Banner - Coluna do Paulo Martins

Uma das proficiências do tempo vivido é a oportunidade de formar convicções. Cada dia, cada situação, tudo nos é apresentado com um propósito quase subliminar de formar as “certezas” com as quais convivemos na jornada e das quais nos aproveitamos, como ferramentas para enfrentar o dia-a-dia.

E uma das certezas que pude garimpar pelo caminho é legitimar a ocupação do lugar em que estou por mérito em fazê-lo. Mas cabe ressalva: estar por mérito pode não ser bom também, a depender de onde se está, em que situação. Em síntese: para estar, por mérito, num bom lugar, certos procedimentos são necessários, decisões têm de ser tomadas no tempo certo e com assertividade. Demanda que façamos escolhas e a cada uma delas, cabem renúncias.

Por outro lado, para estar num mau lugar, talvez baste não fazer nada, talvez baste apenas a omissão, o “não fazer”, ser primitivamente reativo, agir por instinto ou ganância, as vezes até por autopreservação, ainda que isso cause a morte de tudo o que há em torno. Nesses casos, a extinção é quase irreversível. Mas é possível “chegar lá” agindo reiterada e deliberadamente de modo temerário, com iniquidade ante as boas práticas, seja em que meio for.

Por mais “filosófico” que pareça, a ligação do parágrafo acima com o futebol e o São Paulo fica cada vez mais evidente.

Estar por mérito.

E depois dessa longa introdução, fugirei o máximo possível da obviedade para escrever aqui o que muitos afirmarão ser absurdo: não vou mais torcer para o SPFC não cair! Torcerei para o time merecer estar na Série A ano que vem. Se ficar, que seja por mérito. Se não o tiver, que caia. Simples, direto e reto.

Afinal, de que adiantará ficarmos na Série A se isso significar a manutenção deste triste estado de coisas? De que servirá a primeira divisão senão para manter o amadorismo de quem parece amar a si próprio antes de tudo, destacadamente antes da instituição que diz comandar? Um parêntese: comando é missão, não regalo. De que adiantará ao São Paulo jogar a Série A para manter-se cada vez mais distante de seu objeto institucional, seus objetivos desportivos e a continuidade da escrita de sua História de modo condizente com o seu legado? Qual o motivo de ver o time na primeira divisão quando os feudos valem mais e estão acima de tudo?

“Pra quê?”, como diz um amigo daqui do Blog.

Pois eu lhes digo: para nada que seja do interesse dos sócios, sócios-torcedores e torcedores. Nada!

Num mundo cujo volume de informações é cada vez maior, provido de soluções tecnológicas que permitem o acompanhamento das coisas em tempo real, com ferramentas que transformam estatísticas complexas em números relativamente fáceis de compreender para tomar decisões, com todo o conhecimento disponível, uma gestão “sem pé nem cabeça” é indefensável.

E ainda no trilho do último parágrafo, com tudo isso disponível, a transparência não é diferencial, mas um reles requisito básico, é obrigação! Porém, ser transparente implica na abertura total e irrestrita, significa expor esqueletos no armário. Implica na escolha, por convicção, em atuar sob a batuta das boas práticas administrativas visando o bem da entidade, agindo em conformidade com o estatuto, com destaque para alcançar os resultados desportivos com a devida saúde financeira. Mas, hoje, acima de tudo, implica também em coragem! Porque o passo seguinte é a responsabilização, tão necessária como água.

O futebol como esporte de alto rendimento é um ambiente hostil em vários sentidos. Diferentemente de uma empresa normal, onde os empregados têm, em regra, o acompanhamento laboral no dito horário comercial, num clube as coisas tendem a serem bem diferentes. A competição exige níveis estratosféricos de esforço, esmero  e atenção na preparação, planejamento e execução, onde todo detalhe tem peso não só dentro de campo, mas principalmente fora dele.

Por mais clichê que seja, vale lembrar: neste ambiente, não há mais lugar para o amadorismo. A premissa de um clube de futebol é a gestão profissional, decentralizada, apuradamente técnica, científica, metodológica e cada vez menos empírica, sem desconsiderar a experiência a vivência, claro.

De fora, como torcedor, enxergo a gestão — gestão de verdade! — de um clube como um compêndio das mais altas e diferentes complexidades. Austeridade, honestidade, capacidade e competência no trato financeiro, tino para negócios, conhecimento futebolístico em termos táticos, estratégicos, técnicos do esporte, além de grande capacidade no trato pessoal, na gestão de pessoas a todo momento, com todos os anseios, medos, limitações técnicas e pessoais, realizações, alegrias, tristezas, risos e dramas, protagonismo e ostracismo, tudo elevado à décima potência por uma imprensa que lucra com isso.  E não sou eu quem digo, o que escrevo é fruto do que especialistas na gestão esportiva afirmam.

A camisa há muito tempo totalmente branca, de patrocinadores que estranhamente não se cativam em expor suas marcas, o aparente desrespeito aos pactos contratuais, gastos demasiados, adiantamentos de quotas de direitos de transmissão, grande freguesia à bancos, “trens da alegria”, contratações estranhas, sem planejamento algum, jogadores que vêm e vão sem criar raízes, apenas passam, tudo feito na pressão, no calor do momento, à toque de caixa… Por fim, “a gota d´água” chamada Ricardo Gomes (nada pessoal)!

E aí, cabe também perguntar: o que temos visto? Algo parecido com as linhas acima? Há problemas sérios. Alguém admite? Considerando que o primeiro passo para a resolução de qualquer problema é admitir que ele existe, vejam o estado em que as coisas estão…

A gestão de Leco não é de todo imprestável, a considerar eventual diminuição do endividamento do clube. Mas alivia muito pouco. Fica muito à desejar. A derrocada e o “processo degradativo” de tudo o que conhecíamos como São Paulo Futebol Clube, evidentes, demonstram um saldo negativo, que na verdade já é prejuízo acumulado.

Quando Abílio Diniz agiu para ser mais efetivo dentro do clube, fui um dos que não aceitou muito bem, por achar que o bem-sucedido homem de negócios quisesse poder, visibilidade. Errei miseravelmente! Dou a mão à palmatória e ofereço minhas escusas ao empresário, por menor que seja a minha significância. A visão corporativa de Abílio Diniz só faria bem ao São Paulo, comparado ao que temos hoje. Até porque, com ele, haveria esperança de que o poder seja um meio, não um fim. Duvido que veríamos o clube fazer acordos às sombras com concessionárias para dirigentes andarem de carro importado, para dizer o mínimo.

O fato é que as coisas só mudarão quando o rei ficar nu. E isso tem a ver com o mérito. Se merecer, que caia. Chega desse circo de viver como um “rico falido”, que só olha para o passado e vive procurando se tem “croissant” à mesa, enquanto a piscina está com água verde, a despensa cheia de ratos, a geladeira vazia e a família em estado de depressão. Chega.

Que o São Paulo volte a ser grande por mérito, não só pelo passado, pelo discurso empolado da retórica de quem só se serve ou por uma nomenclatura odiosa — Soberano — que a rigor foi a semente deste fruto podre de que hoje o clube se alimenta.

O verdadeiro torcedor do São Paulo estará com o clube onde ele jogar. Contudo, enojado, não apoiará da mesma maneira se este triste estado de coisas se mantiver. Se não fui claro o bastante, entendam: Leco et caterva, deixem o São Paulo!

Que o São Paulo jogue, ano que vem, onde fizer por merecer.

Paulo Martins