morumbi

O futebol colombiano passa por momento de restruturação. Esqueça a grana do tráfico que no passado enchia os cofres dos clubes e que tatuou no imaginário de alguns a força e contundência do América de Cali. Da mesma forma, também a geração de Rincón, Asprilla, Valderrama, Valencia e Uzuriaga. Hoje o América é nanico risível na segunda divisão. Já a geração dos “formidáveis” foi engolida por alguns dos paradoxos que a criaram. Parte da eliminação vexatória da Copa de 1994 se deveu ao goleiro engraçado que os senhores do tráfico trataram de colocar no arco cafeteiro.

Os mesmo senhores que se negaram a proteger o elenco derrotado e que deixou Andrés Escobar solto para ser assassinado. Esse tempo não existe mais. O futebol da Colômbia mudou e o próprio Nacional é símbolo disso. Mas o futebol colombiano fica para outro momento. Importa entender que o Atlético Nacional é parte do que há de melhor na Colômbia. E importa, para os são-paulinos como a equipe está no momento.

O campeão da Libertadores de 1989 é a pedreira que agora aparece no caminho do São Paulo. Chega à semifinal credenciado pela estupenda campanha da primeira fase; melhor defesa e melhor ataque. Uma esquadra respeitável; equipe com fome de bola, um pesadelo para rivais desavisados. Contudo, a equipe de que falamos se apresenta à semifinal como uma incógnita; nem seu competente comandante do banco tem noção precisa de como ela está. E este é o ponto; trata-se de uma vantagem que em tese é toda para o Tricolor. Porém, o Atlético Nacional tem uma particularidade que materializa a sua grandeza: seu jogo criativo por vezes pouco se importa com o rival; por outras se alimenta justo dos vacilos de toda a natureza que ele costuma apresentar.

Decorre daí que se o São Paulo se deparar com um rival sem ritmo de jogo, convém massacrá-lo com gols, impiedosa e rapidamente. Se isto não acontecer, mesmo sem ritmo, o Verdolaga pode dominar a partida e triunfar ainda que em solo brasileiro. Mas afinal, de onde vem essa força? De uma série de eventos que passam pela estrutura do clube, pelo trabalho meticuloso e impressionante de Osório e pela humildade e acertos de Rueda. Vem também do caráter forjado de seu elenco.

Em termos de estrutura, o clube já é um dos mais avançados do continente. Profissionais que trabalham por lá são verdadeiros cientistas; alguns, recrutados nos inúmeros intercâmbios praticados com universidades do país. Ideia disso nos dá Orlando Berrío, excelente jogador, mas com a “cabecinha” complicada. Só para ele há uma equipe com três psicólogos. Proposta não é a de amansar o jogador, mas a de canalizar para o futebol a sua “loucura”, a sua vontade de socar a cara de todos que lhe trazem à memória parte das injustiças que sofreu, como miséria, violência e racismo.

Tudo é planejado no Nacional. Se nas “canteras” um jogador demonstra qualidade, ele recebe um tratamento para potencializá-la e para corrigir problemas que a impedem de florescer. Em geral, o técnico comanda todo o processo, mas dispõe de equipes para ajuda-lo. Era assim na época de Osório. E jogadores como Marlos, Sebastián Pérez e tantos outros receberam treinamentos específicos que foram vitais para a condição técnica que apresentam hoje em dia. Quando Pérez sair, Juan Pablo Nieto ou Dayron Mosquera ocupará o seu lugar; Franky Uribe o de Farid Díaz, Hadier Borja o de Bocanegra; Juan Pablo Ramírez, Arley Rodríguez ou Sebastián Tâmara o lugar de Guerra. Nem todos vingarão e serão titulares, mas alguns com certeza, pois é norma que consta de planejamento. E isto no clube é anterior e mais importante do que predileções de seus treinadores.

De Osório a Rueda

Muitos perguntam acerca das diferenças deste Atlético Nacional para aquele de Osório. Elas existem, mas o que ressaltam tais diferenças é justo aquilo que há de comum entre os dois trabalhos. Semelhança importante é a ideia de que os jogadores constroem o sistema de jogo e não o contrário. Isto implica que eles precisam se adaptar à flexibilidade de esquemas de jogo. Boa parte da preparação dos atletas consiste em adaptá-los às mudanças de esquemas, sem que isto baixe o nível da equipe.

Osório é o mentor desta que é a principal ideia que Rueda copiou do “profe”. Coube também ao técnico do México criar os principais exercícios que condicionam o elenco verdolaga às possíveis mudanças no desenho em campo. O time pode atuar com uma linha de três ou quatro no fundo; com três ou quatro no meio-campo e com três, dois ou um no ataque. E o mais importante não é a capacidade de se adaptarem às modificações de um jogo para outro, mas às que podem ocorrer dentro da partida.

O ajuste da defesa foi o grande mérito do treinador atual. Com Osório, os zagueiros sempre saíam jogando; com Rueda não. Apoiando-se nos próprios ensinamentos do “Profe”, Rueda estabeleceu que a responsabilidade pela saída da bola ficaria a cargo dos jogadores e não do técnico. Eles que decidam como ela deve acontecer. Saída rápida consiste na prioridade absoluta, mas ela está agora atrelada à busca do erro-zero na defesa. Neste sentido, a saída pode ocorrer através dos zagueiros ou de arremates direto para o meio-campo ou ataque.

Antes, a primeira opção era obrigatória; com Rueda a obrigação não existe mais. Cabe à dupla de volantes sentir o momento do jogo e decidir pela forma como a bola vai sair da defesa. Se não recuarem para busca-la é porque ela deverá ser lançada por Armani ou por algum zagueiro a seu lado. Também cabe ao porteiro orientar a zaga em seu posicionamento, além de ordenar a linha defensiva. Não é atoa que o goleiro tem falado em campo como nunca aconteceu antes em sua carreira. No passado, jamais foi assim.

A rotação de jogadores praticada por Osório oportunizou que vários talentos aparecessem. Contudo, chegou um momento que a prática desgastou os principais atores da equipe. E novamente se apoiando em argumentos de Osório, de que “mudanças necessárias estão à frente de crenças e ideias”, Rueda decidiu por fim à rotação. Contudo, não abriu mão de levar ao banco de reservas qualquer jogador que atue por mais de três jogos abaixo do nível. Além de colocar fim à rotação, e não virando às costas ao conceito de polivalência, Rueda ampliou os exercícios de readaptação dos atletas às posições que mais se sentem acomodados e tranquilos.

Se com Rueda reduziu-se a troca de bolas entre os defensores, ela foi ampliada no setor de meio-campo. Por trás da mudança encontra-se a preocupação de como utilizar a velocidade da equipe. Esta característica se manteve, mas foi reajustada. Pausá-la foi também uma forma de torna-la um elemento-surpresa. Responsáveis por atribuir velocidade à equipe são os meias Guerra, Pérez e Macnelly, justo os principais responsáveis pelo trabalho de posse e manejo da bola no meio-campo.

A posse de bola é vital não apenas para a construção da vitória, mas também para evitar derrotas. Um dos méritos incontestáveis de Rueda foi melhorar a defesa do Atlético Nacional. Isto aconteceu não somente pelo trato diferente dos zagueiros com a bola, mas pela permanência maior da redonda no campo de ataque. Osório era partidário de que chegar à área do rival o mais breve possível era a forma de surpreendê-lo. Rueda entende que velocidade ou lentidão só é importante a partir da segurança que uma delas gera para o sistema de jogo. Com Rueda o jogo é menos vertical, porém mais equilibrado; em vez de ataques fulminantes e constantes o que se percebe é a mudança de ritmo no jogo praticado a partir do meio-campo.

Retorno da competição

Na quarta-feira São Paulo e Nacional encerram os 43 dias de paralisação da Libertadores. É impossível prever como a esquadra colombiana estará em termos de ritmo de jogo. Por um lado, a parada foi benéfica; por outro, danosa. Inegável que o rival do São Paulo vinha atropelando quem encontrava pela frente. Mas convém ressaltar que o conjunto de Rueda estava no seu limite físico e mental, assim como foi demonstrado no triunfo agônico contra o Rosário Central e nas disputas da fase decisiva do campeonato colombiano.

A equipe de Rueda foi eliminada na semifinal pelo Junior de Barranquilla, nos pênaltis. Naquele jogo, notava-se o desgaste. Jogadores se doavam no físico, mas não encontravam resposta do corpo. No mental, as ações eram projetadas, mas não aconteciam. Poucos conseguiam reproduzir uma das melhores características do elenco, jogar sem a bola. Por certo que a sequência da Libertadores poderia ativar uma reserva-extra de concentração e desprendimento, mas uma coisa era certa: a equipe havia chegado ao seu limite.

O elenco retomou o trabalho há três semanas. A ideia era que a preparação para a semis ocorresse o mais breve. Contudo, o elenco recebeu nove dias de férias. Retomada aconteceu no dia 20 de junho. Neste tempo, jogadores como Marlos Moreno, Pérez, Aguilar, Farid Díaz e Guerra atuavam por suas seleções na inventada Copa América do Centenário. Retornaram exaustos, lesionados e completamente alheios aos trabalhos prévios ao duelo contra o Tricolor do Morumbi.

De cara, ganharam dois ou três dias para descanso e depois foram submetidos a um programa intensivo de recuperação muscular, combate as lesões e a um trabalho profilático de previsão de novas contusões. Ou seja, a paralização das disputas foi benéfica. Resta saber agora é se a equipe antioquenha se reconectará com sua mentalidade vencedora e com sua capacidade de atropelar rivais, independentemente de camisa, tradição ou força que eles possuem.

Durante duas semanas Rueda praticou somente treinos específicos. Fundamentos foram trabalhados de forma incansável, como a posse de bola, intensidade de jogo, controle do rival, volume ofensivo e deslocamentos. No ataque, a prioridade foi a de ampliar dos espaços do campo; na defesa, a de reduzi-los. No primeiro caso, os passes buscaram verticalizar o jogo, mas sobretudo flechar o rival com infiltrações diagonais. Ibargüen Arley Rodríguez, Dájome e até Miguel Borja receberam tal responsabilidade. Borja foi quem saiu da área várias vezes para propiciar a chegada de Macnelly.

No jogo, Lobo Guerra assumirá o papel de Torres. Assim que retornou da seleção, Marlos Moreno foi quem recebeu grande parte da atenção quanto ao trabalho de deslocamento. Não foi por acaso, desde a época de Osório Marlos recebe treinamento e preparação para desempenhar esse papel. Um dos problemas de Copete era que ele ficava preso ao setor esquerdo. Berrío, no passado, também era assim; no caso, ficava só no lado direito. Isto tirava o dinamismo não só do ataque, mas da capacidade de marcar o rival ainda no seu campo de defesa. Berrío corrigiu o problema com o tempo e aos poucos foi saindo da reserva; Copete não o fez e foi parar no banco, um pouco antes de ser negociado com o Santos. Todos receberam treinamento, mas foi Marlos Moreno quem mais soube tirar proveito dele.
Assim como acontecia com Ibarbo, Borja articulou com Moreno a troca de posição no ataque. Essas saídas do camisa nove não são tão relevantes, pois e em geral ele vai só até o centro da área, onde faz o pivô. Dájome seria melhor para este papel, pois tem maior mobilidade que Borja. Contudo, o substituto de Ibarbo tem uma capacidade de finalização que Dájome ainda desconhece. O que importa é que esta situação acontece muitas vezes e numa velocidade incompatível com os cuidados de uma defesa desatenta. Fica a dica para o São Paulo: Quando Borja sair da área, Marlos Moreno aparecerá como uma flecha dentro da área menor e nas costas dos zagueiros.

Possíveis mudanças

Tudo indica que o esquema será o 4-2-3-1 e que a equipe titular será composta por Franco Armani; Daniel Bocanegra, Dávinson Sánchez, Alexis Henríquez, Farid Díaz; Sebá Pérez, Alex Mejía; Marlos Moreno, Macnelly Torres, Lobo Guerra; Miguel Borja. Esta formação teria sido segredada por Rueda a Fernando Rendín, seu assistente técnico que ficou na Colômbia. Contudo, embora Rueda tenha descartado desde o início a formação com três zagueiros, é bem possível que ele modifique alguns nomes do 4-2-3-1. Em um dos treinos, colocou Dájome para atuar no lugar de Marlos, que ficaria como opção para o segundo tempo.

Da mesma forma, trocou Macnelly Torres por Ibargüen, já que o primeiro ainda apresenta déficit no físico. Dájome é um estupendo driblador, mais ainda não dispõe do talento e preparação tática de Marlos. Já a presença de Ibargüen muda um pouco a característica do time. Reduz-se a posse de bola, mas amplia-se a contundência ofensiva. Além disso, neste cenário, Lobo Guerra cede o lado direito para o Ibargüen e fica mais centralizado, justo na posição de Macnelly.
Este tipo de jogo, com o abuso de passes verticais, deslocamentos do nove e infiltrações de Moreno, Guerra e outros obriga os laterais a permanecerem presos e atentos em suas posições. No entanto, uma forma de reverter este problema em vantagem consiste em Bauza ter a coragem de liberar seus volantes, o que obriga os dois extremos a abandonar o ataque. Outra desvantagem na presença de Dájome está em que ele seu jogo sem a bola ainda é imberbe perto do de Marlos. Sua marcação tende a ser forte no ataque, mas insignificante quando recua para fortalecer a marcação no meio-campo ou na defesa. Se ele jogar, convém não deixar a bola chegar a seus pés. Se isto acontecer, reduz-se muito a preocupação da defesa são-paulina.
O Atlético Nacional perdeu Ibarbo, Mejía, Copete e mais alguns reservas que não vinham sendo utilizados. Ganhou dez reforços. Desses, quatro foram inscritos para as semifinais. Christin Dájome, Edwin Velasco, Elkin Blanco e Miguél Borja. Como dissemos, Dájome se notabiliza pelo drible rápido e por tirar coelhos da cartola, quando o jogo parece sem solução. Trata-se de um excelente jogador, mas ainda revela necessidade de evoluir. É afoito, “fominha” e tem um passe irregular.
Atuando pelo Cortuluá, Borja foi o artilheiro do Colombiano com 19 gols, um recorde em torneios curtos no país. É menos técnico que Ibarbo, mas verticaliza o jogo e tem um faro de gol mais apurado. Ibarbo tinha a vantagem de estar integrado à equipe; era mais tático e possuía uma leitura ampliada do jogo. Também recuava para articular jogadas e assistir a quem se infiltrava na área. Borja finaliza melhor, é mais letal, contundente e infinitamente mais rápido do que o craque do Panathinaikos. Sua confiança para arrematar para o arco demonstra que a maturidade chegou. Porém ele tem um problema: é excessivamente dependente do pé direito. Se o zagueiros do São Paulo quiserem ter sucesso na marcação de “Borjagol” têm de se ater a este detalhe.
Como se percebe o jogo do Atlético Nacional é voltado para o domínio da posse de bola e pela tentativa de passes diagonais para quebrar as linhas defensivas do rival. Isto gera uma movimentação constante de seus homens de ataque ocupando e desocupando espaços. Os espaços ocupados tendem a ser preenchidos por Guerra ou pelos laterais Bocanegra e Farid Díaz. Não se sabe como a equipe se encontra em termos de ritmo, mas é inegável que aspecto físico e entrosamento com o novo centroavante estão abaixo do que havia antes. Esses problemas não são pequenos, pois são vitais para que o sistema de jogo funcione.

Todos falam de como o Verdolaga é ofensivo, mas poucos se dão conta do quanto ele consegue se defender ao reduzir o campo de jogo de seus rivais. Esta redução se opera principalmente pelo tempo em que a equipe de Rueda permanece no campo de ataque e pela forma como se recompõe para marcar no seu campo de defesa. Ora, isto significa que déficit no físico e no entrosamento consiste na grande vantagem do São Paulo na partida do Morumbi. E para ampliar esta vantagem o conjunto paulista precisa assumir o jogo como seu e praticar algumas tarefas. É essencial pressionar a saída de bola. O foco há de ser na forte marcação em Mejía, o principal homem que recua para operacionalizar a saída.

Da mesma forma, trocar a marcação para Pérez, pois quando os rivais colombianos bloqueiam Mejía, o seu companheiro volante o rende nesta tarefa. Esta marcação há de ser feita pelos homens do ataque e meio-campo, não pelos laterais. O São Paulo precisará ser ofensivo, mas, como poucas vezes antes, vai precisar de seus laterais guardando posição. Se não for assim o lançamento sairá diretamente de Armani ou Henriquez e encontrará a Marlos/Dájome, Borja e Guerra com pouca marcação. Efeito disso é que o vacilo em questão pode oportunizar aos atacantes que recebam a bola e cheguem de forma instantânea à área de Denis.

Outra vantagem para o São Paulo pode está na presença de Henríquez no lugar de Felipe Aguilar. O quarto-zagueiro tem ótimo posicionamento, mas é débil quanto à velocidade, bote e cobertura Aguilar. Jogar pelo setor de Henríquez pode colocar em xeque o excesso de confiança do mais respeitado zagueiro verdolaga.

Lobo Guerra é um jogador estupendo. Macnelly Torres e Andrés Ibargüen também. Contudo, a bola não pode e não deve sair dos pés de Sebastián Pérez. Após recebê-la de Mejía, Pérez inicia todo o processo criativo da equipe colombiana. Raramente ele a distribui para os laterais ou diretamente para os atacantes. Em geral, ela vai para os pés do venezuelano ou de Macnelly.

Para evitar problemas, o São Paulo precisará povoar os espaços que separam Pérez e seus companheiros do meio-campo. Raramente ele sobe ao ataque, mas quando isto acontece, aparece centralizado, nos espaços deixados vagos pelo deslocamento e troca de lado de seus extremos. Isto ocorre o tempo todo e sempre em diagonal. Nessas situações, Pérez costuma aparecer livre e com campo aberto para arrematar. Bom evitar, pois ele costuma chutar muito bem.

Além da possível formação já citada, a equipe poderá aparecer de duas outras formas. Uma delas com Armani; Bocanegra, Sánchez, Henríquez e Farid Díaz; Sebá Pérez, Mejía, Guerra e Ibargüen e Marlos Moreno; Miguel Borja. A outra seria parecida, mas contaria com a presença de Christian Dájome no lugar de Marlos.

Por: JOZA NOVALIS