considerado independente, aliás, o conselheiro que: “(i) não ocupar qualquer cargo permanente, de qualquer natureza, inclusive eletivo, no SPFC; (ii) não tenha ocupado, nos 4 (quatro) anos anteriores, qualquer cargo permanente, de qualquer natureza, inclusive eletivo, no SPFC; (iii) não preste serviço remunerado, não seja fornecedor de produtos ou serviços, não receba qualquer contrapartida, de qualquer natureza, do SPFC, e não tenha realizado essas atividades nos 4 (quatro) anos anteriores; (iv) não seja sócio controlador de sociedade empresária que se enquadre no inciso (iii) deste parágrafo; (v) não seja cônjuge ou companheira, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 4o grau, de membro do Conselho Deliberativo, do Conselho Fiscal, do Conselho de Administração, da Diretoria Eleita, da Diretoria Social ou da Diretoria Executiva, ou das pessoas indicadas nos incisos anteriores”.

Os conselheiros independentes deverão gozar de reputação ilibada e ter notório conhecimento em áreas que sejam relevantes para o SPFC, ou ter atuado como diretor ou conselheiro de sociedade empresária de porte no mínimo semelhante ao do próprio SPFC.

O Conselho de Administração deverá reunir-se ordinariamente uma vez por mês e, de modo extraordinário, sempre que convocado por seu Presidente ou por pelo menos 5 conselheiros. Pretende-se, com a fixação dessa periodicidade, impor um ritmo de trabalho e um acompanhamento permanente dos temas essenciais do SPFC.

O texto propositivo imputa ao órgão as seguintes competências:

a) Fiscalizar a gestão da Diretoria Eleita, da Diretoria Social e da Diretoria Executiva;

b) Aprovar a remuneração, se e quando o caso, de membros do Conselho Fiscal, do Conselho de Administração, do Presidente Eleito e/ou da Diretoria Executiva;

c) Examinar, mediante solicitação, livros, papéis, contratos e documentos do SPFC, bem como solicitar informações a respeito de contratos em negociação;

d) Manifestar-se, emitindo parecer fundamentado, previamente à submissão ao Conselho Deliberativo, sobre as contas e as demonstrações financeiras anuais do SPFC;

e) Escolher e destituir os Auditores Independentes;

f) Autorizar a prática de atos gratuitos, independentemente da motivação, inclusive a cessão do estádio ou outras dependências sociais, esportivas ou propriedades do SPFC;

g) Aprovar a concessão de quaisquer garantias, de qualquer natureza, de qualquer valor, exceto de natureza judicial, cuja competência será exclusiva da Diretoria Eleita;

h) Aprovar a proposta orçamentária anual elaborada pela Diretoria Eleita, e submetê-la para aprovação final do Conselho Deliberativo;

i) Opinar, previamente à deliberação pelo Conselho Deliberativo, sobre propostas de separação societária do futebol profissional, bem como sobre a constituição de sociedade empresária, para qualquer finalidade;

j) Aprovar a celebração de qualquer contrato, provisório ou definitivo, de montante total superior a 1.500 (mil e quinhentas) Contribuições Associativas, exceto relacionado às contratações de atletas e comissão técnica, observado o disposto nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106;

k) Aprovar a celebração de qualquer contrato, provisório ou definitivo, cujo prazo seja superior ao prazo remanescente do mandato da Diretoria Eleita, exceto relacionado às contratações de atletas e comissão técnica, observado o disposto nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106;

l) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, que implique o pagamento de comissão, gratificação ou qualquer remuneração, a qualquer intermediário, exceto nos casos expressamente previstos nos parágrafos 1o e 2o deste artigo 106;

m) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que integre o Conselho Deliberativo, o Conselho Consultivo, o Conselho Fiscal, o Conselho de Administração, a Diretoria Eleita, a Diretoria Social ou a Diretoria Executiva, ou que seja um Associado do SPFC;

n) Aprovar a celebração de qualquer contrato, de qualquer natureza, de qualquer valor, a ser celebrado com qualquer pessoa que seja cônjuge ou companheira, ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 4o grau, das pessoas mencionadas no inciso anterior;

o) Aprovar a celebração de qualquer contrato com sociedade empresária na qual as pessoas indicadas nas alíneas (m) e/ou (n) sejam controladoras;

p) Aprovar a proposta de contratação, pela Diretoria Eleita, de qualquer espécie de apólice de seguro ou de garantia, incluindo seguro para exercício dos cargos de Diretoria Eleita ou Executiva, Conselho de Administração e Conselho Fiscal; e

q) Criar comitês executivos do Conselho de Administração, compostos por até 3 (três) membros, para acompanhar o cumprimento pela Diretoria Eleita de suas atribuições.

Desloca-se, assim, ao órgão colegiado, uma série de matérias que, num modelo sem a sua existência, se atribuía à decisão isolada do Presidente. Ou, então, que se submetia à deliberação do Conselho Deliberativo, um órgão com feições mais políticas do que administrativas.

Para concluir, as deliberações do órgão serão tomadas pela maioria de votos dos membros presentes.

Além da criação do Conselho de Administração, a proposta de reforma também inova em relação à composição e às funções da Diretoria, inclusive pela determinação de cargos executivos remunerados, que serão ocupados por profissionais reputados, que se dediquem com exclusividade à direção dos temas do SPFC.

Sobre essa estrutura se discorrerá na coluna da próxima semana.

Rodrigo R. Monteiro de Castro