Entrevista efetuada pelo R7, página de Cosme Rímoli com o presidente do Comitê de Ética, Ópice Blum:

José Roberto Ópice Blum. Dono de um dos maiores escritórios de advocacia do país. Advogado, juiz, desembargador, secretário municipal. Mais de 60 anos de São PauloFutebol Clube. Conselheiro, vice jurídico, presidente interino, vice de Juvenal Juvêncio. Se afastou depois de não concordar com a mudança nos estatutos, que deu terceiro mandato a Juvenal. Foi morar cinco anos nos Estados Unidos.

Voltou ao Brasil e ao São Paulo. Foi nomeado presidente do Comitê de Ética. E teve de julgar os polêmicos casos envolvendo o então presidente do clube, Carlos Miguel Aidar e seu vice, Ataíde Gil Guerreiro. Ele foi o principal responsável pela recomendação da expulsão de ambos do Conselho Deliberativo.

Pela primeira vez na história do São Paulo Futebol Clube, um presidente e seu vice de futebol foram expulsos do Conselho Deliberativo. A participação do Comitê de Ética não foi política, como muitos no Morumbi esperavam. Mas absolutamente rígida, minuciosa, detalhista.

Foi feita uma investigação verdadeira. Sem direito a improviso. Com depoimentos gravados e filmados de todos os envolvidos. Busca de documentos, depoimentos, testemunhas. Algo inédito e que chocou o clube. O resultado não deixou outra opção a não ser a expulsão dos dois. Sacramentada pelo Conselho Deliberativo.

Agora, há um novo caso. E muito grave. A comissão paga não paga por Carlos Augusto Barros e Silva, na época diretor de futebol, aos empresários de Jorginho Paulista, em 2002. O São Paulo terá de bancar R$ 2.495.585,55 à Prazan Comercial Ltda.

Ópice Blum levanta provas. Um calhamaço de três volumes, que explica todo o processo, chegou às suas mãos. Ele começará a entender o que aconteceu. Os motivos que levaram dois presidentes a não pagarem essa comissão. Ele não quis dar mais detalhes desse caso que tem Leco como foco.

“A única coisa que garanto é que nada que prejudique o São Paulo será varrida para baixo do tapete. Não com a nossa Comissão de Ética. Foi assim com o Carlos Miguel e com o Ataíde. Se houver irregularidade em qualquer caso que chegar às minhas mãos, vou pedir punição. Seja quem for”, garante, em entrevista exclusiva ao blog.

O senhor foi secretário municipal,juiz, desembargador, tem um dos maiores escritórios de advocacia do país, tem um nome a zelar. As influências políticas ou amizades no São Paulo pesaram na expulsão do presidente Carlos Miguel Aidar e no vice Ataíde Gil Guerreiro do Conselho Deliberativo do clube? O senhor não pertence a uma ala política que é ligada aos dois?

Excelente sua colocação. Porque a minha formação jurídica que me levou a ficar 30 anos no tribunal, mediante concurso público, e não nomeação de governador, me ensinou uma coisa: você escuta, você estuda, você preenche lacunas que possam existir, e finalmente, você decide. E quando decide, não há influência de qualquer espécie no meu espírito julgador. Primeiro, porque não admito influência. Segundo, porque sou um técnico. Dentro dessa tecnicidade, não admito interferência de quem quer que seja. Isso foi em toda a minha vida. O meu passado como magistrado, como advogado, reflete bem isso que estou afirmando agora. A Comissão de Ética sob a minha presidência, passou a ter total independência. Fico muito feliz com os membros da comissão, que é heterogênea. É formada por um advogado a mais (além dele), um dentista, um professor universitário e um químico. A diversidade de enfoque é que dá qualidade a essa comissão. E independência em relação a divisões políticas no São Paulo.

Dentro do São Paulo, fui um dos fundadores do ‘Clube da Fé’, que é um órgão político dentro do clube. Mas tão logo eu voltei dos Estados Unidos, onde permaneci por mais de cinco anos, a minha primeira posição foi pedir licença da minha organização política. Exatamente porque eu iria presidir essa Comissão de Ética. E isso me impôs estar longe de qualquer facção política. E é o que está acontecendo. Enquanto eu permanecer, será o que vai acontecer. Com relação a amizades, eu tenho com todos os conselhos, inúmeros sócios com que eu convivo. Mas eu não permito que ninguém me peça absolutamente nada. Sou uma pessoa independente, como os outros membros da Comissão de Ética também são. Consequentemente, se estiver correta a postura de quem está sendo analisado, será inocentado. Se não estiver, será condenado. Seja quem for. Doa a quem doer.

Vamos separar os casos Carlos Miguel e Ataíde. Por que Carlos Miguel Aidar foi expulso do Conselho Deliberativo? Uma pessoa que foi ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil? O que ele fez?

A nós da Comissão de Ética coube apurar fatos. E nessa apuração de fatos, na administração do Carlos Miguel foram apurados alguns senões que resultaram na sua expulsão do Conselho Deliberativo. Quais senões? A interferência básica de sua namorada (Cinira Maturana) em negociações do São Paulo. Entre elas, uma que envolvia Rodrigo Caio, nosso medalhista de ouro, em uma tratativa que houve em Madrid (ela teria direito a comissão em uma eventual venda para o Valencia por R$ 45 milhões). Tudo comprovado em trocas de e-mails. Essa participação da namorada do presidente na negociação foi incompatível com o estatuto, com a ética do clube. Daí a recomendação pela expulsão.

Mas não houve também uma participação suspeita de Aidar na vinda da Under Armour para o São Paulo? Principalmente com a participação de um intermediário com sede em Hong Kong…

Você está se referindo à Far East. Essa foi uma questão suscitada perante o Conselho Deliberativo e que motivou por parte do atual presidente da diretoria (Carlos Augusto Barros e Silva), a constituição de uma comissão específica para tratar desses procedimentos. E essa comissão chegou à conclusão que (muito irônico) “talvez”, “em tese”, “quiça”, algo poderia estar errado. Sem, contudo, apontar a gravidade, a atividade e a extensão de cada ato. Portanto, a conclusão deste comissão foi considerada nula.

(Tudo ficou mais calmo, quando Aidar mostrou uma cláusula no contrato com a Far East. Nela, o São Paulo estaria livre de pagar R$ 18 milhões de comissão, desde que o Conselho Deliberativo não aprovasse. Ele nunca aprovou. E o ‘famoso’ Jack Banafsheha, que era apresentado como intermediário, não ganhou um centavo. Em um contrato de R$ 135 milhões. Tudo absolutamente estranho, nebuloso.)

A Comissão de Ética decidiu pela expulsão de Carlos Miguel do Conselho Deliberativo. Era o máximo que poderíamos fazer. Repito, não somos delegacia de Polícia e muito menos agentes do Ministério Público. Se em seguida, o Carlos Miguel quis renunciar, o problema foi dele. Não tínhamos poder para exigir sua saída da presidência. Mas do Conselho Deliberativo, sim. E foi o que fizemos. O São Paulo está acima de todos. De todos…

E em relação ao vice Ataíde Gil Guerreiro? Foi a agressão ao Aidar e mais as suspeitas em várias transações?

A expulsão do Ataíde foi um pouco diferente. Inicialmente, o Ataíde gravou uma conversa com o presidente Carlos Miguel e dessa gravação houve um atrito físico que envolveu ambos. Pelo relato que temos no processo, constatou-se, que essa agressão foi séria. E exigiu a intervenção de outras pessoas para que não tivesse uma consequência muito mais séria. Uma pessoa teve de agarrar o Ataíde para que ele tirasse a mão do Carlos Miguel Aidar. Parasse de o esganar.

Como assim, algo mais sério do que bater?

O Ataíde é uma pessoa nervosa. Ele disse repetida vezes durante a agressão e, perante o Conselho Deliberativo, que iria matar o Carlos Miguel Aidar. Isso foi dito por ele. E constou no processo. É algo sério e que tem consequências. O Ataíde é uma pessoa nervosa. Mas acredito que ele disse no momento de nervosismo. Um vice presidente esganando o presidente e dizendo que o iria matar não condiz com o São Paulo Futebol Clube.

(Para piorar a situação, o Comitê de Ética descobriu que Ataíde já havia ameaçado outro sócio do São Paulo. Há mais de uma década. A agressão inclusive foi registrada em uma ata. A esganadura, que aconteceu no hotel Radisson, teve consequências físicas. Aidar garantiu ao conselho que rompeu a cartilagem de um dedo das mãos. O Comitê de Ética analisou a famosa fita, onde Ataíde gravou confissões de Aidar, em negociações. Levou a um estúdio sofisticado. No estúdio se chegou à conclusão que ela foi editada. Ou seja, trechos podem ter suprimidos. Eles poderiam comprometer Ataíde. Não há a certeza nem que aconteceu uma só conversa.)

O Ataíde é responsável pelo absurdo caso Maidana? (O jogador foi comprado no ano passado por R$ 400 mil junto ao Criciúma por um intermediário. E repassado ao Monte Cristo, de Goiás. 48 horas depois, vendido ao São Paulo por R$ 2 milhões. O Ministério Público e o GEDEC (Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos) investigam o caso.)

A questão do Maidana foi atribuída ao Carlos Miguel por pessoas que participaram da negociação. Ele foi o responsável por essa transação. Mas o Carlos Miguel nega e diz que foi o Ataíde. Em seu benefício, ele junta três declarações, de três pessoas diferentes, duas delas prestando depoimento no Ministério Público. Nós do Comitê de Ética não chegamos à qualquer conclusão no caso Maidana. Mas há algo que nos tranquiliza, o caso está sendo apurado, em toda sua extensão, pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Se o Ministério Público chegar à uma conclusão que houve dolo ao São Paulo nessa transação, puniremos novamente as pessoas envolvidas. Até porque tanto o Aidar quanto o Ataíde seguem sendo sócios do clube.

O Ataíde participou de muitas negociações com as quais não concordamos.

O Comitê de Ética não teve a menor dúvida na decisão de expulsar Aidar e Ataíde?

Não. Foi muito séria a apuração. Foi um processo de mil páginas. Documentos de todos os naipes. Depoimentos extensos, todos devidamente gravados, filmados, e estenotipados. Aidar e Ataíde foram apenados com a pena máxima. Exclusão do Conselho Deliberativo.

Mas como é que os dois, com mil páginas de comportamento antiético, seguem sendo sócios do São Paulo?

Não compete ao Comitê de Ética expulsá-los do clube. Compete à diretoria executiva (ao presidente Leco). Nós provamos que eles prejudicaram o São Paulo Futebol Clube. A responsabilidade de mantê-los como sócios é totalmente do presidente.

A dúvida que fica na opinião pública é clara. Se for comprovado que uma pessoa roubou o São Paulo, porque essa pessoa não é presa?

A coisa é simples. Quase um bê a bá do direito. Toda pessoa que tiver conhecimento de um crime deve comunicá-lo a uma autoridade competente, pode comunicar a um delegado de polícia, pode ser um membro do Ministério Público, que irão levar essa notícia ao Poder Judiciário. Agora, garanto a você, se eu tiver certeza absoluta, prova nas mãos, preto no branco, como cidadão brasileiro, como são paulino, que alguém prejudicou o meu clube, comunicarei as autoridades para que tomem as providências necessárias. E serei o primeiro a testemunhar. Lembro a você que o Ministério Público já está investigando, por exemplo, o caso Maidana.

Não é surreal uma pessoa que foi expulsa do Conselho Deliberativo, assumir o cargo de diretor institucional do São Paulo? O Ataíde foi nomeado pelo presidente Leco.

Como presidente da Comissão de Ética afirmo que no São Paulo se faz justiça. Nós não compactamos com qualquer subversão à ordem legal, aos conceitos que fizeram o nosso clube tricampeão do mundo e ser conhecido por todo o planeta. Não compactuamos com quem age dessa forma. A Comissão de Ética agiu sim, de forma decisiva e puniu quem tinha de punir, apesar de notícias contrárias, mostrando que há muitas fontes não confiáveis. Quem deve responder o porquê da manutenção de um expulso na diretoria é quem o nomeou. A responsabilidade é de quem o nomeou (Leco). Isso perante o Conselho Deliberativo soa como um desrespeito, um acinte e prejudica mais ainda a imagem do São Paulo.

O Leco tem um processo que chegou à Comissão de Ética. Envolvendo a comissão não paga ao empresário do jogador Jorginho paulista. A Comissão de Ética tem força para, se preciso for, recomendar a expulsão do Conselho Deliberativo, de outro presidente? (Depois de 14 anos, o clube foi condenado a pagar R$ 2.495.585,55 à Prazan Comercial Ltda. A empresa foi responsável, em 2002, pela comissão de R$ 732 mil. O atual presidente do São Paulo era diretor de futebol. Sua primeira reação, no ano passado, foi alegar não se recordar do caso. “Não me lembro. Foi em 2002, já faz 13 anos. Comissão no futebol é a coisa mais banal. Por algum motivo, que não me lembro, não foi pago.”)

Veja…A Comissão de Ética apresenta um parecer. E se for a expulsão, precisa ser aprovada pelo Conselho Deliberativo. Os elementos do Jorginho Paulista estão chegando agora. O processo que levou a esse dinheiro que o São Paulo terá de pagar pela comissão do Jorginho Paulista tem três volumes, cerca de mil páginas. Está lacrado. Vou ler com calma. E vou passar ao relator que vou indicar para analisar esse processo. Esse processo será examinado e julgado bem antes do final de mandato do atual presidente. Seja qual for o resultado da nossa análise, ele ainda estará no seu mandato.

O presidente Leco pode acabar com o Comitê de Ética e acabar com esse processo interno?

O presidente do São Paulo, não. O presidente do Conselho Deliberativo, sim. Ele pode. Enquanto essa comissão de Ética existir, tudo que acontecer de errado no São Paulo será apurado. Esteja quem estiver envolvido.

O assessor do presidente, Rodrigo Gaspar, criticou o Rodrigo Caio. O chamou de jogador de condomínio no twitter. Ele foi punido?

Houve representação de conselheiros contra essa pessoa. Como um assessor do presidente não poderia falar o que falou publicamente. Desvalorizou um atleta tão importante. O Comitê de Ética recomendou a censura. É algo mais sério do que advertência. Fica antes da suspensão do Conselho Deliberativo por 90 dias. E da expulsão.

Eu tenho 30 anos de profissão. Nunca vi o São Paulo tão exposto, com casos tão absurdos, envolvendo expulsão, comissão para namorada, vice enforcando o presidente, jogador que custa R$ 400 mil sendo comprado dois dias depois por R$ 2 milhões. Por que tantos escândalos? O que aconteceu com o clube? Antes as coisas eram escondidas?

As coisas nunca foram escondidas no São Paulo. O que eu posso dizer é que este São Paulo não é o que eu conheci. É um São Paulo diferente. Em todos os sentidos. Postura, educação, cultura. O São Paulo sempre se caracterizou de resolver suas divergências, e elas existiram, muitas, fossem resolvidas entre quatro paredes. Eu fiquei chocado, tremendamente decepcionado quando tive acesso às provas. Porque partem de pessoas que eu jamais pensei que partissem de pessoas que não participassem de atividades que fossem as mais lícitas possíveis.

Apesar dessa situações vexatórias, esses escândalos, o senhor tem noção que o São Paulo acabou de fazer história? Expulsou do Conselho Deliberativo o seu presidente e o seu vice de futebol?

Lamentavelmente, é. Como disse a você, o trabalho de Comissão de Ética tem 1000 páginas. Esse trabalho permitiu a apuração de fatos e a conclusão que a pena do Carlos Miguel e do Ataíde deveria ser a exclusão do Conselho Deliberativo do São Paulo. Ele serve de exemplo não só para os são paulinos, que se sentiram realizados com a exclusão. Não é sair punindo a torto e à direita. É quando você tem prova para isso. É um exemplo para o futebol brasileiro. É um exemplo para o futebol internacional. Trocando em miúdos, não agiu corretamente, é punido de forma severa. Não importa quem seja. É assim que solidifica e purifica uma administração. É assim que damos satisfação à terceira maior torcida deste país.

A história do São Paulo está manchada?

Manchou, manchou. A partir do instante que você passa a ter uma disputa pública, pela imprensa…Você é jornalista, vive da notícia. Mas a notícia não pode sair do São Paulo. Pode sair a conclusão. Mas não a notícia em si. Com todo o respeito que tenho pelo São Paulo, isso jamais poderia ter ocorrido. Assuntos sérios são resolvidos de forma profissional. E não amadoristicamente.

Qual o prejuízo que Aidar e Ataíde trouxeram ao São Paulo? Moral, ético, financeiro?

A partir do instante que você tem um patamar de responsabilidade e confiabilidade e isso é atingido, acaba ferida a sua credibilidade. Isso vai afetar em todos os setores. O financeiro, o setor de sócios, naqueles que estão começando a nascer para a vida e viam sempre uma motivação: “vou torcer para o São Paulo, tricampeão mundial”. Esses casos trouxeram malefícios, prejuízos e causa uma tristeza, uma revolta muito grande.

Última pergunta. Qual o recado que o senhor deixa para desde o mais humilde até o mais alto funcionário do São Paulo. Do faxineiro ao presidente. Aquele que tentar se apropriar de algo que pertença ao clube.

Pense bem antes de fazer qualquer coisa errada. Enquanto nós permanecermos na Comissão de Ética, eu e meus companheiros, nós não iremos ter complacência com qualquer pessoa que possa se desviar da retidão de conduta. Não colocaremos caso nenhum embaixo do tapete. Nenhum. O São Paulo já foi prejudicado demais. Doa a quem doer. Já provamos do que somos capazes…

Entrevista: Cosme Rimoli