Banner - Coluna do Paulo Martins

Ah meu gigante!

Por justiça, por equivalência, por inspiração divina, por visão estratégica, por amor… São muitas as tuas causas e único é o teu destino. Quis a história caprichar no esmero por teu leito!

Da necessidade que fecundou os corações daqueles que te idealizaram, partiu também o grito incontrolável pela vanguarda inerente ao clube que abraças e que te abraça.

E se é verdade que a cada escolha compete uma renúncia, nossa é a ciência do que disto se trata. Sabemos bem, “tin-tin por tin-tin”, como dizem… Afinal, desde aquele instante do primeiro risco que lavrou a terra que hoje lhe ampara, o sofrimento dentro de campo fora o insumo perfeito para o orgulho que tínhamos ao lhe ver surgindo daquele chão, erigindo rumo ao céu, teu ofício!

E tua responsabilidade foi sempre grande, na medida em que em tuas veias de ferro e concreto correm, desde o início, o suor de muitos abnegados tricolores, que enxergaram muito além da razão e quiseram, com todas as forças que tinham, com tudo o que possuíam, fazê-lo brotar do chão. Quem presenciou aqueles anos difíceis, quem viveu as agruras daqueles tempos, jura que foram o amor a tua concepção, a fé tua manjedoura, e a ética, somada a probidade do labor em ti empregado, o teu alimento.

Os gols rareavam a medida que mais e mais centímetros cúbicos de concreto lhe compunham. Se o time em campo não era dos melhores e pouco causava de incômodo aos rivais, o porte daquele que se insurgia por entre aqueles morros era motivo de latente preocupação para esses. Todo mundo teme o que desconhece, mas no seu caso específico, no futuro dariam conta de que temeriam por saber quem seria você, meu gigante. E o que seria para nós!

Ainda consumidos totalmente por tua vinda, tivemos dias bons. Tivemos Dias, Roberto Dias. Um monstro que demonstrou com máxima eficiência o que deveria ser um jogador defensivo. Era temido por todos, principalmente pelo Rei. E Dias foi o único dourado entre tantos bagres. Foi a decantação extrema, a purificação por aqueles dias difíceis.

Sobrevivemos à estiagem de morte. Havíamos de sobreviver naquela selva, pois se ali vigorava a lei do mais forte, inconcebível era outro resultado, que não nosso triunfo, meu gigante! Como todo ser vivente, não ficastes pronto de imediato. Desenvolvestes aos poucos toda a tua envergadura, apesar da nossa pressa em tê-lo, de nossa urgência urgentíssima, do tamanho do nosso sonho, da nossa luta e da nossa fé. Fostes tomando sua forma definitiva aos poucos, para assombro de toda uma sorte de detratores. Não por acaso, os que chegaram próximos de tua magnitude, o fizeram décadas depois, por meios questionáveis, imorais até.

Mas falemos do que causa orgulho. Falemos de ti!

Sabe, meu gigante, talvez a maior de tuas realizações não esteja dentro de campo, exatamente. O torcedor tricolor, de um clube mais jovem que os rivais, sofria com o estigma de uma espécie de inferioridade, impingida pelo trato dos adversários. De certo modo, não incomodávamos os alviverdes e nem os alvinegros. Sentiam pena de nós. Refestelavam-se em tripudiar nossa “humildade”. Havíamos de ser humildes, rasteiros, imperceptíveis a eles, inocentes e inofensivos a alternância de seus reinados.

Quem viveu aquele tempo afirma que olhavam para nós como um “sapo sarnento” qualquer, sempre de rabo de olho, num mito de escárnio e dó. Talvez fosse até a tal “sarna bíblica” citada por Nelson Rodrigues.

Ah, meu gigante, isso mudou com o seu advento. Brotou daquele chão algo capaz de fazê-los tremer. “Tirem suas sandálias pois é santo este lugar!”. Tirem mesmo! Por que como costumo dizer, foi dada a eles a visão da materialização da fé. Da nossa fé. Da nossa fé pela tua combinação com aquele manto tricolor, de peso e valor intangíveis, de magnitude imensurável. Tens ideia do que fizeste? Nos destes dignidade, acima de qualquer outra coisa. O resto foi acréscimo, consequência. És a simbiose perfeita entre chão, suor, paixão e glória, numa uma inter-relação íntima entre os organismos envolvidos que se torna obrigatória.

Ah, meu gigante… És leito carroçável de infindáveis e infinitas voltas olímpicas, de taças nas mãos! Momentos que semeiam paixão e suicídio, este último em sentido figurado, mesmo tendo visto adversários “querendo morrer” ante a superioridade de quem é, de fato, soberano.

Não és o mais moderno, nem o mais caro, tampouco o mais novo. Talvez nem sejas o que dê mais dinheiro ultimamente. És o mais vencedor, isso sim! E és nosso, ad aeternum! Carregas em teus meios o mutirão de uma multidão tricolor que te quis desde o primeiro dia! És o legado daqueles que se foram e lhe fizeram grande, o maior particular do mundo por muito tempo. Eles vivem em ti do mesmo modo que tu vives em nós, caro gigante.

Para mim, mero escriba, torcedor, isso basta! Dá e sobra…

Ah, meu gigante… Tenho convicção de minha falta de embocadura para redigir um conjunto de palavras que seja sobre sua epopeia, afinal mal compreendo os assuntos do meu querido “Condado dos Guarás”…

Aliás, onde estão elas, as palavras, neste momento? Justamente elas, que alimentam o meu ofício… Sumiram todas! Deram baixa. Desertaram. Tiraram férias. Desistiram de mim, sei lá. Onde estão, não importa. Hoje não. Porque também tenho consciência que falar de ti, ó Morumbi, é sublimação, silêncio e contemplação.

Ave, gigante Morumbi! Tua nação te saúda!