Em primeiro plano, há que se considerar que Osorio não recebeu convite para dirigir um time na segunda divisão da China, nem se aventurar no novo futebol indiano ou para liderar um clube nos Estados Unidos. Osorio foi convidado para comandar a Seleção Mexicana, uma das melhores do mundo.

Como bem disse Osorio durante a coletiva após a vitória do Tricolor sobre o Atlético Paranaense (03/9), no Morumbi, em síntese: – O São Paulo é grande, um dos maiores da América, mas estamos falando de uma mudança para uma seleção expressiva, que o projetará mundialmente em sua carreira de técnico. Diante disso, ficar a pergunta: – Fosse você, leitor, um técnico de futebol, recusaria uma um convite desse porte? Evidente que não.

Porém, a saída do técnico colombiano Juan Carlos Osorio da equipe do São Paulo envolve análises de outros planos e demanda a aprofundarmos em outras camadas.  A sua “desistência” está ligada, também, à debilidade do sistema do futebol brasileiro e a atual crise político-financeira que atravessa o São Paulo Futebol Clube.

INSTABILIDADE | Osorio tem plena consciência do imediatismo brasileiro. Sabe que nosso futebol é instável e que 3 ou 4 derrotas consecutivas são suficientes para a demissão. Aliás, em nosso imediatismo tacanho, que demonstra total falta de planejamento dos clubes, registram-se casos de técnicos que foram contratados para pré-temporada e após duas rodadas foram demitidos, o que chega a beirar o amadorismo.

Imerso nessa realidade nonsense, imagine Osorio deixar de lado o convite da Seleção Mexicana, ser desclassificado da Copa do Brasil e acabar demitido do São Paulo. Com isso, deixaria passar a grande oportunidade da sua vida e, com certeza, caso demitido, não teria a menor consideração do clube pelo gesto de ter permanecido. Essa é a triste realidade do nosso futebol.

Sem uma garantia de tempo para impor sua metodologia, arriscado é demais permanecer no Brasil.

ENTRE O BRASIL REAL E O IMAGINÁRIO | Osorio, íntegro, profissional, com posição definida, ao chegar ao Brasil colapsou entre a imagem que os dirigentes construíram do São Paulo e como de fato se encontrava o clube.

Explicitado durante uma coletiva de imprensa, quando perguntado se confiava na diretoria, respondeu especificamente: – Quanto à venda de jogadores do elenco, não. Naquele momento, Osorio parecia um imigrante do século XIX, que chegara ao Brasil impulsionado pelos cartazes promocionais espalhados pela Europa, com a esperança de fazer a América por aqui. Como Renato Russo disse “Índios”: “Quem me dera, ao menos uma vez, / Que o mais simples fosse visto como o mais importante / Mas nos deram espelhos / E vimos um mundo doente.”

Osorio, que conviveu com o sistema do futebol inglês, ficou chocado ao constatar tamanho amadorismo do nosso futebol que, mais pelo talento dos nossos jogadores dque nosso planejamento que praticamente não existe, já conquistou cinco vezes o mundo.

Ao despertar do sonho de treinar em terras brasileiras, em meio ao desmanche do elenco do São Paulo, a interferência amadora dos conselheiros/dirigentes e um calendário sufocante, colocou os pés no chão e sentiu  a realidade angustiante.

TURBULÊNCIA POLÍTICA NO SPFC | O colombiano , inteligente, entendeu o momento político que atravessa o São Paulo: diretores digladiando-se nos bastidores, a necessidade de vender jogadores, salários atrasados e rombos orçamentários que impedem de grande contratações. Em meio à disputa de Montéquios e Capuletos da Verona-Morumbi; Osorio constatou que se encontrava em meio à uma guerra que não era/é sua, mas que afetava o campo de batalha, os gramados.

TEORIA E PRÁTICA E INTOLERÂNCIA | Não necessariamente tudo o que Osorio trouxera deve ser tomado como a fórmula de sucesso, por outro lado, seus métodos evidenciaram as nossas fraquezas: a impaciência e nossa resistência burra, que não concede tempo e que é contraditória, pois ao mesmo tempo anseia pelo novo, também rechaça tudo o que é diferente aos padrões. Osorio mostrou parte de nossa intolerância para quebrar paradigmas.

CINISMO: NOSSA “FALSA CORDIALIDADE” | O mundo do futebol não está isolado em uma bolha. O futebol e toda sua estrutura são reflexos da sociedade em que vivemos e de quem somos.  Por isso, no Brasil, onde a nossa “falsa cordialidade” está arraigada em nossos comportamentos, que se movem por interesses, Osorio acabou sendo vítima do seu excesso de profissionalismo, que não compreende o cinismo, a falsidade e o pesado jogo político que acontece foram das quatro linhas.

A interferência-picardia brasileira, ou cornetagem, é outro elemento que infecta as estruturas dos clubes e, consequentemente, do futebol brasileiro. Nosso paternalismo esbarra a profissionalização.

UM ESPELHO CHAMADO OSORIO | A discussão sobre a saída de Osorio não pode se concentrar em questionamentos distorcidos, tais como: – quem é maior, Osorio ou o São Paulo? A questão está muito além disso.

A presença de Osorio no futebol brasileiro praticamente nos obrigou a debater questões que sempre se escondiam em nossa soberba pentacampeã do mundo, que um dia ruiu, em nosso quintal: – Até que ponto aceitamos novas ideias e propostas de jogo? Até que ponto o sistema brasileiro é profissional? Até quando vamos manter a política de demitir técnicos com duas rodadas? Quanto tempo se leva para desenvolver um trabalho? Como são os bastidores do nosso futebol? Qual o planejamento dos clubes?

O convite da Seleção Mexicana representa, de certo modo, uma saída digna, honrosa, para um grande treinador e um grande ser humano, que um dia ousou dizer o que pensa nas entrevistas coletivas e, sobretudo, ousou tentar mudar a nossa mentalidade sobre o futebol. Osorio vai para o México, mas nos deixará o legado da dúvida.

***RICARDO FLAITT (Alemão) é um cronista-torcedor apaixonado pelo São Paulo. Fã de Garrincha, Telê Santana, João Saldanha, Careca, Afonsinho, José Trajano, Tostão e Nelson Rodrigues. E-mail: flaitt.ricardo@gmail.com