No jogo da vida, onde o gramado é um globo, torcer para um time de futebol representa a possibilidade dos homens tabelarem com o que não é passível de respostas. Torcer, aos apaixonados pelo futebol, é um ato de devoção e reverência ao que estabelecem como sagrado, assim como  a humanidade se manifesta e tenta encontrar explicações por meio das religiões.

O ser humano, movido pela paixão, pelo encantamento e pela emoção, encontra no futebol uma de suas razões inexplicáveis para suportar o concreto e a burocracia do cotidiano; uma vez que o esporte, se analisado com as réguas e compassos do tecnicismo, não é mais do que 22 homens, correndo atrás de uma bola dentro de um retângulo gramado, lutando 90 minutos para tentar passá-la por outro retângulo de aço. O futebol, assim como a vida, pode parecer simples, mas não o é.

Futebol, para o torcedor, representa a quebra da ordem do sistema, é a possibilidade de subverter tudo aquilo que chega em nossas vidas por meios de manuais, regras, cartilhas e outros compêndios desenvolvidos para domesticar o que temos de humano.

O imponderável, o impalpável, o intangível, o onírico, sintetizado no universo da bola, serve mais de base para a explicação de nossa existência, do que as exatas e vãs tentativas da ciência e da lógica, que trocam infinitos passes, porém, de fato, nunca atingem “a meta da verdade absoluta”.

Sendo a vida uma incerteza, do nascimento à morte, talvez o futebol, em seu microcosmo de 90 minutos, seja a representação real mais próxima do palco e do jogo a que somos submetidos na partida da existência.

Sendo o futebol objeto da criação humana, os homens também se apropriaram da fé dos torcedores para interesses próprios. No entanto, por mais que os homens explorem a força de trabalho e o talento de outros homens, é difícil apagar a chama que ilumina a paixão de quem torce por um time de futebol. Chama até capaz de perdoar ou desconsiderar os torcedores da agremiação do capitalismo.

Quando olhamos para um campo de futebol, quando sentimos o delírio da massa ao grito de gol, quando milhares pulam pelo mesmo motivo, quando buscamos entender os esquemas táticos, quando nos resignamos diante de uma derrota, quando nos preparamos para uma nova partida, quando formamos uma só família nos estádios, quando nos compreendemos por meio de um gol, todas essas articulações fazem parte de uma peça chamada futebol, mas que também pode ser comparada às nossas vidas, onde um árbitro supremo joga com nossos destinos.

Torcer para um time de futebol é compreender que o sentido do jogo, e da vida, está em não conjecturar razão alguma, consistindo apenas em sentir. Como disse o poeta Fernando Pessoa: “Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias”.

***RICARDO FLAITT (Alemão) é um cronista-torcedor apaixonado pelo São Paulo. Fã de Garrincha, João Saldanha, Careca, Afonsinho, José Trajano, Tostão e Nelson Rodrigues. E-mail: ricardoflaitt@hotmail.com