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Estranho o título do texto? É.

Títulos de um texto/coluna/crônica/ensaio às vezes são enigmáticos não só para quem lê, mas também para quem escreve. Geralmente escrevo tudo primeiro, depois vem o título. Mas hoje ele veio antes. Para que o amigo leitor tenha uma ideia de como funciona o meu “processo criativo”, quando o título vem antes, significa que nem eu, escriba, sei como esta coluna acabará. Será preciso desvendá-lo. Então pego meu chapéu de Indiana Jones e dou início à odisseia. Será necessário um parágrafo-parêntese, a fim de inserir todas essas letras num contexto.

Segundo a famosa estória de “O Livro das Mil e Uma Noites” (leitura recomendadíssima), Xariar, rei da Pérsia da dinastia dos Sassânidas, descobre que sua mulher é infiel, dormindo com um escravo cada vez que ele viaja. O rei, decepcionado e furioso, mata a mulher e o escravo, convencendo-se por este e outros casos de infidelidade que nenhuma mulher do mundo é digna de confiança. Decide então que, daquele momento em diante, dormirá com uma mulher diferente cada noite, mandando matá-la na manhã seguinte: desta forma não poderá ser traído nunca mais. Isso ocorre até que o rei se casa com Xerazade, que segundo consta, havia criado um estratagema capaz de dissuadir o rei de sua estranha “mania”. Então, após as núpcias, Xerazade, prestes a morrer, pede ao rei para contar-lhe um conto. Conta-lhe a “Estória do mercador e do gênio”. Passa a noite falando e o rei ouvindo atentamente. Ao amanhecer, interrompe o relato, prometendo voltar a terminá-lo na noite seguinte. Maravilhado, o rei suspende a ordem de execução de Xerazade, para saber o final da estória. E assim é noite após noite, um conto emendado no outro, todos maravilhosos. Ao fim de inúmeros contos, a vida foi passando e o rei se dá conta de que há três belos frutos gerados por sua esposa, três filhos, arrepende-se de seus atos e, convencido da dignidade de sua atual esposa, oficializa Xerazade como sua rainha definitiva.

E qual a finalidade de relatar a síntese do “Livro das Mil e Uma Noites” ? Será útil, veremos adiante.

Sábado à noite. Gente no concreto, confiante, coberta de esperança, uma tênue esperança. Emergem os onze. Vem o jogo. Vai a bola. Vem o desespero. No banco, tentou-se de tudo. Nada deu certo. Má jornada. Acontece, principalmente nessa fase em que nos encontramos.

A bola ainda rolava quando o som gutural vindo do concreto nos tomou a todos de assalto. Veio a vaia. Contra tudo e todos. Quer dizer, nem tanto. Jogadores e treinador (pasmem!), basicamente.  Uns, ensandecidos, pedem a cabeça de Osorio, recém-chegado, querendo Muricy, recém-saído. Ladraram como cães raivosos, salivando diante da presa. Depois do jogo, o ápice da revolta e da estupidez, da canalhice, da bestialidade: alguns criminosos atentaram contra alguns jogadores, golpeando os carros deles que estavam no estacionamento do Morumbi.

Desde Charles Müller sabe-se que futebol é paixão e que desde muito esperamos por um São Paulo convincente, trabalhador incansável, insinuante, feroz, vencedor. Ninguém discute que aqueles 0x3 de sábado foram de difícil digestão. Mas há limites, até para a imbecilidade. E não há outro caminho a ser seguido a não ser colocar o momento em perspectiva. Pensar coma cabeça, por mais óbvio que seja pedir tal coisa.

Primeiro que não há, sob hipótese alguma, oo que justifique atos desta natureza — nem as vaias, pelo momento em si — mas o contexto faz do ato, além de todo o escrito, uma injustiça ATROZ! Senão vejamos:

Tivemos como nação, futebolisticamente falando, a nossa dose monumental de desastre. Um acachapante desastre, em rede mundial, muito embora fosse uma tragédia anunciada há tempos. E numa metáfora sob o mesmo tema, talvez já tenhamos passado do momento do rescaldo, de cuidar dos sobreviventes, de ver surgir novas lideranças logo após o “marco zero” da hecatombe (poucos, é verdade!). Talvez estejamos no início da reconstrução, pedra por pedra, tijolo por tijolo. Aí advém a necessidade premente do respaldo, da confiança, da perseverança no dia-a-dia do trabalho bem realizado, da esperança no timoneiro por parte de todos que estão no barco.

Osorio é o líder. E, longe de ser um qualquer, é um senhor timoneiro, que já provou seu valor em outras oportunidades, vem trabalhando para impor sua concepção de futebol dentro do São Paulo Futebol Clube. O ponto em que hoje o futebol brasileiro está situado no rol das grandes potências futebolísticas, os tais 7×1 e tudo o que vem acontecendo dentro e fora de campo, dão a dimensão do tamanho do trabalho a ser realizado pelo treinador colombiano… São anos de inefável dormência sobre o berço esplêndido, que nem era mais tão esplêndido assim.

Recebeu um elenco limitado, de jogadores com deficiências de formação, que ficou ainda mais carente diante da necessidade premente de se fazer dinheiro para cobrir os rombos financeiros causados por má gestão. Fatos! O treinador disse não saber que a situação financeira do clube era tão delicada, mas seguiu adiante, trabalhando.

Enfrentou — enfrenta! — problemas de adaptação, o maior deles, seguramente, em virtude do preconceito que vem sofrendo de treinadores brasileiros, de alguns setores da imprensa, que em alguns momentos deixam evidente estarem dando tudo de si para criar uma imagem pejorativa, folclórica de nosso “entrenador“, como que se quisessem — acho que querem! — sabotar seu êxito. Como se o futebol brasileiro carecesse de algo desta natureza, de folclore, de personagens pejorativos… Alias, isto explica muita coisa, acreditem. Verdade também que Osorio, inexplicavelmente, enfrenta a desconfiança até de alguns torcedores.

Necessário, apesar da obviedade ululante, discorrer sobre a inquietante ausência de planejamento do São Paulo, dado o momento em que Osorio começou a reconstruir o time, meio do campeonato, uma tarefa árdua e complexa, da qual o treinador não se esquiva e nem usa como desculpa.

Todavia, o bom caminho dá seus sinais, de modo que há evidências de estarmos pisando sobre ele. É com bastante satisfação que constato haver, apenas assistindo aos jogos, um time em formação, não apenas no futebol pobre de jogar sob a dependência da individualidade de algum fora-de-série, ou sob alguma estratégia “Titísca” de viver por uma bola, de fazer a vida no erro do adversário e achar isso o melhor dos mundos, como um bando de hienas remansando à espera da sobra da carcaça putrefata. Eu quero o melhor do banquete, não a carniça! E estou falando  de uma nova concepção de futebol, propondo um jogo de feroz, vertical, mortal, de dominação plena, ativa e real, um jogo alfa, o que significa, acima de tudo, vencer pelos méritos do protagonismo. E o maior número de vezes possível! Indago: quando foi a última vez que viram um time brasileiro (vale até seleção) jogando, vencendo e convencendo por ser o melhor, não apenas o mais “eficiente”? Porque tem vencido o que erra menos, quando precisa vencer o melhor. E o melhor nunca poderá ser a hiena, mas o Leão! Paremos com o diabo de nos contentar com pouco, com o futebol do meio-a-zero, a doença que parasita o organismo do futebol brasileiro e se alastra como metástase!

É isso que Osorio quer! Prova é que Rogério Ceni, já calejado por sua história incontestável dentro do futebol, recentemente surpreendeu (e de certo modo nos deu indícios do tamanho do desastre) ao dizer que nunca havia visto um treinador trabalhar taticamente como Osorio. Apesar de desnecessário, faço questão de lembrar que Rogério Ceni ganhou quase tudo pelo São Paulo e seleção brasileira, tendo disputado algumas Copas do Mundo.

Mas isso demanda trabalho duro e tempo! Então, precisamos, mais que nunca, de paciência. É… De novo! Mas há outro jeito? Suponho que não.

Apesar dos erros recentes, há sinais de que a direção está avalizando tudo o que é feito pelo treinador, dando-lhe confiança e tranquilidade – na medida do possível — para realizar o trabalho para o qual foi contratado.

Falta, portanto, que a última peça se mova em direção à convergência, uma sinergia perfeita entre direção, time e torcida. Urge que façamos a nossa parte, como torcida. Urge que sejamos torcedores do São Paulo Futebol Clube de direito, mas principalmente de fato. Urge que deixemos de agir como o rei Xariar do início do “Livro das Mil e Uma Noites” do início da coluna, que deixemos de desconfiar daqueles que estão ao nosso lado, que lutam conosco, que paremos de assassinar aqueles que nos trarão frutos futuros por conclusões imediatistas e, portanto erráticas, como tem sido. O São Paulo e sua torcida – NÓS! – precisam deixar de ser esta usina de moer gente, implacável, que não oferece a ninguém a oportunidade e o tempo de fazer história.

Profe. Osorio, de minha parte, estarei convosco até o fim dos dias!

E vocês, meu caros amigos leitores, estão com Osorio?

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Paulo Martins