O episódio do Zorra Total veiculado ontem pela TV Globo deu o que falar imediatamente após a sua exibição.

Considerando que ela, a Globo, se considera um baluarte da luta contra a homofobia, que inclusive se vangloria pelas “ações” que faz nesse sentido em suas novelas, para “supostamente debater o assunto” ao promover casais homossexuais em determinados núcleos das suas tramas novelescas, é inadmissível a vinculação de um clube de futebol (um esporte cuja natureza é reconhecidamente passional, e portanto um território perigoso para este tipo de brincadeira com a “oficialidade” que a grade de programação da maior tv brasileira possui), da maneira que foi, utilizando a bandeira do SPFC, símbolo de uma instituição gloriosa, quase centenária, que representa o país com brilhantismo por onde passa, em situação tão pejorativa e desrespeitosa, como pode ser visto por milhões de telespectadores ao redor do mundo num dos quadros do programa de humor, fazendo uso de um escárnio desnecessário, dos mais baixos, naquilo que parece ser lugar comum no humor de hoje: lançar mão do pior dos mundos para tentar fazer rir, divertir, entreter.

Num país tradicional e conservador (aqui não faço juízo algum de valor) em que o assunto homofobia é tabu, que muitas vezes divide famílias inteiras, pauta em que muitos sustentam a tese de ser motivação para assassinatos inclusive, é no mínimo irresponsável assumir o risco de incorrer na ofensa, ainda que defendida por seus idealizadores pelo fato de estar inserida dentro do contexto de um quadro de humor.

E como ficará amanhã, quando da divulgação, por parte da emissora, de campanhas pela paz no esporte? Será o cúmulo da hipocrisia? Cabe questionamento: o escárnio é um salvo-conduto que se transforma em permissão para hipocrisia?

Registre-se: cobrar coerência de quem tem tamanha presença no cotidiano da sociedade, no dia-a-dia dos lares das famílias brasileiras, é um ato de cidadania!

Não há o que se falar sobre direito de expressão ou censura. Defendo até a morte o direito de a emissora veicular o que bem entender, inclusive as mais atrozes balburdias. Contudo, quando se tem tamanho poder de alcance como formadora de opinião, há que se estabelecer filtros cuja estrutura esteja impregnada pela premissa da responsabilidade. Até porque — e principalmente! — apontar o dedo só para denunciar o preconceito não resolve a questão e essa ambiguidade só joga contra o verdadeiro proposito que a própria emissora demonstra abraçar, em conjunto com outras instituições, inclusive os clubes de futebol: acabar com todo e qualquer tipo de violência no esporte, mas sobretudo na vida, aqui inclusos o racismo e a homofobia, chagas que não se fecham!

Ou então que nos embruteçamos todos, nos acostumemos com o “status quo” e não mais nos indignemos com acontecimentos como o de Charlie Hebdo e sua trupe, na França, recentemente.

“A tudo me é permitido, mas nem tudo me convém”, há cerca de dois mil anos já ensinava o meu xará famoso.

Paulo Martins