Banner - Coluna do Paulo Martins

Meu comandante, a “conversa” será longa. Peço desculpas antecipadamente.

Quero lhe desejar as boas vindas! Sua auspiciosa chegada, acredito e torço por isso, nos fará muito bem! Já faz, na verdade. Pois fazia um tempo que o entusiasmo não dava as caras por estas bandas tricolores e os méritos são seus, antes mesmo de dar o primeiro treino. Os seus recentes bons trabalhos e a maneira como é tratado pelos clubes que deixou são suas maiores credenciais neste primeiro momento, afinal pouco sabemos sobre seus métodos. Contudo, no pouco que nós, torcedores, vimos de ti nestes poucos dias de “convívio”, entusiasmamo-nos com uma característica sua, em especial: a humildade. Esta qualidade é a força motriz dos grandes feitos e, não estranhamente, é o que mais tem faltado por aqui.

Sem querer assustá-lo, já de antemão cravo que sua missão, embora restrito ao São Paulo que lhe contratou, inevitavelmente acaba por ser mais abrangente, como explicarei mais adiante. Um São Paulo vencedor, maior, cumprirá dois objetivos: o primeiro, óbvio, diz respeito aos interesses do clube e sua torcida. Já o segundo dirige-se ao futebol brasileiro. Professor Osorio, nós tricolores, mas principalmente brasileiros, precisamos de uma lição.

Não, não é exagero de minha parte. Comandante, o que há por aqui – e o São Paulo também é parte disto! – é o que eu chamo de “renuncismo”, algo que a mim, particularmente, tem doído nos tutanos. “Renuncismo”.  Não irás encontrar esta palavra nos dicionários que tratam de nosso idioma. Oficialmente, o termo inexiste em nosso vernáculo, mas tentarei ser o mais claro possível para lhe explicar o meu intento ao “criar” a palavra.

Tudo começa pela falácia do “Nascidos para jogar futebol”, frase que alguém, beirando à arrogância, mandou escrever dentro de uma das versões de nosso uniforme canarinho, embasbacados na soberba que tem sido a mãe de nossos males. Essa simples oração é o gatilho de todo um processo de renúncia sistemática a tudo que já nos fez os maiores por sobre a grama.

Nossos “comandantes” têm renunciado às inovações táticas, estratégicas e técnicas trazidas pela evolução natural do esporte, atributos aprovados na prática, que aqui são tratados por eles como “bobagens”, “modismos”, “estrangeirices”. Há desdém, até repulsa pelo estudo. Pobre daquele que tirar um período de sua vida para acompanhar, lá fora, mais de perto, o trabalho de um treinador europeu… Será alvo de preconceito, motivo de chacota pelos “sumos sacerdotes do país da bola”. O retrógrado futebol que apresentamos – São Paulo e futebol brasileiro, via de regra – muito se dá em razão disso. Ao invés de ampliar seus repertórios com o domínio de novas qualidades (o que demanda estudo e prática, óbvio!), optam por defenestrar aquilo que não controlam por desconhecimento. Usando a famosa lenda “A Raposa e as Uvas” como figura de linguagem, é sempre o caso de as uvas estarem demasiadamente altas, portanto são as piores e fim de papo. O comodismo os impede de empreender a escada. Se escada, perde-se a oportunidade de provar a fruta.

Os alicerces estão comprometidos. Meu Comandante, aqueles que são responsáveis pela formação – e aí cabe a ressalva da gestão de dirigentes “duvidosos” e influência de agentes “Fifa”, não só os treinadores – renunciam aos fundamentos, aquilo que de mais rudimentar há no ato de jogar bola, ou seja, ensinar o passe, a cobrança de falta, os tiros de escanteio, cobranças de lateral, chutes à média e longa distâncias, finalizações de dentro e fora da área, cobrança de pênaltis, desarmes, posicionamentos, movimentação, sistemas de jogo… Tudo porque, afinal de contas, há o aviso intermitente piscando do lado de dentro de nossos uniformes: “Nascidos para jogar futebol”. “Se naturalmente somos assim, tão melhores, qual a razão de todo este preparo?”. É o que pensam… Dados os espetaculares times desde a década de 50 até o início dos anos 90, criou-se no consciente e subconsciente comum de todo o brasileiro aquilo que eu chamo de “monopólio da virtude”. “Só nós somos os bons. Eles são desengonçados, não sabem jogar bola…”. Pois é, veja só…

Comandante… Desde o início do processo, renunciaram ao ofício de buscar a lapidar o talento – a nossa marca – potencializando-o com os tais rudimentos citados acima para, visando outros objetivos, formatar um produto de interesse internacional. Este êxodo continua, mesmo que o produto não seja mais lá essas coisas. De tempos em tempos partem “carregamentos de gente” buscando sonhos, fama e dinheiro no estrangeiro. São meninos que se formaram (mal) nos campinhos bancados por empresários e mesmo nos clubes mais tradicionais, tendo como sonho de criança a Champions League ao invés da Libertadores. Claro, a culpa não é deles, somente. E no fim, salvo raras exceções, nas quais incluo muitos atletas formados pelo São Paulo, o que exportamos é dor de cabeça para dirigentes europeus (que parecem que não aprendem, também!). Até porque a formação é deficiente em todos os sentidos e embora eu queira deixar estes escritos restritos à bola, fraquejo e sucumbo diante do inevitável paralelo com a vida cotidiana, por respeito ao fato. Com a formação equivocada, muitos vão “com defeitos” que se não inviabilizam o atleta dentro de campo, trazem dificuldades ao homem fora dele, deixando problemas para o dirigente europeu administrar.

Ressalva: não quero colocar sob seus ombros o trabalho de revolucionar o futebol no Brasil. Isso cabe aos dirigentes, seara cujo cuidado deverá, infelizmente pelo ponto em que se encontra, ser dado pelas autoridades constituídas do nosso país, administrativa, civil e criminalmente; e também por nós, povo como um todo. É um processo abrangente, trabalhoso e longo do qual não podemos nos furtar. Mas o Sr. poderá nos ajudar pelos exemplos… O conselho ajuda, mas o exemplo arrasta!

Mas voltando ao São Paulo e ao Sr., Comandante, a partir do momento em que o trabalho começar a render seus frutos, com o São Paulo jogando um futebol moderno, de alto nível, e os resultados aparecerem, haverá naturalmente outra mudança também importante dentro do contexto do futebol no Brasil: a maneira como boa parte da imprensa vê e noticia tudo acerca do esporte. Os formadores de opinião. Pois é: uma porção razoável desta classe também renunciou às boas práticas do jornalismo. Nos sonegam a verdade, colocando o foco em coisas menos importantes. O Sr. já deve ter sentido isso, percebendo que, em algum momento, buscaram detalhes bem particulares a seu respeito, dando demasiado destaque aos seus bilhetinhos, às canetas que carrega dentro das meias, em certo ponto até em tom jocoso, ao invés de noticiarem seus feitos como treinador. Teve até uma repórter de campo que “fez plantão”, marcando-o de perto, tentando tirar algum detalhe mais curioso sobre o Sr. ou sobre o idioma, para contar aos telespectadores, como se quisesse transformá-lo num personagem folclórico. Boa parte da imprensa que cobre o esporte tem agido assim, Comandante. Destaca-se a banalidade, a zona de conforto. O que precisa ser escrito, o que precisa ser dito fica à margem. O compromisso com a verdade é a maior prova de respeito possível! E a falta de respeito é imensa…

Tomemos como base os famosos 7×1. Muitos têm insistentemente tratado o assunto como “apagão”, por visão estreita, por cegueira nostálgica ou por interesse sabe-se lá de quem para manter o “status quo”. Parte até compreende que não somos, há muito tempo, os melhores da bola. Mas ainda assim parecem buscar motivos para diminuir esse fato, se apoiando na muleta do apagão, da “falta de Neymar”. Aliás, apresento-lhe mais uma “jabuticaba” (expressão que usamos para nos referir a coisas que só existem no Brasil, como essa saborosa fruta): por aqui, até o ditado popular muda: tapa-se o sol com muleta, ao invés de peneira. Isso tende a mudar, espero, conforme os resultados forem aparecendo. Só mais um dado: muitos na “mídia especializada” não conseguiram disfarçar o contentamento em falar que o Sr. cometeu erros na última partida, como que tentando tragar o Comandante à vala comum dos treinadores brasileiros. Peço-lhe desculpas, meu Comandante!

Como escrevi anteriormente, meu Comandante, o São Paulo é parte integrante do futebol brasileiro e, portanto, padece do mesmo mal. Pouca ou nenhuma organização tática, um escrete sem estratégia, coletivamente acéfalo, acomodado. Estranho que, ao avaliar individualmente os atletas, nota-se material humano de razoável para bom, em alguns casos excelentes. Mas a coisa não vai. Não encaixa. Não “dá liga”, como dizemos por aqui. Às vezes, parece que corre pouco (ou corre errado!), flerta com a preguiça! Em certos momentos, vemos até algum desinteresse, uma falta crônica de vontade de vencer. Se o Sr. acompanhou outros esquadrões tricolores, como os da década de 70, 80 e principalmente 90, além daquele time muito bom de 2005, certamente sabe que o atual São Paulo ainda não é digno das tradições do clube.

Para encerrar, meu Comandante, afinal não quero tomar ainda mais o seu tempo, mas quero lhe falar sobre a fé. Não sei se ainda sabe, mas o São Paulo é conhecido por “Clube da Fé”. Não é nada relacionado à religião propriamente dita, apesar de o time levar o nome de um escriba  famoso das Sagradas Escrituras. Peça a qualquer um para lhe contar a história da moeda que caiu em pé. Pois bem, a fé é o sal desta “terra verde”. Os que aqui travam suas lutas têm sobre si, além de tudo o que o Sr. já percebeu, uma força especial que os move. Portanto, se tem convicção sobre algo, trabalhe nisso e faça uso indiscriminado da fé… Acredite com todas as suas forças! Em alguns momentos, me parece que falta um tanto isso: fé! Se por um acaso se sentir só (outro país, outra língua etc.), olhe para aquele gigante de concreto apinhado de gente, que somado a outros tantos milhões em suas casas estarão contigo numa grande comunhão, acreditando com todas as forças, para que dê certo!

De todo coração, meu Comandante, com todas as minhas forças, eu tenho fé, espero e torço para que o Sr. faça história no São Paulo!

Forte abraço,

pm-