Banner - Coluna do Paulo Martins

O torcedor é um sujeito esquisito. Ele tem por ofício cultivar medidas estranhas. Em dia de jogo, quando não a camisa de jogo surrada, veste alguma peça de roupa que o remeta a uma grande conquista. Sofre miseravelmente pelo time, seja em filas quilométricas para comprar ingressos ou entrar no estádio, seja pelo resultado que não vem, pelo técnico que não enxerga o que para ele é óbvio… E, dentre essas, o torcedor é o sujeito que, por natureza, aposta nas boas energias, sabe que as boas vibrações ultrapassam a TV e chegam aos jogadores no campo. E por essa lógica, tem fé que ao assistir o jogo no estádio, esse trajeto é encurtado e, portanto, torna o ato de torcer mais eficaz.

Pois foi sob essa lógica que eu, Paulo Martins, ao acompanhar a saga de insucessos do querido São Paulo, tomei uma decisão: naquele 11 de setembro, data marcante na história do mundo, eu seria um daqueles que se alojam no concreto para jogar junto com o time. São Paulo x Figueirense, no Morumbi.

Minha cidade, como vocês devem se lembrar, fica a cerca de uma hora e quarenta minutos da capital. São Paulo. Nem é tão longe. Mas a grandiosidade da metrópole assusta este mero escriba, de modo a por várias vezes demover-me da ideia de ir ao Morumbi. Mas havia chegado a minha hora.

A dificuldade maior seria, além do trânsito (coisa que o Waze hoje em dia resolve assustadoramente bem!), os ingressos. Como faria para retirá-los? Sou sócio-torcedor, mas como não encontrei o meu cartão correspondente, resolvi checar outras possibilidades. Fui ao site do Total Acesso e descobri que, pagando pelo cartão VISA, o próprio cartão serviria como ingresso. Perfeito. Comprei dois bilhetes de entrada para a arquibancada azul.

Como se tratava de um “jogo das famílias”, por ocorrer as 11 horas do domingo, além de minha primeira-dama, Lady, cogitei levar Emília, minha vida de 9 anos. Só cogitei. O temor pela violência e o instinto de proteção de pai falaram mais alto, muito mais alto. Emília ficou com os avós, já no sábado, considerando que haveríamos de sair bem cedo do Condado.

Conversando com os amigos que fiz aqui no Blog do São Paulo, alguns se entusiasmaram de ir também. PV Heinseberg, Daniel e Edsão de Campinas, com o Gabo, futuro da torcida tricolor. E Denis, um torcedor-símbolo do tricolor, assíduo frequentador do Morumbi e incrivelmente conhecido pelos torcedores do São Paulo (é incrível: ande com ele pelo Morumbi e você será parado a todo momento por gente querendo trocar uma ideia sobre o São Paulo!) se ofereceu para ser o meu “guia” nesse dia histórico para mim. E veio dele a principal recomendação: “chegue cedo. No máximo, esteja no local combinado até às 10:00, para entrarmos a tempo”

Acordei as 5:40. Mal dormi naquela noite, a bem da verdade. Fui até o quintal, dei um banho no carro, fui ao posto de gasolina, enchi o tanque, pus 35 libras em cada pneu e partimos por volta das 7:00 buscando a Rodovia Castelo Branco, a melhor do país, segundo ranking recente. Tivemos alguns imprevistos no caminho, minha esposa sentiu-se mal. Chegamos em São Paulo por volta das 9:30, atrasados, quando normalmente levaríamos, no máximo, 1h40min para vencer tal distância.

No celular, avisei ao Denis do ocorrido. Ele me recomendou calma, embora eu tenha sentido um ar de preocupação, considerando a falta de conhecimento deste mero escriba, um capial do Condado, sobre a selva de pedra em que havia adentrado. Marginal Pinheiros… Bairro Morumbi. Fiz a baliza numa das ruas próximas ao estádio (ok, nem tão próximas assim!) às 10:30. O jogo começaria as 11:00. Encontrei Denis que, àquela altura, já queria arrancar as calças pela cabeça de preocupação. Feitas as apresentações, partimos em direção ao Gigante Sacrossanto!

Bovinamente, pegamos uma fila tremenda, circundando o estádio. E é vida de gado mesmo, coisa que só a paixão por um clube de futebol é capaz de explicar e que motivo algum exime o dirigente da culpa por tal tratamento. Naquele momento, havia um sol para cada um que estivesse naquela fila. O calor, senegalesco, aumentava pela aglomeração daquela massa de gente que caminhava a passos mirrados, curtos, como zumbis de George Romero. Revista da Polícia feita, rumo à catraca de ingressos onde o sistema Visa funcionou tremendamente bem e enfim, atingimos as entranhas do Sacrossanto! A sombra proporcionada pela gigantesca armação e concreto tornou aquele espaço um verdadeiro oásis tricolor e pudemos nos proteger, enganando cada um o seu próprio sol.

Sobre o jogo de dentro de campo, nada tenho a que acrescentar ao que já foi escrito. No entanto, o que foi visto do “concreto” pela primeira vez, muito há a ser dito, porém eu não encontro embocadura para tal. O jogo da TV é completamente diferente, confesso. E quem já foi e vai ao estádio sabe do que falo. O tempo é outro, a visão é outra… Confesso que é possível até ficar mais complacente com os erros de arbitragem, considerando o dinamismo frenético em que tudo acontece.

Se em campo os atletas suavam em bicas, nas arquibancadas suávamos mais. Parecia que o sol havia estacionado sobre o estádio e virado a cobertura do Morumbi, que fervia pelo jogo, também. Trocas de passes, desarmes, correria… Luta. Mas a bola não entrava. E a cada erro, o sujeito que estava à minha frente quase quebrava o assento à frente dele, chutando-o como se fosse uma “oficial”. E dizia impropérios impublicáveis… Sofria horrores, aquele pobre. Tal qual nós, igualmente miseráveis, à exceção daqueles chutes.

Era um tricolor brioso, obstinado, abnegado. Sim, abnegado. Porque, tenho certeza, aqueles onze encurtaram suas vidas em alguns minutos tamanho o esforço que fizeram debaixo daquela “lua”. Ricardo Gomes permanecia impassível, de braços cruzados e olhar fixo no campo. Parecia saber o que fazer. Acho que sabia, porque os gols foram saindo, esmorecendo o adversário.

Vitória! 3×1!

Vibramos como nunca. Até minha esposa, palmeirense, torceu, fez sua parte. Exceto pelo maldito “cachorro-quente” do Habbib´s, foi um momento inesquecível.  Saí dali com a alma lavada – o corpo também, de suor –  e com a certeza de que time grande cai. Gigante, não!

Nos despedimos dos amigos do Blog, apanhamos o carro e seguimos de volta ao Condado, desta vez pela Raposo Tavares, uma das maiores bobagens que fiz na vida. Mas, em parte foi bom: pudemos parar para reabastecer o tanque do carro e os nossos na cidade de Sorocaba, a cidade em que nasceu Emília, minha filha. É sempre um prazer passar por lá, nos traz boas recordações, como aquelas que acabávamos de criar em São Paulo, no ventre de concreto sacrossando do Morumbi.

Abaixo, o gol de Cueva, de pênalti, gravado por mim.

Abraços a todos!

Paulo Martins