Em 2002, após fazer campanha avassaladora na primeira fase do Brasileirão, sob o comando de Oswaldo de Oliveira, o São Paulo cairia para o oitava colocado e futuro campeão Santos nas quartas de final. Era a última edição da principal disputa nacional em formato de mata-mata. A eliminação para uma equipe que fez 13 pontos a menos após um turno inteiro foi vista fartamente como exemplo da injustiça produzida por um regulamento que cederia, enfim, lugar aos pontos corridos. E não eram poucos os que vaticinavam: com uma fórmula que premia o planejamento, que pretensamente faz justiça à gestão profissional, o São Paulo se tornaria um bicho-papão. O conceito generalizado é de que estava muito à frente dos demais na organização política e na estrutura clubística – não só no futebol profissional como também nas categorias de base.

Com o Morumbi sendo considerado, se não o melhor, um dos melhores estádios brasileiros, alternância de poder em um tempo em que os principais rivais locais perpetuavam cartolas, era um ponto fora da curva. E da quarta à sexta edição dos pontos corridos, o São Paulo de fato cimentou o profetizado domínio. O tricampeonato, que veio na sequência de outros dois tris, o da Libertadores e do Mundial, parecia corroborar as previsões. O apelido de Soberano passou a ser esgrimido por torcedores e dirigentes sem pejo algum. A série de títulos dava musculatura para o orgulho são-paulino e amedrontava os oponentes.

Oito anos depois, o cenário virou do avesso. Os dois rivais paulistanos, Corinthians e Palmeiras, têm grandes estádios, propiciadores de fornidas bilheterias, e vivem dias políticos aparentemente mais serenos que o Tricolor.  O clube não consegue avançar na modernização do Morumbi. A política interna perdeu o verniz de diferenciada e passou a ter ares de rasteira. O presidente anterior, Juvenal Juvêncio, manobrou para mudar o estatuto e ficar mais tempo no poder. Seu sucessor, Carlos Miguel Aidar, que pouco depois de eleito daria um trança-pé no “padrinho”, transformaria o clube em uma tsunâmi de lama. Uma sequência de escândalos se sucedeu, com suspeitas de comissão por jogador e até benefício à namorada do dirigente, e cenas de folhetim, como a que degenerou na agressão do ex-vice Ataíde Gil Guerrero a Aidar.

Curiosamente, ao viver dias de “Clube da Descrença”, com um comando moralmente falido, o Tricolor tem a oportunidade de reviver a romântica alcunha de Clube da Fé. O apelido surgiu nos anos 30 do século passado, quando da refundação são-paulina para responder às dificuldades que atravessava. Irônico que o grupo político batizado justamente com o velha lema da crença em suas potencialidades tenha rompido com Aidar diante do noticiário lamacento. Se as práticas recentes levaram à perda da aura de diferenciado, o São Paulo tem exatamente no lodo a chance de se recompor. O fato de em campo o time não ter baixado a crista, conseguindo brigar pelo G4 do Brasileiro e chegar à semifinal da Copa do Brasil, facilita a mudança de rota. A perspectiva de um título e a despedida do ídolo Rogério Ceni podem ajudar no ambiente. A gestão que deve suceder Aidar tem a chance de resgatar a fé são-paulina.

Por: Neto

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