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As vergonhas se sucedem à ponto de tornarem-se comuns, já nem chocam mais. Nem mais vergonhas são, principalmente para quem não tem brio. E quase nem ferem mais, dado o estado calejado em que nos encontramos. Até o conceito de sofrimento vem sendo alterado em nós, uma reengenharia de sentimentos. Afinal o que é sofrimento para quem não vê a bonança há muito tempo? O resultado disto é o vermelhidão dos assentos nas arquibancadas que chega a doer nos olhos.

E não há espaço para meias palavras: incompetência, inação, procrastinação, remanso, estagnação, omissão, fraqueza, isolamento, falta de noção de realidade, obscuridade, egocentrismo, soberba. A conjunção disso tudo tem feito o São Paulo de hoje.

Leco é um sujeito honesto, até que se prove o contrário, cujo sonho sempre foi presidir o São Paulo. Conseguiu. Às duras penas e por caminhos tortuosos, é verdade, mas conseguiu. Todavia, a que custo? Sonho por sonho, eu queria ser astronauta. Mas, a começar pela miopia que me acometeu na infância, logo percebi que não daria certo. Se não conseguia enxergar um caminhão-carreta trezentos metros a minha frente, que dirá a fenda de reentrada na órbita terrestre há quilômetros de distância e voando rápido como uma bala… Por isso não seria justo querer, a todo custo, colocar a vida de alguém em risco para realizar o meu sonho.

Percebem? O ditado “querer não é poder” diz muito mais do que mera constatação sobre a possibilidade. Requer análise sobre as qualidades imperativas à assunção no posto sonhado. E vai mais além: a capacidade de, na investidura dos poderes inerentes ao cargo e suas respectivas responsabilidades, seguir adiante em bom termo, à altura das necessidades prementes que o cargo exige. Requer autocrítica antes de começar, sobretudo. Seria melhor não ter começado, mas agora já foi, ou melhor, está sendo. E desastrosamente, para nossa tristeza.

A inação do presidente fez a verdade ir aos telhados. Liderança, pulso, comando, assertividade, visão são qualidades que infelizmente não são vendidas na venda do Sêo Zéraldo, são-paulino sofredor daqui do Condado. Se fosse, juro que compraria e levaria para Leco, como presente de um são paulino que não aguenta mais ver este triste estado de coisas que se instalou no São Paulo e, como um gânglio putrefato agarrado à jugular deste gigante vivo, alimenta-se de toda vitalidade da instituição, servindo-se dela ao invés de servi-la.

Comandar o time do coração é missão para poucos e bons; e a omissão no cargo é uma renúncia tácita às prerrogativas do posto, o prenúncio do desastre. Se na prática não governa, é justo valer-se do status concedido pela teoria? E se sim, isto interessa à quem? Ao São Paulo e a nós, seus torcedores não, seguramente.

As raras ações, quando tomadas, na verdade são reações. Leco só reage, proatividade zero. Quem só reage, jamais será vanguarda. Apesar do esforço, Leco também não transmite credibilidade, não passa firmeza no “olho no olho”. Obviamente, não tem sido exitoso.

E se não obtêm o êxito, se não passa credibilidade e tampouco firmeza, como haveria de estabelecer uma cadeia de comando capaz de manter a ordem no espaço que vai da mesa de nogueira até o gramado? Natural a baixa no moral da tropa. Compreensíveis — apesar de inaceitáveis — as “deserções de corpo presente” que temos visto em campo. Estão ali, mas na verdade não estão, já foram faz tempo, salvo exceções. Mas a culpa não é de todo dos que jogam. Quem comanda, observa, tem o gatilho para contratar ou não e assina o cheque é merecedor de maior parcela e deve responder por isso.

E o que dizer dos vândalos no sábado passado? De quem, diabos, partiu a ordem para abrir aqueles portões? E onde estavam os dirigentes? Em Cotia para inauguração de busto de Juvenal? Ora bolas… O São Paulo exige muito mais preocupação com seu futuro do que com homenagens ao seu glorioso passado ou a quem tenha feito parte dele. Ou não haverá futuro. Melhor dizendo, haverá: um futuro daqueles que ninguém irá se orgulhar de mostrar aos netos.

Ah, sim, Ataíde. O saído que nunca saiu e acabou voltando. Estranho? Parece desprovida de nexo a afirmação? Evidente que sim. Do contrário não faria jus à presença do dirigente nos quadros do São Paulo, totalmente desconectada da realidade depois de tudo o que fez (ou o que deixou de fazer, não sei ao certo qual seria a afirmação apropriada) e por tudo o que fez a instituição passar. A presença de Ataíde, pelo conjunto da obra, não tem nexo algum no São Paulo, mas é o retrato fiel da situação do clube. Ataíde, pífio na execução de suas tarefas, com promessas e mais promessas não cumpridas, fez parte da nefasta gestão de Aidar e depois de uma situação muito mal contada, foi expulso do clube pelo Conselho de Ética.

Mas tudo isso não serviu como alerta à Leco, que ainda o manteve por perto, próximo ao time, gravitando sobre os cargos diretivos. Mas que diabos! Seus anos à frente do futebol falam por si, e o escriba não vai desgastar o papel discorrendo sobre ele. E não é que os resultados de sua “gestão” no futebol o sustentem no São Paulo. É o contrário: deveriam defenestrá-lo. Poucas linhas, ostracismo. Aqui, dois parágrafos e olhe lá. É o que merece.

Falemos sobre o último da “santíssima trindade”, Gustavo. Sobrinho de Raí, “a lenda”, era advogado do clube. Em 2013, com a saída de Adalberto Baptista, o comandante do “dia-a-dia” do clube. Como lastimavelmente não há transparência nos atos diretivos do tricolor paulista, Gustavo foi demitido ou saiu. Ou os dois. Ou nenhum dos dois! Sabe-se lá o que houve, na verdade. Leco, sempre ele, o trouxe de volta no início de sua gestão. E com uma alteração importante: viria com salário duas vezes maior do que quando saiu e mais, o novo acordo contaria com bônus em cima do lucro da venda de jogadores, tanto da base quanto do profissional.

Apesar de alguns acertos, como Cueva, o São Paulo viu-se protagonista de negociações estranhas, como a de Kieza que veio e se foi sem sequer dizer “olá”. Esse entra e sai – em determinados momentos com jogadores de qualidade duvidosa – fez do São Paulo um eterno recomeço. E esse costume de ser um time em eterna construção não só se manteve como ficamos todos com a sensação de que se tornou ainda mais vigoroso, característica que, senão decisivamente, certamente pesou para a saída de Osorio e também de Bauza, os mais promissores para o cargo de treinador que chegaram ao São Paulo nos últimos tempos. Gustavo acabou tendo sucesso naquilo que não queríamos: fazer do meio, um fim, ou seja: compra e venda com finalidade de lucro financeiro.

E o “lucro desportivo”? Se houvesse uma conta no balanço do São Paulo para esta finalidade, certamente estaria negativada, como prejuízo acumulado. Nesse aspecto, é preciso analisar qual é o objeto, hoje, do São Paulo Futebol Clube. Se não é mais ter um time que honre as tradições, então que isso seja posto no estatuto do clube e que passe a ser uma entidade com estrita finalidade de lucro financeiro.

Aí nós, torcedores, estaremos cientes de que realmente se trata e talvez nos conformemos em comemorar balancetes de verificação, balanços, ficando orgulhosos e colocando na parede pôsteres dos demonstrativos de mutações do patrimônio líquido, demonstrativos de origens e aplicações de recursos e etc chancelados pelo São Paulo.  Evidente que a boa administração passa por atitudes conservadoras, prudência, que serão evidenciados nessas peças contábeis. Entretanto, enquanto clube de futebol for, saibam: a rota está errada, o veículo não é apropriado, o motorista não serve, o combustível é caro e o destino não é onde nós, torcedores, queremos chegar.

Uma administração de vanguarda passa pela gestão de homens probos, sérios, austeros, competentes e comprometidos com a causa. Louve-se o fato de o São Paulo não atrasar salários e, em tese (veremos no balanço do ano que vem), ter diminuído suas dívidas estratosféricas para os padrões que uma entidade minimamente séria. Mas é pouco. Aliás, isso é a obrigação. E ninguém falou que seria fácil e tampouco foram obrigados a aceitar a função.

Em síntese… Leco, se ama o São Paulo como diz que ama, faça um favor ao seu clube do coração: renuncie e leve com você todos esses que você nomeou. Você faz parte do período mais negro da história do São Paulo, que se iniciou com o golpe de Juvenal Juvêncio, não há mais como mudar tal coisa. Mas ainda há tempo de mostrar hombridade, desprendimento, abnegação e amor ao São Paulo. Você, presidente, não é o ponto de alavancagem em que o clube precisa se apoiar e tomar impulso para sair do buraco. Se tal coisa significar uma intervenção, que assim seja. Ou então isso terá que ser feito na Série B ou mergulhado nas agruras de uma bancarrota, algo muito pior.

Paulo Martins