Banner - Coluna do Paulo Martins

Este texto é apenas uma retrospectiva opinativa deste mero escriba, mirando propor uma a reflexão de cada um de nós sobre um triste estado de coisas.

Versa sobre um status quo medonho, aterrador, que nos deixa a todos praticamente sem perspectiva auspiciosa a curto-médio prazo.

Trata-se de panorama chocado como o ovo da serpente no seio de três grandes conquistas sagradas em série, sob o torpor da euforia, do “oba-oba”, um Cavalo de Troia inserido no bojo de uma tal soberania. Nos venderam tal ideia, a de sermos soberanos, diferentes. E nós a compramos, a um custo tão alto que sequer poderíamos imaginar o quanto, ao menos até agora.

Como erva daninha, plantada pelo inimigo bem atrás de nossas linhas, debaixo de nossos pés – não sem aviso, deste blog principalmente – a semente cumpriu seu contrato com a criação e germinou. O broto, de raízes cáusticas, aspecto putrefato e odor fétido fez de nosso lar – NOSSO! – o dele.  E não foi obra do acaso, como naquela estória que geralmente é contada nos bancos do primário, de que o passarinho em pleno voo, levando a semente para alimentar a prole, a derruba em algum ponto de sua jornada. A semente vai ao chão, a chuva cai e a faz germinar. Não foi nada disso. O fruto que nasceu da semente podre de que falamos teve a semente posta com intencional cuidado, sob as preparações necessárias, o manejo adequado por mãos tão hábeis e ardilosas quanto vis.

O fruto vingou, cresceu, se fortaleceu. Evoluiu. Já não tem mais raízes, mas tentáculos, verdadeiros dutos sedentos que se acoplam a todo e qualquer “organismo vivo saudável” a sua volta, drenando o que vê pela frente para suprir sua sanha incontrolável de poder. Como um parasita, vive sorvendo, inescrupulosamente o hospedeiro.

A certidão de nascimento da “coisa”: as mudanças do estatuto da instituição, que teve seu início em duas ilusões tolas, arrogantes e assoberbadas de seu comandante: a de que era eterno e a de que todos os demais eram incapazes. Como desgraça pouca é bobagem, ações do tipo geralmente não vem sozinhas, mas disparam uma cadeia de eventos que colaboram entre si para o desastre. E o que vimos foi uma série de decisões políticas e administrativas inconsequentes, inexplicáveis, funestas, indignas; contratações duvidosas em todos os setores, do goleiro ao ponta-esquerda, cargos diretivos inclusos, demissões intrigantes, feitas sempre sob a alcunha de buscar “oxigenar os departamentos, restruturação”. Carbonizar seria mais apropriado. Ou então oxigenar a desestruturação. A bem da verdade, havia posto em marcha a desconstrução acelerada da instituição.

Sob as bênçãos da obscuridade, elegível como a principal ferramenta de gestão em vigor no trato das coisas do clube, deu asas ao voo cego da falta de visão, ou de uma visão distorcida de futuro, um porvir totalitário filho de um olhar contaminado pelo diabo do poder! A falta de planejamento ficou cada vez mais evidente, transparecendo ano após ano, a ponto de tornarem o São Paulo Futebol Clube uma instituição acéfala, presa ao cárcere das vontades de quem o comanda, refém dos acontecimentos, pobre de altivez e assertividade, conduzida pelas situações quando as deveria conduzir. Uma entidade sem visão e missão, indigente, sem peso, sem voz, o “café com leite” das brincadeiras de criança.

Os recorrentes fatos dos últimos anos nos deixam a todos boquiabertos, estupefatos. Destaco a inacreditável ausência (proposital?) em uma instituição da magnitude do São Paulo Futebol Clube de controles internos aptos de prever situações críticas (financeiras, administras, do dia-a-dia do clube…) e de mecanismos capazes de disparar gatilhos de contenção. A ignorância a tais dispositivos, em partida dobrada com a volátil mentalidade administrativa que nunca soube o que quis, fez cobrir o Morumbi com um terrível déficit de credibilidade, de insegurança que afastou potenciais investidores e parceiros à causa, até então nobre e dali em diante, apenas um projeto de poder. Equívocos em massa, uma onda de sucessivos fracassos em campo, anos sem patrocínio, receitas minguando.

Não havia muito o que escolher, desde então: aos “mais do mesmo”, sobra a vala comum, o refúgio dentro das ostras, como na Grécia antiga. A ordem era ser cigarra. Ser formiga era para os outros, afinal, éramos soberanos. De peito cheio, cantaram ao invés de trabalhar. Veio o inverno.  “A conta chegou”, como dizem. Dívidas. Bastante expressivas e num crescimento exponencial, de fazer corar de vergonha o orgulhoso PIB chinês, campeão da última década. É como a água que se insurge no casco da embarcação sob risco iminente de naufrágio.

Foi-se um. Veio outro, cria da mesma placenta, farinha da mesma sacaria, vinho da mesma safra. Revoltou-se com colheita do que ajudou a plantar. Culpou o anterior. Expediente típico de Pindorama, funcional por estas terras. Além de palavras costumeiramente mal colocadas sobre quem quer que seja, principalmente aos rivais, pouco fez a não ser aumentar a polegada dos tentáculos, para subir a vazão do dreno. Depois da guerra declarada, clamou por paz. Sem forças, limpou suas gavetas na surdina e saiu apressado, sob o estalar dos seus sapatos caros, deixando para trás um rastro de destruição.

Assume outro, o terceiro, da mesma placenta, sacaria e safra. Segue baile, horroroso. É inacreditável! Estamos mergulhados na pior crise de nossa história, mas no andar de cima, felpudo e acarpetado, seguem as cigarras, de violão em punho cantando Geraldo Vandré, fazendo as vezes dos músicos quando deveriam ser comandantes e mudar o rumo do Titanic… Impassíveis em suas batalhas políticas, seus caprichos particulares enquanto o iceberg se agiganta à frente; ainda não compreenderam que o esteio de tudo, abaixo de seus pés, começa a ser comprometido de morte, posto que no andar de baixo, de piso verde que se desdobra nos degraus de concreto, explodem os reflexos inevitáveis, típicos da fraqueza da cadeia de comando: moral baixa, relaxo, desdém, o estabelecimento da cultura do “tanto faz”, um certo ar blasé, “perdemos, mas agora é trabalhar para vencer na próxima semana”, e assim por diante.

Encerrando esta retrospectiva opinativa, com intenção de reorganizar as ideias com vistas a propor uma reflexão pessoal de cada um de nós, fui surpreendido – #SQN – pela demissão de Doriva, se não me engano, nosso quarto treinador em menos de um ano. Só corrobora todo o conteúdo do texto. Doriva não tinha, ainda mais neste momento, envergadura para ser treinador do São Paulo e, sob esta visão do estado de coisas que atravessamos, foi mais uma vítima do duto parasita instalado no Morumbi. O trabalho não foi bom, óbvio, mas é fato: que trabalho?

O(a) amigo(a) leitor(a) sabe de minha preferência por escrever sobre temas positivos, na insistência de ver o copo meio-cheio. Hoje, não existe sequer o copo, não há como e porque ser diferente, não podemos ficar indiferentes e sermos omissos. Que nosso descontentamento caia como uma bomba, visto que há, isso sim, de tudo um pouco nesse balaio. Pior dizendo, há de tudo um muito! Se seguem se fartando, mesmo faltando tudo — de ética à bola — que estejam cientes: para nós, o cheiro do banquete é de bolor e carniça.

Paulo Martins