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Desafinação

Música.

A música é como o respirar. É como a batida do coração. É o imaginar, é o criar.

A música está em tudo, inclusive no silêncio.

A música está na dança dos movimentos suaves, ou no olhar fixo para uma paisagem repleta de curvas.

Ela está nos bruscos e repentinos atos da guerra. Nas explosões. Nas lágrimas do idoso que olha para a criança e nela vê o que nunca viveu, porque hoje ele se esqueceu de tudo…

A música se encontra com todos os atos e regra as circunstâncias. Ela tem cor e tem luz, além de estar no mórbido e sombrio vazio da escuridão. Ela sussurra e grita. Geme e arde como pimenta.

E, ao mesmo tempo, é doce.

E mesmo que se cante o que nunca se cantou, ali está o que sempre existiu. Nas melodias de um universo tão desconhecido como a própria palma da mão.

Sem o que dela é fruto, coisa alguma existiria.

A música é a perfeição do tempo. O ápice de sua influência. Ela dissolve os corações petrificados e enobrece as fúteis ações.

No caminhar dos passos da vida rumo à morte, tudo que cerca o ser é preenchido e desenhado pelas mãos caprichosas da música, que faz surgir no estalar de dedos uma totalmente nova situação única.

Ela provoca fogo, porque é combustível, é carbono, é oxigênio.

E tanto bate como a água… até que fura.

Fura o disco.

Pula a agulha.

E a música começa novamente.

Digo então que a música pode até estar no que triste vemos. No que nos torna mais tristes. Ainda que a irrelevância do fato nos exija um nos esquecer de toda essa droga que já vem malhada antes de nascermos, impossível se acostumar com esse ritmo atual.

É porque sabemos que algo está desafinado. As cordas estão frouxas, a caixa está furada, o trompete está entupido, o piano está sem teclas.

O São Paulo já foi como música pra mim.

Às vezes, ainda é.

Na verdade, nunca deixa de ser.

É que faz tempo que tem tocado a mesma porcaria.

Passa o tempo e me sinto ouvindo um zumbido, um chiado, um ruído horroroso, que não traz nada de bom para quem ouve.

Desafinação

Às vezes parece que é melhor que nem toquem na rádio esse barulho que vem sido propagado pelo Tricolor. Parece que surge um misto de vergonha e raiva.

Não é rock, não é samba, não é moda de viola. Não é valsa, não é funk, não é reggae, não se dança.

A bola sim. Dança.

Dança desenfreada, e passa pelos pés de um maestro surdo, imóvel, insosso. Dribla ele.

Mas também… está tudo bagunçado. Fora de lugar.

O trompete não é ali. O sax não fica ali. O piano não pode estar onde está. A flauta jamais será ouvida de onde a puseram.

Que catástrofe.

O ranger de dentes daqueles que assistem à orquestra do desespero gera erupções nos ouvidos. Pus.

E de repente os gritos.

“Faz tempo que está assim!!!”

Um bando de gente orgulhosa que não sabe montar sequer um ‘power trio’ guitarra, baixo e bateria. Porque vemos um cara com a baqueta dando porrada nas cordas e um coitado palhetando o bumbo, enquanto o outro grita no chimbal.

E tá tudo lindo para os reis nus.

Nus e surdos.

Pelados, gordos, pelancudos e inchados pelos egos.

Músicos falsos que vemos tratados como pop stars, cheios de pinta, endeusados pelas MTV’s falidas. E o sucesso nunca é por causa da qualidade sonora.

Como muitos dizem, música boa não vende. Música boa não presta.

É como deixar quem não gosta de fazer fazendo o que não se deve.

Pra essa gente, tudo é importante, menos a afinação.

Por onde diabos anda o diapasão?

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Ronnie Mancuzo – Sub