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A quarta-feira de cinzas é um dia paradoxal. No Brasil, Momo abdica do trono por um ano e o povo começa a se refazer da folia que toma conta do país. No mínimo, celebra-se o descanso prolongado. Uma ode ao arrefecimento, a desaceleração da vida. Mas dentro de campo, geralmente a coisa ferve.

Ainda me refazendo da correria que foi para mim este carnaval (qualquer hora dessas esses dias viram uma crônica, quem sabe…), de repente me lembrei que era dia do primeiro “Majestoso” do ano, este pela Libertadores.

Atarantado por uma virose que quase me fez naufragar no menos nobre dos mares, avisei ao chefe que não teria condições de cumprir com o expediente no escritório e fiquei em casa. Com uma caneca de café nas mãos e dois comprimidos de Imosec sobre a mesa, me pus a folhear os jornais do dia. Tenho esse hábito desde adolescente. Assino três jornais diários. O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e o Jornal Agora SP. Eles seriam o meu termômetro para o clássico de logo mais a noite, desanimado que estava para sentar em frente ao computador para apurar melhor as notícias.

Pois bem, vi que Muricy ensaiava uma formação diferente. Os convocados para o banco sinalizavam isso. Me pareceu uma convocação ligeiramente diferente do habitual. Poderiam ser três zagueiros, poderiam ser seis homens no meio-campo e somente um no ataque… Enfim, opções. Pensei um pouco e balbuciei: “Oremos! Quem sabe variando um pouco o time encaixa e dá certo!”. O futebol tem disso.

Entre um trago e outro do meu fumegante amigo de todas as horas, pus-me a pensar em variações táticas. Imaginei um time com três zagueiros e três atacantes. Depois pensei num time com os mesmos três zagueiros e dois alas. Fui conjecturando e plantando um a um no meu gramado imaginário… Então alguém do rádio (um hábito que tenho, deixo muda a TV e ligo o rádio para “casar” com a imagem) soprou os onze. Me senti mal. E não eram as dores no abdome que também me faziam vergar.

Pois veio o jogo. Eu, por motivos óbvios, bastante fragilizado, não estava “no clima”. Culpa minha, não deles. O time entrou em campo. O gramado, mais negro que verde, fervia. Mesmo debilitado, mantive fé (sempre mantenho) e a confiança advém disto. Durou pouco. A confiança desistiu de mim, foi me abandonando aos poucos, como a areia deixa a metade de cima da ampulheta conforme o tempo passa.

Inexplicavelmente, mais do mesmo. O mesmo time que não funciona, o mesmo abatimento, a mesma apatia, os mesmos gestos à beira do gramado, as mesmas expressões…

Com dois centro-avantes como homens de frente, o ataque ficou lento. Tite, esperto, avançou a linha da zaga, de modo que ou ficavam em impedimento ou, após desvencilhar do primeiro marcador, não tinham pernas para seguir adiante e eram presas fáceis para a sobra. A coisa estava tão fácil que Gil não se contentou em anular somente Kardec e ajudou a matar Ganso, inoperante na partida. Muricy nem parecia surpreendido no banco. Parecia aceitar, parecia jogar para eles, não para nós. “Jogai por nós, por nós… POR NÓS!”, orava em silêncio.

Porque não há como encarar de outro modo o fato de deslocar um jogador lento e fraco na marcação para acompanhar o rápido e eficaz Elias, que contra o São Paulo, inexplicavelmente, tem um retrospecto incrível e sempre marcando gols da mesma maneira.

O tricolor, modorrento, tocava de lado como se tivesse vencendo. Um domínio que não era domínio, era engodo. Sem inspiração, sem jogadas ensaiadas, sem velocidade, sem dribles… “Terra arrasada”, pensava eu, analista. “Exagero meu, acho”, me corrigia, torcedor, mentalmente. O analista estava mais próximo da verdade.

Um dos nossos maiores destaques, que poderia causar mais danos ao adversário, relegado a conter o avanço do lateral-direito deles. Essa parece ser a mentalidade: impedir o adversário de jogar ao invés de fazer o próprio time jogar. O problema é que, quase sempre, só vence quem joga. Quem só anula, no máximo não perde. No máximo…

Eu queria substituir o conteúdo do copo. Café por Whisky. O tempo passava e nem ao menos um mísero chute a gol sequer. Um!

Pois veio o segundo tempo e o segundo gol, em jogada irregular. E justo dele, Jadson, que foi de graça e joga, enquanto que a contrapartida, por motivos contratuais — e se não fosse por isso seria por inexpliável convicção “birrística” do treinador — cria limbo fora de campo.

Do outro lado, jogadas pelos lados do campo, infiltrações pelo meio, movimentação… Tudo isso em dois meses. Dois, não dezoito. DOIS! E me vem à mente uma oportunidade em que Muricy, ao ser perguntado por um repórter sobre o fato de Tite ter ido se atualizar fora do país, desdenhou da situação.

Pois é… Pois é!!!

Então, meio bêbado de sono, fraco pela doença e desapontado pelo resultado do apito final — porém sereno, visto que venceu quem jogou melhor –, compreendi que o fato de o tricolor fazer água em clássicos, principalmente nas mãos deste comandante, diz respeito à total negligência deste no preparo psicológico, mental dos jogadores. Frescura para o treinador, que entende como motivacional apenas “receber em dia” e trabalhar num lugar estruturado, é uma das chaves para desequilibrar um confronto parelho, tipicamente um clássico. Tratar bem com comida boa (receber em dia) e boas instalações é algo muito eficaz para criar gado, por exemplo. E o ofício do gado, em regras gerais, é ir ao abate.

Muricy parou no tempo. Ou o futebol que ronda sua mente pertence ao passado ou não tem condições de aplicar o que pensa aos seus comandados. E faz tempo. Aquele vexame com o Santos fez cair o véu da noiva, mas ao que parece, manteve as escamas nos olhos de alguns, principalmente de quem contrata.

Entre um trago e outro, notei que foi Muricy quem deu um nó tático… No São Paulo! O tricolor não sabe o que fazer em campo. O adversário, inferior, tem um treinador que o faz jogar próximo do seu limite o tempo todo. O São Paulo, superior, tem um treinador que não consegue transformar o que tem em um time. Dá pena vê-lo, esvaído e fragilizado, a beira do campo.

Agora, cá entre nós, Muricy: aquela história de alterar o time para o jogo, de convocar para o jogo jogadores que sinalizavam mudança tática no time era um blefe para causar dúvida em Tite? Se for, me perdoe, mas você deveria ter a hombridade e a dignidade de pedir para sair. Porque só blefa que não tem boas cartas nas mãos. Não é, nem de longe, o seu caso.