Entre abril de 2012 e setembro de 2013, período que corresponde ao terceiro mandato consecutivo de Juvenal Juvêncio, o escritório do qual é sócio José Francisco Manssur, hoje vice-presidente de comunicação e marketing do São Paulo, cobrou R$ 933 mil em serviços prestados ao clube, sendo que pelo menos R$ 321 mil do montante seriam honorários do dirigente, na época assessor voluntário da presidência.

As informações constam em nove faturas emitidas pelo escritório de Manssur ao São Paulo no período citado e que foram obtidas com exclusividade pelo ESPN.com.br.

As notas fiscais analisadas são as de números 26, 29, 35, 77, 78, 157, 176, 201 e 202. Em todas constam cobranças do escritório de Manssur ao São Paulo como “honorários advocatícios” de serviços diversos — desde assessoria jurídica ao clube até reuniões sobre contratação de jogadores, notas oficiais enviadas à imprensa, projeto de reforma do estádio do Morumbi, entrevistas para emissoras de TV, entre outros.

O escritório do qual Manssur é sócio foi escolhido por Juvenal Juvêncio para prestar serviços ao São Paulo a partir de 2009, mesmo o clube tendo à disposição departamento jurídico próprio. O advogado passou a ocupar, a partir de 2011 e até abril de 2014, o cargo de assessor voluntário da presidência do São Paulo, conforme consta na rede social LinkedIn dele, utilizada para compartilhar informações profissionais.

Na mesma rede social consta que ele, como sócio do escritório AMVO-Advogados, “atuou como prestador de serviços jurídicos em ações de contencioso civil, revisão de contratos e projetos de modernização do Estádio do Morumbi, Sede Social, CT Barra Funda e CFA Presidente Laudo Natel em Cotia do São Paulo”.

Segundo os documentos obtidos pela reportagem, o período das cobranças feitas pelo escritório AMVO, inclusive em serviços prestados por Manssur, já é posterior ao ingresso dele como assessor voluntário da presidência do clube do Morumbi.

O estatuto do São Paulo prevê, em seu artigo 2º, que “nenhuma função pertinente aos poderes do clube poderá, em qualquer hipótese, ser remunerada”. Por meio da assessoria da AMVO, Manssur diz que o estatuto do SPFC prevê como órgãos integrantes da Diretoria apenas a Presidência, a Vice-Presidência, as Diretorias e as Diretorias Adjuntas. E que o cargo de assessor não é mencionado no estatuto em nenhuma passagem.

Questionado sobre o teor desta matéria, o São Paulo enviou a seguinte nota: “O assunto abordado pela reportagem diz respeito à contratação de serviços jurídicos realizada por uma outra gestão do São Paulo FC. Tal questionamento já foi debatido em reunião do Conselho, com a apresentação das notas fiscais, não feriu o Estatuto do Clube e os honorários pagos são relativos aos serviços prestados para aquela administração“.

Manssur vem sendo cobrado internamente por conselheiros do São Paulo desde o ano passado para apresentar os ganhos do escritório do qual é sócio em serviços prestados ao clube. Em reunião realizada em 16 de dezembro do ano passado, conselheiros encaminharam ao presidente do órgão, Marcelo Puppo, um pedido de investigação interna, conforme noticiou o ESPN.com.br na época.

Em janeiro de 2015, ao “Diário de S. Paulo”, diante de acusação de conselheiros de que seu escritório havia recebido R$ 6,8 milhões do São Paulo, Manssur afirmou que “o valor não foi pago só a mim. Outros nove advogados do escritório prestaram serviços para o clube”. E acrescentou: “Eu nunca recebi mais do que R$ 20 mil por mês”. Os documentos obtidos pelo ESPN.com.br mostram, contudo, que este valor foi superado pelo menos nos oitos meses cujas faturas foram analisadas (ver tabela abaixo).

Desde março de 2014 um grupo de conselheiros busca na Justiça de São Paulo acesso a papéis referentes a gastos do clube com serviços jurídicos contratados no ano de 2009 até hoje. Recentemente, o tribunal permitiu a visualização da documentação, mas apenas as partes interessadas podem ter acesso à papelada, que está protegida por sigilo no Fórum Regional do Butantã, em São Paulo.

CASOS COBRADOS

Entre as cobranças feitas pelo escritório do qual Manssur é sócio, há casos como notas oficiais elaboradas para divulgação à imprensa.

Um exemplo, em 6 de dezembro de 2012, em serviço prestado pelo próprio Manssur, foi a cobrança no valor de R$ 1.026,67 por “Elaboração de nota oficial para a ESPN Brasil sobre procedimentos para a venda de ingressos para o jogo São Paulo x Tigre [final da Copa Sul-Americana], número e identificação de compradores”. A prestação desse serviço foi feita em 1h50min de trabalho (o valor cobrado por hora é R$ 560, o que segundo Manssur seria um valor abaixo do praticado no mercado).

Naquele mesmo mês, o escritório cobrou R$ 3.080,00 (novamente em serviço prestado por Manssur) em razão de o advogado ter ido ao estádio do Morumbi para conceder “entrevistas à Rede Globo, TV Bandeirantes e TV Record sobre acontecimentos na partida entre São Paulo x Tigre” por, segundo a nota (reproduzida abaixo), cinco horas e meia (novamente com valor de R$ 560 por hora).

Há também uma cobrança de R$ 1.026,67 por uma hora e cinquenta de trabalho para “reunião e elaboração de ofício à CBF com pedido de alteração de horário das partidas entre Bahia x São Paulo e Internacional x São Paulo”, em 12 de setembro de 2013.

Em 24 de setembro de 2013, o escritório cobrou R$ 4,2 mil do São Paulo por sete horas de reunião entre Manssur (em serviço prestado por ele) com Gustavo Oliveira, membro da diretoria de futebol do clube tricolor, para discutir para discutir uma proposta da Associação Norte-Americana de Futebol para utilizar o CT da Barra Funda durante a Copa do Mundo de 2014. Vale mencionar que Oliveira foi sócio do mesmo escritório de Manssur até julho de 2013, quando deixou a AMVO para trabalhar unicamente na agremiação do Morumbi.

Os quatro casos citados acima constam nos documentos citados nesta reportagem, além de muitos outros como cobranças por envio de e-mails, dossiê sobre futebol para cegos e até reunião por jogo contra a Lusa na China. Clique aqui e veja os detalhes de outros casos e suas respectivas documentações.

Em abril de 2012, o São Paulo teve de pagar R$ 113.996,76 ao escritório de Manssur, sendo que o valor em serviços prestados pessoalmente pelo dirigente somam R$ 34.650,00.

Já do valor pago em agosto daquele ano (R$ 95.409,62) ao escritório, R$ 38.775,00 foram em honorários de serviços prestados por Manssur ao São Paulo.

Foram pelo menos mais R$ 30.706,66, em novembro, e R$ 48.813,34, em dezembro daquele ano, cobrados só por serviços prestados pelo advogado.

No período analisado, a maior cobrança do escritório foi em julho de 2013 (R$ 140.210,95), sendo que só serviços prestados por Manssur geraram a cobrança de R$ 44.239,99.

No mesmo ano, somente o trabalho executado por Manssur em nome do escritório gerou as seguintes cobranças: R$ 39.293,33, em julho; R$ 37.426,65, em agosto, e R$ 51.613,36, em setembro — o maior valor respectivo aos seus serviços entre as notas citadas nesta reportagem.

Esclarecimento: a fatura de maio de 2012, analisada pelo ESPN.com.br, tem a relação de serviços prestados incompletos, sendo impossível totalizar o quanto os serviços prestados por Manssur geraram. Porém, a nota fiscal e a fatura desse período apontam que o escritório do advogado cobrou líquido R$ 53.228,97 do São Paulo.

Conforme dito anteriormente, a reportagem não obteve acesso às faturas dos demais meses.

OUTRO LADO

Procurado pela ESPN na última quarta-feira,o São Paulo Futebol Clube limitou-se a enviar o comunicado oficial reproduzido acima.

Já a assessoria de imprensa do escritório de Manssur também encaminhou a seguinte respostas, abaixo:

A respeito das perguntas feitas pela ESPN.com, o advogado José Francisco Manssur tem o seguinte a esclarecer:

Os assuntos requentados pela ESPN.com vêm sendo discutidos repetida e exaustivamente há pelo menos um ano e foram explicados, detalhadamente, ao Conselho Deliberativo do SPFC e ao Ministério Publico, por iniciativa exclusiva de Manssur.

Inicialmente, o veículo enviou e-mail com sete perguntas ao advogado. No dia seguinte, encaminhou outras quatro, “decididas junto à chefia”, nas palavras de um de seus repórteres. A sabatina resultou em um questionário recheado de informações inverídicas e premissas equivocadas, que indicam deliberada intenção de atingir a honra do atual vice-presidente de comunicação e marketing do SPFC.

Entre as afirmações falsas contidas nas indagações estavam a de que Manssur ainda é sócio do ex-gerente de futebol Gustavo Vieira de Oliveira (a sociedade terminou há três anos e quatro meses) e de que ele cobrou do clube para se reunir com o ex-gerente de futebol. Ao contrário do que a ESPN.com quer fazer crer, não se tratava de reuniões entre dois sócios, mas entre prestador de serviço (AMVO) e cliente (SPFC).

Em outra pergunta, o veículo aponta contradição entre o que Manssur escreve em seu perfil no LinkedIn (que realizava trabalho VOLUNTÁRIO como assessor da presidência) e o fato de o escritório do qual é sócio ter cobrado honorários do clube, Propositalmente, os repórteres omitiram informação contida cinco linhas acima, no mesmo perfil, de que o “como Sócio de AMVO-Advogados, atuou como prestador de serviços jurídicos em ações de contencioso civil, revisão de contratos e projetos de modernização do Estádio do Morumbi, Sede Social, CT Barra Funda e CFA Presidente Laudo Natel em Cotia do São Paulo Futebol Clube”.

De qualquer forma, em atenção à comunidade são-paulina, o advogado responderá pela enésima vez aos itens do questionário, nos itens a seguir.

1) O escritório de advocacia AMVO prestou serviços remunerados ao SPFC durante sete anos. Entre as atividades, estavam a confecção de todo e qualquer documento que pudesse conter informações jurídicas, inclusive notas à imprensa, e-mails a parceiros e artigos em veículos oficiais do clube. Fora de suas atividades e horários profissionais, em temas relacionados exclusivamente à política da agremiação, Manssur exercia o cargo honorífico de assessor da presidência de forma voluntaria e jamais cobrou um centavo do clube para desempenhar a função.

2) Conforme já explicado anteriormente a diversos órgãos de imprensa, inclusive a esta ESPN.com, os honorários cobrados pela AMVO tinham o valor máximo de R$ 520,00 por hora, cifra bem abaixo da média do mercado e metade da praticada, por exemplo, pelo ex-presidente Carlos Miguel Aidar, expulso dos quadros do Conselho Deliberativo do SPFC pelos malfeitos de sua gestão.

3) O Estatuto prevê como “órgãos integrantes da Diretoria” a Presidência, a Vice-Presidência, as Diretorias e as Diretorias Adjuntas. O cargo de assessor não é mencionado no Estatuto do SPFC em nenhuma passagem, o que deixa claro que Manssur jamais violou as regras do clube.

4) O advogado rechaça peremptoriamente mais uma “(des)informação” da ESPN.com, segundo a qual ele participou da contratação de seu escritório enquanto ocupava o cargo de assessor da presidência. Mal-informado, o site apontou suposto conflito de interesse na escolha da AMVO sem saber que o escritório começou a prestar serviços ao clube DOIS ANOS antes de Manssur ter sido nomeado assessor da presidência por Juvenal Juvêncio. É fundamental, ainda, esclarecer que Manssur jamais determinou a contratação de qualquer prestador de serviços pelo SPFC enquanto esteve no cargo de assessor. Tal atribuição foi sempre da Diretora Executiva, sem nenhuma exceção.

5) Por último, José Francisco Manssur gostaria de tornar pública sua dificuldade em entender quais são os motivos inconfessáveis pelos quais a ESPN.com (ou as fontes às quais ela está servindo) jamais questionou a existência de violação ética ou estatutária de ex-conselheiros que prestaram serviços remunerados ao clube e por que o site adota claramente uma posição política em suas matérias sobre o tema, contrariando os preceitos de imparcialidade e isenção contidos em qualquer bom Manual de Redação“.

ESCLARECIMENTO DA ESPN

A ESPN lamenta que a assessoria da AMVO ataque o teor das perguntas ignorando o fato de que, durante o processo de apuração de uma reportagem, questionamentos sejam feitos justamente para sanar dúvidas. E que, de acordo com as respostas recebidas, informações sejam confirmadas ou desmentidas, e o rumo da reportagem seja mantido, modificado ou até mesmo interrompido. O teor da nota divulgada pela AMVO, contudo, não desmente e tampouco invalida nenhum dos fatos publicados na matéria. Ela apenas critica os questionamentos feitos pela reportagem. Reiteramos também que, de acordo com as notas emitidas, o valor cobrado por hora trabalhada foi de R$ 560 e não R$ 520 como informa a resposta.